“(…) Depois de todas essas
reflexões sobre o quadro histórico e sobre a credibilidade histórica das
palavras da instituição de Jesus, é tempo de fixar a atenção na mensagem que
elas contêm. Antes de mais nada, convém recordar de novo que, nas quatro
narrações sobre a Eucaristia, encontramos dois topos de tradição com diferenças
características, que aqui não temos de examinar nos detalhes; todavia, devem-se
mencionar brevemente as diferenças mais importantes.
Enquanto em Marcos (14,22) e
Mateus (26,26) a frase sobre o pão declara apenas: “Isto é o meu Corpo”, em
Paulo lê-se: “Isto é o meu Corpo, que é para vós” (1 Cor 11,24), e Lucas
completa, segundo o sentido, escrevendo: “Isto é o meu Corpo que é dado por
vós” (22,1(). Em Lucas e Paulo, logo a seguir a isso, aparece a ordem da
repetição: “Fazei isto em Minha memória”, que falta em Mateus e Marcos. A frase
sobre o cálice, segundo Marcos, soa assim: “Isto é o meu Sangue, o ‘Sangue da
Aliança’, que é derramado em favor de muitos” (14,24); Mateus acrescente ainda:
“… por muitos, para a remissão dos pecados” (26,28). Segundo São Paulo,
diversamente, Jesus disse: “Este cálice é a Nova Aliança em meu Sangue. Todas
as vezes que dele beberdes, fazei-o em memória de Mim” (1 Cor, 11,25). Lucas
formula de maneira semelhante, mas com pequenas diferenças: “Este cálice é a
nova Aliança em meu Sangue, que é derramado em favor de vós” (22,20). Falta a
segunda ordem de repetição.
São importantes, porém, duas
diferenças claras entre Paulo/Lucas, por um lado e Marcos/Mateus, por outro: em
Marcos e Mateus, “sangue” é o sujeito: “Isto é o meu Sangue”, enquanto Paulo e
Lucas dizem: Esta é a “Nova Aliança no meu Sangue”. Muitos veem aqui uma
deferência para com os judeus, sabendo que da sua repulsa quanto à sua ingestão
de sangue: como conteúdo direto da bebida, não se indica “o sangue”, mas “a
Nova Aliança”, aludindo com isso a Êxodo 24,8, ou seja, à estipulação da
Aliança no Sinai, Paulo e Lucas falam da Nova Aliança, referindo-se agora a
Jeremias 31,31. Por conseguinte, há em cada caso um cenário veterotestamentário
diferente. Além disso, Marcos e Mateus falam do derramamento do sangue “por
muitos”, aludindo desse modo a Isaías 53,12, enquanto Paulo e Lucas dizem “em
favor de vós”, levando assim a pensar imediatamente na comunidade dos
discípulos.
Compreensivelmente existe, na
exegese, uma ampla discussão sobre quais possam ser, por conseguinte, as
palavras originais de Jesus. Rudolf Pesch mostrou que aparecem, num primeiro
tempo, 46 possibilidades, que podem ainda duplicar, caso se cruzem entre si as
diversas introduções (cf. Das Evangelium in Jerusalem,PP. 134ss). Tais esforços
têm sua importância, mas não podem entrar nos objetivos deste livro.