A liturgia deste
terceiro domingo de Quaresma traz novamente à nossa reflexão o tema da
conversão e nos convida a reconhecer o mistério de Deus, que se torna presente
na nossa vida, como ressalta na primeira leitura tirada do Livro do Êxodo e nos
mostra Moisés, que, enquanto apascentava o rebanho, vê uma sarça em chamas, mas
que não se consome. Aproxima-se para observar este prodígio, quando uma voz
pronuncia o seu nome e o convida a tomar consciência da sua indignidade. Esta
mesma voz lhe ordena a tirar as sandálias, porque o lugar é santo. E Deus
revela a Moisés o seu próprio nome, ao dizer: “Eu sou Aquele que sou!” (Ex
3,14), para que ele o comunique ao povo de Israel. Esta expressão pode
ser traduzida também como “Eu serei aquele que serei”, que quer dizer: “Vós
entendereis quem eu serei; vereis por aquilo que farei quem sou eu”. O
Deus que se revela assim a Israel é um Deus que participa dos problemas do seu
povo. E nos tempos atuais Deus não mudou o seu nome. Ele é sempre
aquele que é sensível aos gritos de quem sofre.
A página do Evangelho prescrita para este domingo, nos narra dois acontecimentos históricos: um crime cometido por Pilatos e o desabamento de uma torre ao lado da piscina de Siloé. Dois acontecimentos trágicos bem diversos: um provocado pelo homem e o outro acidental. Segundo a mentalidade da época, pensava-se que uma desgraça com vítimas era sinal de uma culpa pessoal grave. Mas Jesus diz: “Julgais que esses galileus eram maiores pecadores que todos os outros galileus, por terem assim sofrido? E aqueles dezoito… eram mais culpados que todos os outros habitantes?” (v. 2.4). E para ambos os casos conclui: “Não, Eu vo-lo digo, mas, se não vos arrependerdes, perecereis todos do mesmo modo” (v. 3.5).
Com estas exortações, Jesus faz aos seus ouvintes um apelo à conversão. Para tornar ainda mais claro esta sua posição, ele cita mais um fato: a morte de 18 pessoas, provocada pelo desabamento de uma torre. Essas pessoas não foram punidas por causa dos seus pecados: foram vítimas de uma fatalidade. Também este acontecimento pode ser interpretado como um apelo à conversão, que consiste na mudança no nosso modo de agir e de pensar.
Cristo nos convida a responder ao mal, antes de tudo, com um sério exame de consciência e com o compromisso de purificar a própria vida. Somos chamados a vencer o mal com o bem. Na verdade, a conversão vence o mal na sua raiz que é o pecado, ainda que nem sempre seja possível evitar as suas consequências.
Na segunda parte do
Evangelho, referindo-se a um costume do seu tempo, Jesus apresenta a parábola
de uma figueira plantada numa vinha. Esta figueira, contudo, é estéril, não dá
frutos (v. 6-9). O diálogo que se desenvolve entre o dono e o vinhateiro,
manifesta, por um lado, a misericórdia de Deus, que é paciente e deixa ao
homem, ou seja, a todos nós, um tempo para a conversão; e, por outro, a
necessidade de iniciar imediatamente a mudança de vida, para não perder as
ocasiões que a misericórdia de Deus nos oferece para superar a nossa preguiça
espiritual e corresponder ao amor de Deus com o nosso amor filial.
Deus hoje nos convida a
fazer uma mudança em nossa própria existência, para que possamos viver segundo
o Evangelho, corrigindo algo no nosso agir, porque ele quer o nosso bem, a
nossa felicidade e a nossa salvação. Possamos responder com um sincero esforço
interior.
Textos:
Ex 3, 1-8a.13-15; 1 Co 10, 1-6.10-12: Lc 13, 1-9
O chamamento à conversão
constitui o tema central do terceiro domingo da Quaresma.
