É sempre muito interessante manter um olhar no
passado, ao avaliar o futuro. E quando este olhar vem de fora, vem de alguém
que, embora atingido pelo passado, não somente não fez parte da esfera de poder
que tomou as decisões que pautaram o presente, como acreditou nelas, foi
atingido por elas e as viu desabrochar para o bem e para o mal.
Falo, portanto, aqui, como jurista que, olhando
para as grandes tendências da ciência do direito hodierna, percebe que há um
sério paralelo entre os desenvolvimentos que nos levaram exatamente ao ponto em
que estamos no direito, e que ocorreram nas academias e faculdades de direito,
nos tribunais e institutos jurídicos, por um lado, e os grandes passos dados no
âmbito da teologia moral dentro da Igreja, desde, digamos, a década de sessenta
até hoje; os paralelos são interessantíssimos, e um estudo mais aprofundado é
algo que os historiadores ainda nos estão devendo.
O âmbito limitado do presente artigo é muito curto
para tanto, mas exploraremos, em especial, dois aspectos que poderiam ser
aprofundados num estudo assim. Limitar-me-ei, aqui, a 1) um rápido paralelo
entre as discussões ocorridas no âmbito do direito de família, no lado
jurídico, e aqueles ocorridos no âmbito da moral sexual, do lado
teológico, e 2) um rápido paralelo entre as discussões ocorridas no âmbito
da laicidade estatal, do lado jurídico, e aquelas ocorridas no âmbito da
teologia fundamental quanto à “transcendentalidade” de uma “opção fundamental
por Deus”, que provocou as noções de “cristão anônimo” e de “religião
transcendental e categorial”, no lado teológico.
Esta discussão, faço-a aqui com a absoluta falta de
autoridade, quanto aos aspectos teológicos, de quem é um mero leigo, um
jurista, cuja informação teológica não passa de cultura geral adquirida na
qualidade de “católico reconvertido à fé” depois de mais velho; portanto, sujeito
às críticas que se faz aos amadores, neste âmbito. Ora, mas se a palavra
“amador” é derivada da raiz “amor”, mesmo o leigo mais “amador” pode alegar, em
seu favor, quando trata de assuntos assim, pelo menos com o pretexto de que,
uma vez que Deus é amor, a sua luz pode chegar aos amadores.
Comecemos com o direito de família. A sua
situação, desde a década de sessenta, vem caminhando fortemente no sentido de
reconfigurar completamente a unidade familiar, por um lado facilitando
sua dissolução, quando se trata de famílias formadas a partir do casamento
formal e institucional, quanto, por outro, ampliando grandemente
o acolhimento de várias relações de cunho sexual como capazes de
serem reconhecidas formal e juridicamente como matrimônios e famílias; fala-se
já das relações homoafetivas como “iguais em direitos” aos matrimônios
heterossexuais. Isto já se dá por estabelecido, nos corredores da justiça; o
próximo passo é o estabelecimento de famílias iniciadas por relações de
“poliamor”, que rompem a própria noção de que o matrimônio envolve apenas duas
pessoas, para propor “matrimônios múltiplos”, nos quais a própria noção de
identidade sexual (ou “de gênero”, como querem os mais avançados) seria
superada.
Quanto aos filhos, as discussões vão desde a ampla
prática do aborto como meio de controle de natalidade e planejamento
familiar, à manipulação embrionária e genética que permite escolher os próprios
filhos, quanto a sexo e outras características de saúde e aparência, em
laboratório, até a liberação e incentivo ao uso de drogas pelos jovens. Nota-se
uma tendência irrefreável à dissociação entre o incremento da responsabilidade
financeira dos pais para com os filhos, por um lado, e a progressiva limitação,
ou até exclusão, da sua responsabilidade moral com a educação da
prole, por outro: de acordo com tais tendências hegemônicas no mundo do
direito, caberia ao governo, e não aos pais, educar os jovens em matéria, por
exemplo, sexual, de modo a favorecer o “fim das discriminações”.