“O Senhor apareceu a Salomão durante a noite e lhe disse: “Pede-me o que queres que eu te dê!” (1Re 3,5). Que bela oportunidade o jovem rei tinha diante de si! Poderia pedir uma vida longa, muita riqueza ou mesmo a morte de seus inimigos. Deixou, contudo, tudo isso de lado, fez uma bela oração e pediu: “Dá a teu servo um coração que saiba perceber a verdade, para julgar o teu povo e discernir entre o bem e o mal. Pois quem poderia governar este teu povo tão numeroso?” (v. 9). O pedido de Salomão agradou tanto a Deus que não só foi atendido, mas até elogiado. Tendo desejado inteligência para praticar a justiça, recebeu mais: “um coração tão sábio e inteligente, como nunca houve outro igual” antes ou depois dele (cf. v. 12). A riqueza e a glória lhe foram dadas por acréscimo; e a promessa de uma vida longa ficou condicionada a levar uma vida reta.
Pouco tempo depois, Salomão viu-se diante de um delicado problema: duas prostitutas apresentaram-se diante dele. Uma delas lhe disse: “Com licença, Majestade! Eu e esta mulher estamos morando na mesma casa; eu tive um filho enquanto ela estava em casa. Três dias depois de eu ter dado à luz, também esta mulher teve um filho. Estávamos só nós duas. Não havia nenhum estranho conosco na casa, além de nós duas. Ora, morreu o filho desta mulher durante a noite, pois ela se tinha deitado sobre ele. Aí ela se levantou de noite, enquanto esta tua criada estava dormindo, tirou o meu filho de junto de mim e o colocou no seio dela, e o filho dela que estava morto o pôs no meu seio. De manhã, quando me levantei para amamentar o meu filho, vi com surpresa que estava morto; mas quando o examinei mais de perto, reparei que não era o filho que eu tinha dado à luz.” A outra mulher contestou: “Não é verdade! É meu filho que está vivo, e o teu é que está morto!” Mas a primeira replicou: “Mentira! Teu filho está morto e é o meu que está vivo!” Desta maneira elas discutiam diante do rei.” (1Re 3,17-22)
Cabia ao rei Salomão pronunciar uma sentença, que não teria apelações. Os elementos que tinha para seu julgamento não o ajudavam muito: contava apenas com as afirmações das duas mães – e afirmações contrárias. Somente uma delas estava dizendo a verdade, mas qual? Era grande o perigo de enganar-se e cometer uma injustiça. Numa intuição marcada pela sabedoria, disse: “Trazei-me uma espada!” (v. 24). E completou: “Cortai em dois pedaços a criança viva e dai uma metade a uma e a outra metade à outra” (v. 25). Nessa hora, a reação de cada uma das mulheres foi esclarecedora. A mãe do filho vivo, movida pelo amor materno, falou ao rei: “Por favor, meu senhor, dai a ela a criança viva, e não a mateis”. A outra, porém, fez uma observação marcada pela frieza: “Não seja nem para mim nem para ela: cortai-a em dois pedaços” (v. 26). Para o rei, não havia mais dúvidas sobre a decisão a ser tomada. Apontando em direção da primeira mulher, disse: “Dai o menino vivo a essa mulher; não o mateis, pois é ela a sua mãe” (v. 27). O povo foi tomado, então, de grande admiração pela decisão de Salomão e passou a respeitá-lo, pois viu que era um rei sábio.
Esta belíssima página da Bíblia tem importante ensinamento para os que, na sociedade, ocupam cargos ou funções que os colocam em situações semelhantes à vivida por Salomão. São políticos ou empresários, diretores de escolas ou juizes, industriais ou líderes, pais ou mães de família que precisam tomar decisões e, não poucas vezes, sentem-se divididos interiormente. Sabem que, se tomarem uma decisão errada, poderão causar sofrimento a muitos. No entanto, são poucos os elementos que têm à disposição para um julgamento imparcial. É nessa hora que precisam pedir a Deus o dom da sabedoria – um dom, por sinal, que deveria ser pedido sempre, diariamente, já que qualquer decisão precisa ser sábia e, portanto, justa. Poderão fazer sua a oração de Salomão (1º Livro dos Reis 3,6-9); poderão, também, repetir a oração que se encontra no Livro da Sabedoria, capítulo nove. Ambas agradam muito o Senhor, porque o mesmo Espírito Santo que as inspirou é que estará rezando estas preces em seus corações.
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia - BA