A perda dos
critérios para pensar é a coisa mais grave que está acontecendo na nossa
contemporaneidade. A falta de critérios paralisa, impede o pensamento,
impossibilita a educação, impossibilita a própria convivência democrática. A
falta de critérios para pensar é própria para as ditaduras, os governos
totalitários, jamais para as democracias.
Menciono aqui a
palavra “desconstrução”, que transformou-se num mote da
contemporaneidade, uma espécie de senha, um “shibolet” pós-moderno.
Desconstruir é, segundo os vanguardistas, desmascarar aquilo que a sociedade
nos impõe como “natural”, mas na verdade, segundo eles, é artificial,
um mero “construído” social imposto através da força do opressor sobre
o oprimido. Muito pouca coisa passa no teste da “desconstrução”: o
governo, o chefe, o empresário, o pai e a mãe, o professor, o sacerdote, o
policial, a própria identidade pessoal do ser humano, seu sexo, sua aparência,
suas necessidades mais básicas, tudo isto estaria “construído”, seria um grande
“jogo” de “papéis” (no sentido teatral do termo) que os “poderosos” impõem por
cima dos “oprimidos”. Desconstruir, então, seria ir “desmascarando” um a um
estes “papéis” para chegar ao ser humano desnudo, simples,
imaterial e angelical, absolutamente despido de sentido e conteúdo, que a
contemporaneidade acredita que constitui um “eu” - e a quem caberia
“refazer-se” sem jamais deixar-se dominar por qualquer externalidade relacional:
a liberdade plena coincidiria com o pleno vazio existencial. O ser humano
seria, para esses ideólogos que estão no nosso governo, nas nossas escolas,
universidades e órgãos públicos de educação, a absoluta solidão que
constrói a si mesmo, e desconstrói todo o resto: uma espécie de tirano da
sua própria individualidade.
Se toda
realidade humana não passa de um construto social que deve ser desmascarado por
apresentar-se sob uma falsa capa de “naturalidade”, então não há algo como o “bem”.
Mas há uma grave contradição aqui: se não há algo como o “bem”,
tampouco se pode dizer que “educar é bom”, porque esta fala pressupõe que o
“bem” exista, e que, portanto, seja possível afirmar que “educar” é melhor que
“não educar”. Se não há bem, não há nenhuma educação possível!
Assim, estamos
na seguinte situação: por um lado, a sociedade demanda mais educação; mas por
outro lado, a ideia de “desconstrução” retira qualquer possibilidade de
objetividade, de rumo, nessa mesma educação. Isto reflete mais ou menos o que
Chesterton prenunciava já no início do século passado:
“O homem
moderno diz, "deixemos estes padrões arbitrários e
abracemos a liberdade." Isto significa, reformulando-se
logicamente, "Não decidamos o que é bom, mas consideremos
que bom é não decidir isto." Ele diz, "Fora
com suas fórmulas morais velhas; Eu sou partidário do progresso."
Isto, logicamente dito, significa, "não estabeleçamos o
que é o bem; mas estabeleçamos que devemos adquirir mais dele."
Ele diz, "Nem na religião nem na moralidade, meu amigo,
repousam as esperanças da raça, mas na educação." Isto,
claramente expresso, significa, "Nós não podemos
determinar o que é bom, mas ensinemo-lo aos nossos filhos."”
Chegamos então
na seguinte situação: nossas escolas, hoje, a pretexto de preparar seus estudantes
para “isto tudo que está aí”, propõe ensinar os estudantes a “não
ter preconceitos” frente à “realidade contemporânea”. Mas acaba
simplesmente promovendo, entre seus estudantes, exatamente a desconstrução que
alegava estudar. Isto mesmo na rede católica de educação.
Assim, uma
escola católica pode, digamos, adotar um livro que as livrarias descrevem como
“uma obra que visa desconstruir a noção de família
ideal” sob o pretexto de que precisa ensinar suas crianças a conviver com
os diversos modelos de família que existem de fato em nossa
sociedade contemporânea, como se nenhum critério justo de família pudesse
existir, mesmo analogicamente; e muitas vezes o faz com a consciência limpa de
quem está rompendo barreiras, preparando para o futuro.
