quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Relações homoafetivas como "iguais em direitos" aos matrimônios heterossexuais?


É sempre muito interessante manter um olhar no passado, ao avaliar o futuro. E quando este olhar vem de fora, vem de alguém que, embora atingido pelo passado, não somente não fez parte da esfera de poder que tomou as decisões que pautaram o presente, como acreditou nelas, foi atingido por elas e as viu desabrochar para o bem e para o mal.

Falo, portanto, aqui, como jurista que, olhando para as grandes tendências da ciência do direito hodierna, percebe que há um sério paralelo entre os desenvolvimentos que nos levaram exatamente ao ponto em que estamos no direito, e que ocorreram nas academias e faculdades de direito, nos tribunais e institutos jurídicos, por um lado, e os grandes passos dados no âmbito da teologia moral dentro da Igreja, desde, digamos, a década de sessenta até hoje; os paralelos são interessantíssimos, e um estudo mais aprofundado é algo que os historiadores ainda nos estão devendo.

O âmbito limitado do presente artigo é muito curto para tanto, mas exploraremos, em especial, dois aspectos que poderiam ser aprofundados num estudo assim. Limitar-me-ei, aqui, a 1) um rápido paralelo entre as discussões ocorridas no âmbito do direito de família, no lado jurídico, e aqueles ocorridos no âmbito da moral sexual, do lado teológico, e 2) um rápido paralelo entre as discussões ocorridas no âmbito da laicidade estatal, do lado jurídico, e aquelas ocorridas no âmbito da teologia fundamental quanto à “transcendentalidade” de uma “opção fundamental por Deus”, que provocou as noções de “cristão anônimo” e de “religião transcendental e categorial”, no lado teológico.

Esta discussão, faço-a aqui com a absoluta falta de autoridade, quanto aos aspectos teológicos, de quem é um mero leigo, um jurista, cuja informação teológica não passa de cultura geral adquirida na qualidade de “católico reconvertido à fé” depois de mais velho; portanto, sujeito às críticas que se faz aos amadores, neste âmbito. Ora, mas se a palavra “amador” é derivada da raiz “amor”, mesmo o leigo mais “amador” pode alegar, em seu favor, quando trata de assuntos assim, pelo menos com o pretexto de que, uma vez que Deus é amor, a sua luz pode chegar aos amadores. 

Comecemos com o direito de família. A sua situação, desde a década de sessenta, vem caminhando fortemente no sentido de reconfigurar completamente a unidade familiar, por um lado facilitando sua dissolução, quando se trata de famílias formadas a partir do casamento formal e institucional, quanto, por outro, ampliando grandemente o acolhimento de várias relações de cunho sexual como capazes de serem reconhecidas formal e juridicamente como matrimônios e famílias; fala-se já das relações homoafetivas como “iguais em direitos” aos matrimônios heterossexuais. Isto já se dá por estabelecido, nos corredores da justiça; o próximo passo é o estabelecimento de famílias iniciadas por relações de “poliamor”, que rompem a própria noção de que o matrimônio envolve apenas duas pessoas, para propor “matrimônios múltiplos”, nos quais a própria noção de identidade sexual (ou “de gênero”, como querem os mais avançados) seria superada.

Quanto aos filhos, as discussões vão desde a ampla prática do aborto como meio de controle de natalidade e planejamento familiar, à manipulação embrionária e genética que permite escolher os próprios filhos, quanto a sexo e outras características de saúde e aparência, em laboratório, até a liberação e incentivo ao uso de drogas pelos jovens. Nota-se uma tendência irrefreável à dissociação entre o incremento da responsabilidade financeira dos pais para com os filhos, por um lado, e a progressiva limitação, ou até exclusão, da sua responsabilidade moral com a educação da prole, por outro: de acordo com tais tendências hegemônicas no mundo do direito, caberia ao governo, e não aos pais, educar os jovens em matéria, por exemplo, sexual, de modo a favorecer o “fim das discriminações”.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Cuba: Papa Francisco encerra viagem com discurso para as famílias


Discurso
Encontro com as famílias na Catedral de Nossa Senhora da Assunção, em Santiago
22 de setembro de 2015

Estamos em família! E quando alguém está em família, sente-se em casa. Obrigado, famílias cubanas! Obrigado, cubanos, por me terdes feito sentir todos estes dias em família, por me terdes feito sentir em casa. Este encontro convosco é como «a cereja sobre o bolo». Concluir a minha visita vivendo este encontro em família é motivo para agradecer a Deus pelo «calor» que brota de gente que sabe receber, que sabe acolher, que sabe fazer sentir-se em casa. Obrigado!

