Depois da recente e malograda “iniciativa” de profanar a
liturgia cristã na Universidade de Harvard, a maioria dos cristãos foi rápida em reivindicar
uma vitória. “Deus mostrou a sua glória e a serpente foi de volta para o
inferno”, ouço dizerem. Alguns comentam que o caso de Harvard é mais ou menos
uma indicação do quanto devemos nos sentir seguros e esperançosos como cristãos
na sociedade de hoje. “Esta é uma oportunidade para se oferecer a graça de Deus
aos satanistas”, diz um. “A presidente de Harvard pode estar no caminho da
conversão”, diz outro. “Todo mundo já é cristão lá no fundo, porque todos estão
tentando, no fundo, fazer a coisa certa. Vamos celebrar a vitória de Deus! Boa
jogada, Deus!”.
As mentiras nem sempre cheiram a mentiras; muitas vezes, os mentirosos que as contam acreditam sinceramente nas piores delas. É inerente ao conceito cristão de maldade que o pecado sempre contenha um elemento de falsidade, e que o pecador pode ser tão tomado por ele a ponto de virar seu escravo: cego, dependente do mal que obscurece a sua inteligência e consciência. Ele caminha na escuridão. Não há justiça no mundo do pecador, não reparação para os pecados que ele abraça.
Você já ouviu a história do menino alemão que visitou o seu pároco católico durante a Segunda Guerra Mundial? Quando o menino disse ao padre que gostaria que alguém assassinasse Hitler de uma vez, o padre respondeu com uma repreensão suave. "Se alguém o matasse hoje, que chance teria ele de se arrepender e entrar no Reino de Deus? Não, seria horrível para ele morrer agora". Enquanto isso, o reverendo Bonhoeffer participava de um plano de assassinar o assassino em massa, tentativa corajosa por causa da qual ele acabou preso e morto. Eu espero que a história sobre o menino e o padre não seja verdadeira. Se for, é uma história sobre uma mentira. A injustiça contida nessa imitação adocicada de misericórdia me faz tremer.
Pelo que sabemos, Hitler era totalmente sincero quanto aos seus planos de tornar o mundo “um lugar melhor”. Ele parecia mesmo querer dizer o que dizia, colocando em jogo a reputação do seu país, da sua religião e dele próprio –e se matando, de vergonha, quando a sua utopia ariana fracassou. Mas nós não precisamos duvidar da sinceridade de um nazista para condenar o nazismo. Não precisamos duvidar das boas intenções de vilão nenhum para condenar a sua vilania, mesmo que ele se diga cristão. O legado de Hugo Chávez, por exemplo, foi de crueldade, corrupção e abusos. Ele também era, publicamente, um “convertido” que beijava Jesus na presença dos eleitores. Tal como Judas.