O Profeta Ezequiel diz:
“Convertei-vos, senão vós morrereis” (Ez 33,11). Deste modo uma questão se
impõe: Que significa converter-se? Trata-se, antes de tudo, da conformidade das
ações com a vontade divina, à qual cumpre uma adesão total. É a obediência da
fé.
Jesus não concorda que a
desgraça é sinal do castigo de Deus, pelo contrário, é um apelo de conversão
aos sobreviventes: “Vocês pensam que eles eram mais pecadores do que vocês? Se
vocês não se converterem, morrerão todos do mesmo modo…” (Lc 13, 2-3). Palavras
severas que nos fazem compreender que, com Deus, não se pode brincar; e, no
entanto, palavras que procedem do amor de Deus que, por todos os meios, quer a
salvação de todas as suas criaturas.
Falar do pecado hoje em
dia não está de moda. Em muitos ambientes perdeu-se quase totalmente o sentido
do pecado. Os valores outrora desejados já não o são: a honra, a fidelidade, a
lealdade à palavra dada, a castidade, o pudor, a sobriedade. Frequentemente o
cristão parece ser alguém digno de compaixão: na sociedade atual, desenvolvida,
cheia de meios técnicos, com respostas para quase todos os interrogantes, com a
ampla possibilidade de desfrutar da vida e dos prazeres, existem ainda alguns
que vivem o desprendimento dos bens materiais, a temperança, a honestidade,
comprometem a liberdade “para sempre” no casamento ou no sacerdócio! E parece
que a crise se aproxima: diante da sorte e aparente felicidade dos que não amam
a Deus, realmente vale a pena seguir lutando pela santidade?
Por outro lado, não são
esses valores humano-cristãos que explicam o que é o cristianismo no seu
sentido mais profundo. A Igreja não foi fundada para oferecer uma ética, uma
solução política ou aos problemas sociais. Ela recebeu a salvação de Jesus
Cristo e tem como missão fazer com que todas as pessoas participem, em Cristo,
dos bens da casa do Pai: que todos se salvem e cheguem aos céus! O cristianismo
retira a auto-suficiência, filha do pecado original, que todo ser humano leva
dentro de si. Quando uma pessoa se encontra com Deus e com a beleza de sua
graça percebe que é uma criatura e que está afeada pelo pecado. As primeiras
atitudes do ser humano diante da divindade são: adoração ao reconhecer-se criatura,
silêncio diante da realidade inexpressável e contemplada, humilhação de
saber-se um pecador feio. Em seguida, o bom Deus infunde confiança e amor em
nós ao dizer-nos aquele suave e firme não temais! Chegou a salvação! Eu sou a
tua salvação!
O pecado é feio, muito
feio! Trata-se de uma realidade sem entidade ao ser a carência da graça, da
beleza e da ordem de Deus. O Cura d’Ars dizia que o pecado é “o verdugo de Deus
e o assassino da alma” porque é uma ofensa a Deus que mata a vida da alma: um
verdadeiro desastre! Santa Teresa de Jesus, que recebeu a graça de ver como é o
estado de uma alma em pecado mortal, ficou tão horrorizada que passaria toda a
vida em trabalhos e dificuldades para afastar todo e qualquer pecado mortal. E
o que é um pecado mortal? É um pensamento, palavra, omissão ou ação que por sua
gravidade e ao ser realizado com plena advertência e pleno consentimento ofende
gravemente a Deus e retira a vida da graça deixando o pecador espiritualmente
morto. Todo pecador é um morto vivo, está em estado de putrefação. Daí o fedor,
a feiura e o estado lastimável da alma em pecado mortal. Parece-lhe um exagero
essa maneira de pensar? Na verdade, eu lamento não poder descrever com um
realismo ainda maior a desgraça (falta de graça) do pecado mortal!
E os pecados veniais?
