domingo, 6 de dezembro de 2015

Tempo do Advento


Palavra oriunda do latim, significando “vinda”, é o “tempo litúrgico da expectativa do Salvador e símbolo da esperança cristã. A salvação que esperamos de Deus tem igualmente o sabor do amor. Na verdade, preparando-nos para o mistério do Natal, assumimos de novo o caminho do povo de Deus para acolher o Filho que nos veio revelar que Deus não é só Justiça, mas é também e antes de tudo Amor (cf. 1 Jo 4, 8). Em todos os lugares, mas, sobretudo onde reinam a violência, o ódio, a injustiça e a perseguição, os cristãos são chamados a dar testemunho deste Deus que é Amor”.

“O Advento é o tempo para preparar os nossos corações a fim de acolher o Salvador, isto é, o único Justo e o único Juiz capaz de dar a cada um a sorte que merece. Aqui, como noutros lugares, muitos homens e mulheres têm sede de respeito, justiça, equidade, sem avistar no horizonte qualquer sinal positivo. Para eles, o Salvador vem trazer o dom da sua justiça (cf. Jr 33, 15). Vem tornar fecundas as nossas histórias pessoais e coletivas, as nossas esperanças frustradas e os nossos votos estéreis. E manda-nos anunciar, sobretudo àqueles que são oprimidos pelos poderosos deste mundo, bem como a quantos vivem vergados sob o peso dos seus pecados: ‘Judá será salvo e Jerusalém viverá em segurança. Este é o nome com o qual será chamada: Senhor-nossa justiça’ (Jr 33, 16). Sim, Deus é Justiça! Por isso mesmo nós, cristãos, somos chamados a ser no mundo os artesãos duma paz fundada na justiça” (Papa Francisco, Catedral de  Bangui, República Centro-Africana, 29/11/2015). 

Um pecado esquecido na Confissão – e lembrado depois – está perdoado?


Há uma dúvida que, de tempos em tempos, sempre aparece entre os fiéis católicos, – às vezes até entre aqueles mais experientes. – A pergunta é a seguinte: se alguém, ao se confessar, esquece de um pecado grave que cometeu, e se lembra dele somente após a confissão, este pecado foi mesmo assim perdoado e deve ser definitivamente esquecido? Ou este pecado não é perdoado por não ter sido confessado, e o fiel só receberá o perdão e só poderá novamente comungar quando confessá-lo?

Nenhuma das duas opções acima é verdadeira. De fato, o pecado verdadeiramente esquecido é perdoado, mas o fiel precisa confessá-lo na próxima confissão, que deve então ser feita o mais breve possível.

A resposta está dada, mas é interessante aprofundarmos um pouco a questão: devemos saber, por exemplo, que uma coisa é um pecado que honestamente e de toda boa vontade se esqueceu, e que, portanto, não pôde ser confessado. Outra coisa é alguém, ao fazer bem e honestamente seu exame de consciência, lembrar-se deste pecado, e depois, durante a confissão, ter-se esquecido de contá-lo ao sacerdote.

Em ambos os casos, se a pessoa estiver sinceramente arrependida daquele pecado, – de modo que não o cometeria novamente se a mesma ocasião surgisse e, caso tivesse se lembrado de contá-lo, assim o teria feito, – então ele é perdoado (para ser confessado na próxima confissão, como já dito).

Outra questão importante que deve ser analisada, aqui, é o desleixo no exame de consciência. Antes de se confessar é preciso que a pessoa examine com seriedade e sinceridade sua própria consciência, – sem preguiça, sem receios, sem se preocupar com a vergonha de se acusar de algum ato, omissão ou pensamento vexatório.