Ou seja, já não
há distinções claras entre uma educação que ensine e prepare as crianças para
viver num mundo que classificará tudo que a criança tem de mais precioso em sua
vida – sua família, sua religião, sua identidade cultural – como “imposições
sociais a serem desconstruídas”, e uma educação que ensine à criança que
este processo existe, que ela deve conviver com ele, que ele inclusive a
atingirá e destruirá muitas dimensões preciosas de sua vida, mas que o fato de
que a “desconstrução” está vencendo não transforma as coisas que ele
busca destruir em coisas más, ou em perdas inevitáveis, ou mesmo necessárias.
É assim que muitas escolas católicas estão contribuindo com
a ideologia da desconstrução: a pretexto de preparar as crianças para uma
sociedade desconstrutivista, ela simplesmente desconstrói, ou melhor dizendo,
destrói de antemão, na mente das indefesas crianças, aquilo que a ideologia
entende que deve ser desconstruído.
É por isto, por
esta confusão, muitas vezes proposital, entre preparar os alunos para um
mundo desequilibrado ou promover o próprio desequilíbrio,
que escolas, mesmo as mais religiosas, estão ensinando a equivalência – ou a
irrelevância – de todas as religiões, a necessidade da supressão da própria
ideia de mãe e pai em prol da designação genérica de “genitores”, a “tolerância”
frente aos desejos sexuais mais desordenados, ou mesmo o direito infantil
ou juvenil de praticá-los, e os pais, assistindo as vezes descontentes esta
situação, tendem também a não confiar nas escolas, e reagir com agressividade,
seja para defender a desconstrução, seja para se defender dela.
Há diferença
entre “educar para uma sociedade que desconstrói” e promover a própria
desconstrução através da educação? A dificuldade, para os educadores, de
perceber tal diferença fica bem clara da fala de uma educadora numa escola
católica, que me foi noticiada por um amigo:
“Uma criança
veio me perguntar se menina pode beijar na boca de menina, então eu respondi
que é para perguntar aos pais. Sabe porque, gente? Cada família educa de uma
forma. Eu não posso dizer que sim nem que não."
É hora de sair
de cima do muro. Na escola católica não pode. Temos critério. Eventualmente o
que não pode acontece, e isto não é o fim do mundo: conversa-se,
discute-se, resolve-se. Mas aqui, parodiando um famoso comentarista esportivo,
“a regra é clara”. A família que discorda é livre para discordar, mas
não é livre para impor à escola católica sua própria opinião; que
mude de escola. Ninguém é obrigado a matricular-se ou manter-se numa escola
católica, mas ninguém, nem a própria direção da escola, tem o
direito de impor à escola católica que aceite deixar de ser católica, traindo a
Igreja e aos pais católicos que confiam nela. Não faltam escolas adequadas às
famílias que pensam diferentemente.
É preciso que
isto fique claro para os alunos, os professores e os pais: aqui, na escola
católica, se pensa, se educa e se discute sobre
todos os assuntos da sociedade, sobre todas as correntes de pensamento, sobre
todos os problemas da contemporaneidade, com toda a liberdade acadêmica. Os
alunos são de fato, preparados para lidar com toda a problemática
atual, com respeito e abertura, sem falsos temores ou escrúpulos
moralistas. Mas há umcritério, há uma visão clara sobre o que é
o bem: o critério é a sã doutrina católica.
Ou isto fica claro, ou acaba a diferença entre educar para conviver
com as ideologias desconstrutoras, por um lado, e promover a própria
desconstrução, por outro. Temos uma identidade, e é a identidade católica.
Temos o direito de reafirmá-la contra toda tentativa de “desconstrução”, em
especial na rede católica de educação. Ou como diz Dom Odilo Scherer em sua
recente carta sobre educação católica, “em tempos de liberdade, é salutar
que nem todas as universidades [e escolas, acrescentaríamos nós] leiam
pela mesma cartilha de liquefação e vaporização do pensamento, das verdades e
das referências no convívio humano.”
A primeira regra
em educação deveria ser: ninguém deve enganar ninguém. Quem se apresenta como
escola católica, que seja católica. Quem procura um colégio católico, que
aceite o que encontra. Ou matricule-se em outro lugar.
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