São aquelas feridas que não nos matam, mas diminuem a nossa saúde de tal
maneira que facilitamos a entrada de um vírus mortal a qualquer momento. Hoje
em dia está de moda a saúde preventiva: antes que chegue a doença, é preciso
cuidar-se fazendo check-up, esportes, indo ao médico periodicamente etc. Seria
bom aplicar essa técnica à nossa saúde espiritual. Sempre foi um lugar comum na
teologia ascética e mística falar do aborrecimento que devemos ter por qualquer
pecado venial deliberado, isto é, não querer realizar nenhum pecado, por venial
que seja a sabendas. É impossível não cometer faltas e pecados nesta vida, como
disse o Concilio de Trento (sessão VI, cânon 23, ano 1547), a não ser por um
especial privilégio da graça de Deus. Sendo assim, é importante que pelo menos
não os cometamos deliberadamente. De fato, há pessoas que dizem: “já que isso
não é pecado mortal, eu vou fazer”. Quanta falta de amor de Deus há nessa
afirmação!? É como se dissesse: “como xingar não mata a minha mãe, eu vou
xingá-la”. Que absurdo! É preciso considerar que Deus nos salva e nos chama a
ser santos, ele nos ama apaixonadamente. Também deseja ser correspondido por
nós. Peçamos ao Senhor que aumente o nosso amor, pois quem ama não quer ofender
a pessoa amada.
PARA REFLETIR
O tempo da Quaresma
recorda muitas vezes o tempo da travessia do deserto por parte de Israel: tempo
de peregrinação, de provação e de purificação. O livro do Deuteronômio recorda
isto com palavras muito fortes: “Lembra-te
de todo o caminho que o Senhor teu Deus te fez percorrer durante quarenta anos
no deserto, a fim de humilhar-te, tentar-te e conhecer o que tinhas no coração.
Portanto, reconhece hoje no teu coração que o Senhor teu Deus te educava, como
um homem educa seu filho” (Dt 8,2.5). No deserto, portanto, Deus
usou as provas pelas quais Israel passou, para revelar ao seu povo aquilo que
estava escondido no seu próprio coração, isto é, seu pecado, sua fraqueza, sua
infidelidade. Mas, também no deserto, Deus cercou seu povo de carinho e
proteção, alimentou-o com o maná e saciou-o com a água do rochedo, guiou-o pela
nuvem luminosa de noite e protetora contra o sol de dia… Tempo de noivado e de
amor entre Deus e o seu povo, foi o tempo do deserto! Por isso, pensar nessa
travessia pelo deserto serve tanto para a nossa preparação para a Páscoa.
Mas, vejamos. Como
começou o caminho de Israel deserto a dentro? Começou com a “descida” de Deus
para juntinho do seu povo que gemia debaixo de humilhante escravidão: “Eu vi a aflição do meu povo que está no
Egito e ouvi o seu clamor por causa da dureza de seus opressores. Sim, conheço
os seus sofrimentos. Desci para libertá-lo e fazê-los sair…” Que
coisa impressionante: um Deus tão grande, tão santo, o Deus de Israel e, no
entanto, é capaz de ver a aflição, ouvir o clamor, conhecer o sofrimento do seu
povo, que era ninguém, que não passava de um punhado de escravos! “Eu desci para libertá-lo!”Nosso
Deus é um Deus que desce, que vem para junto do pobre que se encontra no
monturo! Nosso Deus é um Deus que liberta e salva! E quando Moisés pergunta
pelo seu nome, Deus revela-o de dois modos: primeiro apresenta-se como o “o Deus de teus pais, o Deus de Abraão,
de Isaac e de Jacó” – isto é, o Deus fiel, o Deus que não
esqueceu seus amigos do passado, Abraão, Isaac e Jacó e agora vem em socorro de
seus descendentes. Depois, Deus revela o seu nome: “Eu sou aquele que será”.