É natural que muita coisa escape, por exemplo, de alguém que não se confessa há um tempo prolongado e não anota seus pecados. Imaginemos alguém que tenha mais de dez pecados para contar: é bem possível que, diante do padre, acabe por esquecer algum deles. Assim, o ideal é que se faça uso de algum meio auxiliar para favorecer a memória: poderíamos dizer que, em certos casos, anotar os pecados num papel, mais do que uma boa dica, é praticamente imprescindível. 

sábado, 5 de dezembro de 2015

O bebê e a água do banho



Tem havido ultimamente insultos à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que me atingem também, pois dela faço parte por ser Bispo católico, pela graça de Deus, em plena comunhão com a Santa Igreja. A CNBB é o conjunto dos Bispos do Brasil que, exercem conjuntamente certas funções pastorais em favor dos fiéis do seu território (CIC cân. 447). Conforme explicou São João Paulo II na Carta Apostólica Apostolos suos, é “muito conveniente que, em todo o mundo, os Bispos da mesma nação ou região se reúnam periodicamente em assembleia, para que, da comunicação de pareceres e experiências, e da troca de opiniões, resulte uma santa colaboração de esforços para bem comum das Igrejas”. “O Espírito Santo vos constituiu Bispos para pastorear a Igreja de Deus, que ele adquiriu com o seu próprio sangue” (At 20, 28).

Quero deixar bem claro que, por ser Bispo da Santa Igreja Católica, dou minha adesão a tudo o que ensina o seu Magistério, nas suas diferentes formas e na proporção da exigência de suas expressões doutrinárias, sem restrições mentais ou subterfúgios.

Em matéria de política ou questões sociais, minha posição é a da Doutrina Social da Igreja. Por isso, defendo a subordinação da ordem social à ordem moral estabelecida por Deus, a dignidade da pessoa humana, a busca do bem comum, a atenção especial aos pobres, a rejeição do socialismo e do marxismo, nas suas diferentes formas, o direito de propriedade, o princípio da subsidiariedade e os legítimos direitos humanos, principalmente a defesa da vida desde a concepção até o seu término natural.

Ademais, ainda na questão agrária, compartilho com a posição de São João Paulo II quando ensinou: “É necessário recordar a doutrina tradicional de que a posse da terra ‘é ilegítima quando não é valorizada ou quando serve para impedir o trabalho dos outros, visando somente obter um ganho que não provém da expansão global do trabalho humano e da riqueza social, mas antes de sua repressão, da exploração ilícita, da especulação e da ruptura da solidariedade no mundo do trabalho’ (Centesimus Annus 43). Mas recordo, igualmente, as palavras do meu predecessor Leão XIII quando ensina que ‘nem a justiça, nem o bem comum consentem danificar alguém ou invadir a sua propriedade sob nenhum pretexto’ (Rerum Novarum, 30). A Igreja não pode estimular, inspirar ou apoiar as iniciativas ou movimentos de ocupação de terras, quer por invasões pelo uso da força, quer pela penetração sorrateira das propriedades agrícolas” (Discurso aos Bispos do Regional Sul 1 da CNBB, na sua visita ad limina, 21março de 1995).

Assim, quem quer que defenda partidos ou grupos que pregam a revolução social, a luta de classes, o igualitarismo total, a negação do direito de propriedade e a ideologia de gênero, não me representa nem pode falar em meu nome nem em nome da Igreja. 

10 perguntas essenciais sobre o Ano Santo da Misericórdia


No próximo dia 8 de dezembro, festividade da Imaculada Conceição, o Papa Francisco abrirá a Porta Santa na Basílica de São Pedro de Roma, ao mesmo tempo em que serão abertas as portas santas de todas as dioceses do mundo, para que todos possam viver o Jubileu. Apresentamos, a seguir, 10 perguntas essenciais sobre como viver o Ano Santo, de acordo com a bula papal “Misericordiae vultus” (MV), com a qual o Papa convocou este jubileu.

1. O que é um Ano Santo ou Jubileu Extraordinário?

Na tradição católica, o Jubileu é o ano que a Igreja proclama para que as pessoas se convertam em seu interior e se reconciliem com Deus, por meio da penitência, da oração, da caridade, dos sacramentos e da peregrinação, “porque a vida é uma peregrinação e o homem é um peregrino” (MV 14).

Em todos os anos santos é possível ganhar indulgências, graças especiais que a Igreja concede e que podem ser aplicadas à remissão dos próprios pecados e suas penas, ou também aos defuntos que estão no purgatório.

O lema deste Ano Santo é “Misericordiosos como o Pai”, e a principal intercessora do Jubileu é Nossa Senhora de Guadalupe, Mãe de misericórdia.