Agradeço a D. Dionisio García, Arcebispo de Santiago, a saudação que me dirigiu em nome de todos e ao casal que teve a coragem de partilhar com todos nós os seus anseios e esforços para viver o lar como uma «igreja doméstica».

O Evangelho de João apresenta-nos, como primeiro acontecimento público de Jesus, as bodas de Caná, uma festa de família. Está lá com Maria, sua mãe, e alguns dos seus discípulos partilhando a festa familiar.

As bodas são momentos especiais na vida de muitos. Para os «mais veteranos», pais, avós, é uma ocasião para recolher o fruto da sementeira. Dá alegria à alma ver os filhos crescerem, conseguindo formar o seu lar. É a oportunidade de verificar, por um instante, que valeu a pena tudo aquilo por que se lutou. Acompanhar os filhos, apoiá-los, incentivá-los para que possam decidir-se a construir a sua vida, a formar a sua família, é um grande desafio para todos os pais. Os recém-casados, por sua vez, encontram-se na alegria. Todo um futuro que começa; tudo tem «sabor» a coisas novas, a esperança. Nas bodas, sempre se une o passado que herdámos e o futuro que nos espera. Sempre se abre a oportunidade de agradecer tudo o que nos permitiu chegar até ao dia de hoje com o mesmo amor que recebemos.

E Jesus começa a sua vida pública numa boda. Insere-Se nesta história de sementeiras e colheitas, de sonhos e buscas, de esforços e compromissos, de árduos trabalhos lavrando a terra para que dê o seu fruto. Jesus começa a sua vida no interior de uma família, no seio de um lar. E é no seio dos nossos lares que Ele incessantemente continua a inserir-Se, e deles continua a fazer parte. 

Carta apostólica "Mitis Iudex Dominus Iesus" sobre o processo de nulidade matrimonial



CARTA APOSTÓLICA EM FORMA DE «MOTU PROPRIO»
DO SUMO PONTÍFICE
FRANCISCO

MITIS IUDEX DOMINUS IESUS

SOBRE A REFORMA DO PROCESSO CANÔNICO PARA AS CAUSAS
DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE MATRIMONIAL
NO CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO


O Senhor Jesus, juiz clemente, pastor das nossas almas, confiou ao apóstolo Pedro e aos seus sucessores o poder das chaves para realizar na Igreja a obra da justiça e da verdade; este poder supremo e universal de ligar e desligar na terra afirma, reforça e justifica para os pastores das Igrejas particulares o sagrado direito e o dever diante do Senhor de julgar seus próprios súditos[1]

No decorrer dos séculos, a Igreja, em matéria matrimonial, adquirindo uma consciência mais clara das palavras de Cristo, compreendeu e expôs com pormenores a doutrina da indissolubilidade do sagrado vínculo conjugal, elaborou um sistema de nulidade do consentimento  e disciplinou de forma mais adequada o processo judicial nesta matéria, de modo que a disciplina eclesiástica fosse mais consistente com a verdade da fé professada. Tudo foi sempre feito tendo como guia a lei suprema da salvação das almas[2], uma vez que a Igreja, como sabiamente ensinou o papa beato Paulo VI, é um projeto divino da Trindade, pelo qual todas as suas instituições, ainda perfectíveis, devem se esforçar para comunicar a graça divina e favorecer continuamente, segundo os dons e a missão de cada um, o bem dos fiéis, enquanto escopo essencial da Igreja[3].

Consciente disto, eu decidi pôr mãos à obra na reforma do processo de nulidade do matrimônio, e para esse fim, designei um grupo de pessoas versadas em doutrina jurídica, de prudência pastoral e com experiência forense que, sob a direção do excelentíssimo decano da Rota Romana, elaborasse um projeto de reforma, respeitando, todavia, o princípio da indissolubilidade do vínculo matrimonial.