Segundo bons exegetas, assim deve-se traduzir o nome de Deus. Isto é, Deus não
revela o seu nome a Moisés! Seu “nome”, na verdade, é um desafio, um convite;
quer dizer: “Eu sou o que tu verás quando eu agir! Tu verás quem eu sou à
medida que caminhares comigo! Eu sou o que estará sempre contigo!” – O Deus que
foi fiel a Abraão, a Isaac e a Jacó é confiável, pode-se apostar a vida nele:
Moisés e o povo de Israel haverão de ver! E viram, em tantos momentos da
travessia do deserto. Na segunda leitura, São Paulo recorda vários destes
acontecimentos: a nuvem e o mar (imagens do Espírito e da água do Batismo), o
maná (imagem da Eucaristia), a água que brotou da rocha (imagem do Cristo, de
cujo lado traspassado brotou o Espírito). Deus fora todo carinho, todo
proteção, todo compaixão e paciência… E, no entanto, Israel tantas vezes
duvidou, revoltou-se, murmurou, foi de cerviz dura e infiel!
São Paulo nos
previne: “Esses fatos
aconteceram para servir de exemplo para nós, a fim de que não desejemos coisas
más, como fizeram aqueles no deserto. Não murmureis, como alguns deles
murmuraram… Portanto, quem está de pé tome cuidado para não cair”. Nós
somos o povo de Deus da Nova Aliança. Como Israel, atravessamos um longo
deserto rumo à Terra Prometida, que é a Pátria celeste; e também nós somos
sujeitos a tantas tentações, como Israel. O grande pecado do povo de Deus da
Antiga Aliança era descrer e murmurar contra Deus. De cabeça dura, Israel
teimava em caminhar do seu modo, em fazer do seu jeito, em contar com suas
forças e sua lógica. Quantas vezes o povo fez isso! Quantas vezes nós fazemos
isso!
Neste santo tempo
quaresmal, somos chamados a uma sincera conversão, a mudar nossa lógica,
confiando realmente no Senhor e trilhando sinceramente seus caminhos! Estejamos
atentos à seríssima advertência que o Senhor Jesus nos faz no Evangelho.
Primeiro ele usa dois acontecimentos daqueles dias em Jerusalém para ilustrar a
necessidade de conversão urgente: os galileus que Pilatos perversamente mandara
matar e misturar seu sangue com o dos animais sacrificados no Templo – um ato
de profanação! – e as dezoito pessoas que morreram por conta do desabamento de
uma torre em Jerusalém. Jesus pergunta: “Pensais que essas pessoas eram mais
pecadoras que as outras?” Não! Os sofrimentos da vida não são castigo pelos
pecados! Mas, devem servir de reflexão e de alerta para todos! Há uma desgraça
muito pior que qualquer acidente: morrer para Deus, ressecar o coração para o
Senhor: “Se não vos
converterdes, ireis morrer do mesmo modo!” Depois Jesus
ilustra o que ele quer dizer com a parábola da figueira estéril: “Há três anos venho procurando figos
nesta figueira e nada encontro!” A figueira da parábola é o
povo de Israel que, durante três anos, ouviu a pregação do Senhor e não o
acolheu. Mas, e nós, há quantos anos escutamos o Senhor? Que frutos estamos
dando? Nesta Quaresma, como vai o nosso combate espiritual, o nosso caminho de
conversão?
Não abusemos da
paciência de Deus, não tomemos como desculpa a sua misericórdia para retardar
nossa conversão! O Eclesiástico previne severamente: “Não digas: ‘Pequei: o que me aconteceu?’
porque o Senhor é paciente. Não sejas tão seguro do perdão para acumular pecado
sobre pecado. Não digas: ‘Sua misericórdia é grande para perdoar meus inúmeros
pecados’, porque há nele misericórdia e cólera e sua ira pousará sobre os
pecadores. Não demores em voltar para o Senhor e não adies de um dia para o
outro, porque, de repente, a cólera do Senhor virá e no dia do castigo
perecerás” (Eclo 5,4-7)
Caríssimos, eis o tempo
de conversão, eis o dia da salvação! Deixemo-nos reconciliar com Deus em
Cristo! Convertamo-nos!
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