Trabalhando diligentemente, este grupo apresentou um esquema de reforma, que, submetido à criteriosa consideração, com o auxílio de outros peritos, é agora transcrito neste moto proprio.

É, portanto, a preocupação da salvação das almas, que - hoje como ontem - continua a ser o objetivo supremo das instituições, das leis e do direito, que estimulou o bispo de Roma a oferecer aos outros bispos este documento de reforma, uma vez que em comunhão com o papa, todos os bispos juntos partilham o governo da Igreja, tutelando a unidade na fé e na disciplina votada ao matrimônio, eixo e origem da família cristã. Alimenta o elã reformador o enorme número de fiéis que, desejando amainar sua própria consciência, são, muitas vezes, alijados das estruturas jurídicas da Igreja, em virtude da distância física ou moral; a caridade, portanto, e a misericórdia exigem que a Igreja, como mãe, fique perto dos filhos que se consideram separados.

Neste sentido, também se levou em consideração o desejo da maioria dos meus irmãos no episcopado, reunidos no recente Sínodo extraordinário, que solicitaram processos mais rápidos e mais acessíveis[4]. Em total sintonia com o referido desiderato, decidi emanar, através deste motu proprio, disposições que favoreçam não a nulidade dos matrimônios, mas a celeridade dos processos, numa adequada simplificação, a fim de que, por causa de um veredicto retardado, os corações dos fiéis, que aguardam um esclarecimento do seu estado, não tenham de passar muito tempo oprimidos pelas trevas da dúvida.

Agi, no entanto, seguindo os passos de meus predecessores, os quais anelavam que as causas de nulidade do matrimônio fossem apreciadas por via judicial e não administrativa, não porque exigido pela natureza da coisa, mas pela necessidade de proteger ao máximo a verdade do vínculo sagrado: e isso é exatamente assegurado pelas garantias da ordem judicial.

Quem é visitado por Deus, é impelido a servir, diz Papa


Homilia
Santa Missa na Basílica Menor do
Santuário de Nossa Senhora da Caridade do Cobre em Santiago, Cuba
22 de setembro de 2015


O Evangelho que acabamos de escutar coloca-nos perante a dinâmica que o Senhor gera cada vez que nos visita: faz-nos sair de casa. São imagens que somos convidados repetidas vezes a contemplar. A presença de Deus na nossa vida nunca nos deixa tranquilos, sempre nos impele a mover-nos. Quando Deus visita, sempre nos tira para fora de casa: visitados para visitar, encontrados para encontrar, amados para amar.

Aqui vemos Maria, a primeira discípula. Uma jovem talvez nos seus 15 a 17 anos, que, numa aldeia da Palestina, foi visitada pelo Senhor anunciando-lhe que seria a mãe do Salvador. Longe de «Se imaginar sei lá quem» e pensar que todo o povo deveria vir assisti-la ou servi-la, Ela sai de casa e vai servir. Sai para ajudar sua prima Isabel. A alegria que nasce de saber que Deus está conosco, com o nosso povo, desperta o coração, põe em movimento os pés, «tira-nos para fora», leva-nos a partilhar a alegria recebida como serviço, como entrega em todas as possíveis situações «grávidas» que os nossos vizinhos ou parentes possam estar a viver. O Evangelho diz-nos que Maria partiu apressada, com passo lento mas constante, passos que sabem aonde vão; passos que não correm para «chegar» rapidamente nem vão demasiado lento como se nunca quisessem «chegar». Nem agitada nem dormente, Maria vai com pressa fazer companhia a sua prima que ficou grávida em idade avançada. Maria, a primeira discípula, visitada saiu para visitar. E, desde aquele primeiro dia, foi sempre a sua característica singular. Foi a mulher que visitou tantos homens e mulheres, crianças e idosos, jovens. Soube visitar e acompanhar nas dramáticas gestações de muitos dos nossos povos; protegeu a luta de todos os que sofreram para defender os direitos dos seus filhos. E ainda agora, Ela não cessa de nos trazer a Palavra de Vida, seu Filho, Nosso Senhor.

Também estas terras foram visitadas pela sua presença maternal. A pátria cubana nasceu e cresceu ao calor da devoção à Virgem da Caridade. «Ela deu uma forma própria e especial à alma cubana – escreveram os bispos destas terras –, suscitando no coração dos cubanos os melhores ideais de amor a Deus, à família e à pátria».

E o mesmo tinham afirmado os vossos compatriotas quando, há cem anos, pediram ao Papa Bento XV que declarasse a Virgem da Caridade como Padroeira de Cuba, escrevendo: «Nem as desgraças nem as privações conseguiram “apagar” a fé e o amor que o nosso povo católico professa a esta Virgem; antes, nas maiores vicissitudes da vida, quando estava mais perto a morte ou mais próximo o desespero, sempre surgiu como luz dissipadora de todo o perigo, como orvalho consolador (…) a visão desta Virgem bendita, cubana por excelência (…), porque assim A amaram as nossas mães inesquecíveis, assim A bendizem as nossas esposas».

Homilética: 26º Domingo Comum - Ano B: "Quem não é contra nós é a nosso favor".


A liturgia do Tempo Comum nos apresenta temas do cotidiano em nossa caminhada de fé. Assim, neste dia a Igreja nos convoca, por meio do Santo Evangelho, nos tornarmos discípulos de Jesus, mas sem rivalidade. Vejam que, naquela época, já existiam aqueles que falavam “em nome de Jesus”; muitos milagreiros e homens simples de fé rezavam usando o “nome de Jesus”.

Diante disse, os seguidores de Jesus queriam tomar uma atitude que proibisse os que não eram considerados seguidores do Mestre de se apresentarem como tal. É quando, então, Jesus nos ensina que todos são convidados a seguir o cristianismo e, mais ainda, a agir em nome do cristianismo.

O Evangelho deste domingo (Mc 9,38-43.45.47-48) fala nas dialéticas: fazer o bem e falar mal; ser a favor e ser contra; ser discípulo e não pertencer ao grupo; dar um copo de água na terra e receber uma recompensa no céu; recompensa e punição; crer e corromper; aleijado e são; céu e inferno; além de expressões que contradizem a normalidade da vida cotidiana: cortar a mão, cortar o pé, arrancar o olho.

João protesta contra aqueles que não são do grupo dos seguidores de Jesus e demonstra que caminha neste momento com inveja, com exclusivismo, longe daquele apóstolo que é considerado, pelo conjunto de sua obra e de suas virtudes, o evangelista do “Novo Mandamento”, o Evangelista que semeou o Amor como atalho para se chegar mais próximo do Senhor Deus.

Meus queridos irmãos, qual deve ser a primeira atitude dos cristãos a partir de uma leitura atenta do Evangelho de hoje?

É a abertura de coração. O discípulo deve renunciar a si mesmo para seguir a Jesus. No despojamento está a largueza da graça de Deus, que nos convida a abandonar todas as vaidades e, com grande humildade e despojamento, guiando-se pelo cajado da esperança, lançar as redes entre nós, na edificação do Reino das Bem-aventuranças. A renúncia nos pede generosidade de abertura de coração, de serviço, de compreensão, porque Jesus pertence a todos os homens e mulheres. Mais do que isso, o bem não é propriedade de ninguém e de nenhuma Igreja. O bem pertence a Deus, o Onipotente.

Será que nós seguimos a Jesus? Ou será que nós seguimos às vontades próprias, os caprichos, as nossas próprias vontades, que muitas vezes não são as vontades de Jesus? O Espírito de Santo está aí livre para agir e para manifestar a grandiosidade do mistério da salvação. Chamam os menos cultos, mais os mais santos. Abraça os pobres e adverte aos ricos que é necessário repartir, que é necessário amar, que é necessário partilhar. Deus é sempre maior do que qualquer conceito religioso.

A segunda lição que vamos levar para a casa hoje é a de respeitar os que estão a caminho. O discípulo não pode agir esperando recompensa deste mundo. A grande recompensa é a vida eterna. A gratuidade do fazer é a peça primordial na vida do cristão. Vamos aprender a repartir o pouco que temos, para que se transforme em muito para aqueles que nada têm. Tudo com gratuidade, sem esperar nenhuma recompensa, porque nós devemos ser servos de todos, servo ínfimo. Serviço e misericórdia duas atitudes que devem acompanhar nossas caminhadas de vida de fé.

A terceira lição que vamos levar para casa é a do respeito pelos que estão iniciando a sua caminhada de fé. Entre os cristãos, não pode haver dicotomia entre santo e pecador, cristão novo e cristão velho, pagãos e pecadores. Todos somos iguais e somos convidados, em pé de igualdade, a experimentar o seguimento cristão, a novidade que Jesus nos legou a partir de sua ressurreição redentora. O verdadeiro discípulo de Jesus respeita os fracos na fé, serve-lhes de apoio, se faz luzeiro, isto é, salvação para estes.

A quarta lição é a procura incessante do rosto sereno e radioso de Deus, amando a Deus de todo o coração, com todo o nosso entendimento, com todo o nosso ser, abrindo-nos e depositando-nos na palma da mão de Deus. O Evangelho não fala somente em mão, pé, olho, mas nas coisas que estes órgãos humanos representam.

O silêncio que nos deve interpelar é que o pé é o símbolo de nosso orgulho. Daí todos nós devemos nos depositar sob os pés do Senhor Ressuscitado. O olho nos leva a lembrar da cobiça, da inveja, da sedução. Vamos repudiar aspirar às coisas alheias, à maldade, à volúpia, ao ser, ao ter. A mão é um gesto repleto de grande riqueza dentro da Sagrada Escritura. Ela pode ser usada para o bem e para o mal, para o roubo, para a posse, para as armas, para a violência. Mas, também, ela pode ser usada para acolher o irmão pobre, para trabalhar em benefício da edificação da sociedade do amor entre nós. Mão que abençoa a vida dos homens pela ação da Igreja. Mão que nos encaminha para a salvação ao nos ofertar o Mistério da Eucaristia, presença real de Jesus entre nós.

Irmãos e irmãs, São Tiago na segunda leitura (Tg. 5,1-6) nos adverte que a riqueza dos ricos está pobre. Os ricos, sempre envoltos nas preocupações transitórias do mudo, não querem repartir sua abundância com os necessitados, e isso, na proximidade dos “últimos dias”, causava grande preocupação. Os ricos, muitas vezes, são como cegos: não enxergam a miséria dos pobres, nem os sinais do tempo! Também hoje, muitos cristãos, como no tempo de Jesus, amontoam dinheiro sem escrúpulos, deixando para mais tarde o momento de acertar seu débito com Deus. Mas Deus julga sobre a caridade testemunhada ao mais pobre, aqui e agora.

A Carta de São Tiago critica os ricos, em primeiro lugar porque eles vivem apenas para acumular bens materiais, negligenciando os verdadeiros valores. Fazem do ouro e da prata os seus deuses e centram toda a sua existência em valores caducos e perecíveis. No final da sua existência vão perceber que gastaram a vida a correr atrás de algo que não dá felicidade nem conduz o homem à vida plena; a sua existência terá sido, então, um dramático equívoco. O “aviso” do autor da Carta de Tiago conserva uma espantosa atualidade…

A acumulação de bens materiais tornou-se, para tantos homens do nosso tempo, o único objetivo da vida e o critério único para definir uma vida de sucesso. Contudo, aqueles que apostam tudo nos bens perecíveis facilmente constatam como essa opção não responde, em definitivo, à sua sede de felicidade e de vida plena. O ouro, a conta bancária, o carro de luxo, a casa de sonho, dão-nos satisfações imediatas e, talvez, um certo estatuto aos olhos do mundo; mas não saciam a nossa sede de vida eterna.

Nós, os cristãos, somos chamados a testemunhar que a vida verdadeira brota dos valores eternos – esses valores que Deus nos propõe. Em segundo lugar, porque frequentemente a riqueza resulta da exploração e da injustiça. Acumular bens à custa da miséria e da exploração dos irmãos é, na perspectiva do autor do nosso texto, um crime abominável e que Deus não deixará impune.

Não é cristão quem não paga o salário justo aos seus operários, mesmo que ofereça depois somas chorudas para a construção de uma igreja; não é cristão quem especula com os bens de primeira necessidade, mesmo que vá todos os domingos à missa e pertença a vários grupos paroquiais; não é cristão quem inventa esquemas para não pagar impostos, mesmo que seja muito amigo do padre da paróquia; não é cristão quem se aproveita da ignorância e da miséria para realizar negócios altamente rentáveis, mesmo que pense repartir com Deus os frutos das suas rapinas…

O Espírito age também através de todos quantos buscam o rosto sereno e radioso de Deus. Por todo o bem, por toda a ação libertadora realizada no mundo, demos graças a Deus, o Senhor. Nenhum bem seja excluído do nosso TE DEUM LAUDAMUS, pois toda obra boa vem de DEUS, o Senhor.

O canto da paz na Missa é litúrgico?



A Carta circular da Congregação para o Culto divino e as disciplinas dos sacramentos diz que o Canto da Paz não existe no Rito Romano e que portanto deve ser evitado.

O rito da paz faz parte da Missa, ou seja, dentro do "rito da paz", o qual está presente dentro da legislação da Igreja, mais precisamente no número 82, da Instrução Geral do Missal Romano.

O rito da paz é composto de uma parte obrigatória e outra facultativa. A parte obrigatória é a oração do sacerdote  e a parte facultativa é a saudação entre os fiéis.

A oração obrigatória prevista no missal é esta:

Senhor Jesus Cristo, que dissestes aos vossos Apóstolos: eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz: não olheis aos nossos pecados, mas à fé da vossa Igreja e dai-lhe a união e a paz, segundo a vossa vontade, Vós que sois Deus com o Pai, na unidade do Espírito Santo.

Domine Iesu Christe, qui dixisti Apóstolis tuis: Pacem relinquo vobis, pacem meam do vobis: ne respicias peccata nostra, sed fidem Ecclesiæ tuæ; eamque secundum voluntatem tuam pacificare et coadunare digneris. Qui vivis et regnas in saecula saeculorum.

Essa oração, ao contrário do que acontece em algumas paróquias, deveria ser pronunciada somente pelo padre e os fiéis permaneceriam em silêncio, anuindo ao desejo do sacerdote com seu “Amém”.  Esta oração é obrigatória e constitui o núcleo do rito da paz. A Instrução Geral do Missal Romano diz: "Segue-se o rito da paz, no qual a Igreja implora a paz e a unidade para si própria e para toda a família humana, e os féis exprimem uns aos outros a comunhão eclesial e a caridade mútua, antes de comungarem no Sacramento." Ora, essa expressão dos fiéis de comunhão eclesial e caridade mútua é que é facultativa.

O missal "Ordinário da Missa com o Povo", em seu número 128 diz: "deinde, pro opportunitate, diaconus vels sacerdos, subungit: offerte vobis pacem", ou seja, se for oportuno, o diácono ou o próprio sacerdote pedem que se deem um ao outro o sinal de paz.

Esse gesto é facultativo, segundo o missal, porque a oferta da paz já aconteceu quando o sacerdote, olhando para a assembleia, disse: "Pax Domini sit semper vobiscum" (a paz do Senhor esteja sempre convosco). E o povo respondeu: "Et cum spiritu tuo" (o amor de Cristo nos uniu). Deste modo, o padre já significou o abraço da paz de forma coletiva. 

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Deixemo-nos olhar pelo Senhor, convida Papa em Cuba


Homilia
Santa Missa na Praça da Revolução “Calixto García Iñíguez”
21 de setembro de 2015

Celebramos a festa do apóstolo e evangelista Mateus. Celebramos a história duma conversão. Ele próprio nos conta, no seu Evangelho, como foi o encontro que marcou a sua vida, introduzindo-nos numa «troca de olhares» que pode transformar a história.

Um dia, como outro qualquer, estava ele sentado à mesa da cobrança de impostos, quando Jesus passou e o viu, aproximou-Se e disse-lhe: «Segue-me». E ele, levantando-se, seguiu-O.

Jesus olhou para ele. Que força de amor teve o olhar de Jesus para mover assim Mateus! Que força deviam ter aqueles olhos para o levantar! Sabemos que Mateus era um publicano, ou seja, cobrava os impostos dos judeus para os entregar aos romanos. Os publicanos eram malvistos e até considerados pecadores, pelo que viviam separados e eram desprezados pelos outros. Com eles, não se podia comer, falar nem rezar. Eram considerados pelo povo como traidores: tiravam da sua gente para dar aos outros. Os publicanos pertenciam a esta categoria social.

Diversamente, Jesus parou, não passou ao largo acelerando o passo, olhou-o sem pressa, com calma. Olhou-o com olhos de misericórdia; olhou-o como ninguém o fizera antes. E este olhar abriu o seu coração, fê-lo livre, curou-o, deu-lhe uma esperança, uma nova vida, como a Zaqueu, a Bartimeu, a Maria Madalena, a Pedro e também a cada um de nós. Ainda que não ousemos levantar os olhos para o Senhor, Ele é o primeiro a olhar-nos. É a nossa história pessoal; tal como muitos outros, cada um de nós pode dizer: eu também sou um pecador, sobre quem Jesus pousou o seu olhar. Convido-vos a fazerdes, em vossas casas ou na igreja, um tempo de silêncio recordando, com gratidão e alegria, as circunstâncias, o momento em que o olhar misericordioso de Deus pousou sobre a nossa vida.

O seu amor precede-nos, o seu olhar antecipa-se à nossa necessidade. Jesus sabe ver para além das aparências, para além do pecado, do fracasso ou da nossa indignidade. Sabe ver para além da categoria social a que possamos pertencer. Para além de tudo isso, Ele vê a dignidade de filho, talvez manchada pelo pecado, mas sempre presente no fundo da nossa alma. Veio precisamente à procura de todos aqueles que se sentem indignos de Deus, indignos dos outros. Deixemo-nos olhar por Jesus, deixemos que o seu olhar percorra as nossas veredas, deixemos que o seu olhar nos devolva a alegria, a esperança.

A unidade é uma graça que só o Espírito Santo nos pode dar, afirma Papa


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
A CUBA, AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
E VISITA À SEDE DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
(19-28 DE SETEMBRO DE 2015)

CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS COM SACERDOTES, CONSAGRADOS E SEMINARISTAS

HOMILIA DO SANTO PADRE

Catedral de Havana
Domingo, 20 de Setembro de 2015


Reunimo-nos nesta histórica Catedral de Havana para cantar, com os Salmos, a fidelidade de Deus para com o seu povo, dar graças pela sua presença, pela sua infinita misericórdia. Fidelidade e misericórdia, de que se faz memória não só nas paredes desta casa, mas também nalguns aqui presentes com «cabelos brancos», uma memória viva e actualizada de que «a misericórdia do Senhor é infinita e a sua fidelidade dura para sempre». Irmãos, juntos, demos graças!

Demos graças pela presença do Espírito com a riqueza dos seus diferentes carismas no rosto de tantos missionários que vieram para estas terras, tornando-se cubanos entre os cubanos, sinal de que é eterna a misericórdia do Senhor.

O Evangelho apresenta-nos Jesus em diálogo com seu Pai, coloca-nos no centro da intimidade entre o Pai e o Filho feita oração. Quando se aproximava a sua hora, Jesus rezou ao Pai pelos seus discípulos, pelos que estavam com Ele e pelos que haviam de vir (cf. Jo 17, 20). Faz-nos bem pensar que, naquela hora crucial, Jesus coloca na sua oração a vida dos seus, a nossa vida. E pede a seu Pai que os mantenha na unidade e na alegria. Jesus conhecia bem o coração dos seus, conhece bem o nosso coração. Por isso, reza, pede ao Pai que não prevaleça neles uma consciência que tenda a isolar-se, a refugiar-se nas próprias certezas, seguranças, nos próprios espaços; que tenda a desinteressar-se da vida dos outros, instalando-se em pequenos «grémios domésticos» que quebram o rosto multiforme da Igreja. São situações que desembocam numa tristeza individualista; tristeza que pouco a pouco vai dando lugar ao ressentimento, à lamentação contínua, à monotonia. «Este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 2) a que vos chamou, a que nos chamou. Por isso, Jesus reza, pede que a tristeza e o isolamento não prevaleçam no nosso coração. E nós queremos fazer o mesmo, queremos unir-nos à oração de Jesus, às suas palavras, dizendo juntos: «Pai santo, (…) guarda-os em ti, para serem um só, como Nós somos (…), e tenham em si a plenitude da minha alegria» (Jo 17, 11.13).

Jesus reza e convida-nos a rezar, porque sabe que há coisas que só podemos alcançar como dom, coisas que só podemos viver como um presente. A unidade é uma graça que só o Espírito Santo nos pode dar; a nós, compete-nos pedi-la e dar o melhor de nós mesmos para sermos transformados por este dom.