A cada 25 anos, a Igreja celebra um Ano Santo Ordinário. O próximo será em 2025. Fora dos anos santos ordinários, a celebração do Ano Santo é “extraordinária”.

2. Por que este Ano Santo é o da misericórdia?

O Papa quis que o tema fosse a misericórdia para nos unir mais ao rosto de Cristo, no qual se reflete a misericórdia do Pai, que é “rico em misericórdia” (MV 1). A misericórdia é superior à justiça. Deus é justo, mas vai muito além da justiça, com sua misericórdia e seu perdão. E é isso que podemos vivenciar neste Ano Santo.

3. Quando começa e quando termina este Ano Santo?

O Ano Santo começa no dia 8 de dezembro de 2015, com a celebração dos 50 anos do final do Concílio Vaticano II, e termina na festa de Cristo Rei, em 20 de novembro de 2016, o último dia do ano litúrgico.

4. O que o Papa pede que façamos?

O Papa Francisco insiste na iniciativa “24 horas para o Senhor, que desejo que seja celebrada em toda a Igreja”, entre a sexta-feira e o sábado antes do 4º domingo da Quaresma, porque “é expressão desta necessidade da oração”.

Além disso, ele aconselha que pratiquemos as obras de misericórdia, além de viver intensamente a oração, o jejum e a caridade na Quaresma (MV 17); também recomenda que nos confessemos, para poder receber melhor as graças do ano jubilar. E que cada um realize uma peregrinação, de acordo com suas capacidades, para atravessar a Porta Santa.

5. É preciso ir a Roma para atravessar a Porta Santa e ganhar indulgências?

Não. Você pode ir à catedral da sua diocese ou às igrejas e basílicas destinadas a isso. Em cada diocese haverá uma Porta Santa e, cruzando-a, você ganhará as indulgências do Ano Santo (quando a peregrinação for acompanhada de confissão, comunhão no dia da peregrinação, um ato de fé – recitação do Credo – e uma oração pelo Papa). 

Campanha mundial de oração em desagravo pela exposição blasfema na Espanha


Para desagravar a mostra blasfema e sacrílega que continua exposta em Pamplona, um grupo de católicos lançou uma campanha mundial de oração. “Peçamos perdão ao Senhor por meio de sua Mãe, a Santíssima Virgem, com a oração que mais gosta: o Rosário”.

O objetivo é que sempre haja alguém que esteja rezando esta oração à Virgem, em turnos organizados durante as 24 horas do dia, enquanto “a exposição blasfema de Pamplona permanecer aberta, até o dia 17 de janeiro”.

“Até então, fizemos uma proposta que sempre esteja pelo menos uma pessoa rezando o Rosário em sinal de desagravo”, avisam. E parece que conseguiram aumentar o número de pessoas por turnos.

Na página colocaram o endereço eletrônico “Rosário para desagravar” para o qual são enviados os e-mails para rosarioparadesagraviar@hotmail.com com o turno escolhido, avisando a hora e o dia em que cada um se compromete a rezar o rosário.

Através de umas simples pergunta e resposta, os organizadores explicam que como se trata de uma exposição de “uma gravíssima ofensa a Nosso Senhor” estão convencidos “de que terá que desagravar por tal iniquidade, e esta exposição também estará aberta durante o tempo de Natal”. 

Nota de CBJP sobre impeachment não é pronunciamento oficial da CNBB


A Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo subsidiário da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), emitiu uma nota na qual manifesta sua “imensa apreensão ante a atitude do Presidente da Câmara dos Deputados”, pela autorização de abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). A posição expressa pelo órgão, ao contrário do que foi divulgado pela mídia, não representa um posicionamento da Conferência Episcopal do país.

“Não há previsão de que a CNBB vá se pronunciar” sobre o processo de impeachment da presidente, conforme explicou a assessoria de imprensa da entidade.

A CBJP, mesmo sendo um organismo vinculado à CNBB, possui sua autonomia de decisão e funcionamento e é composta, em sua maioria por leigos. Ela se difere da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, a qual é uma comissão da Conferência Episcopal, presidida e formada por Bispos.

Na nota divulgada na quinta-feira, 3, a CBJP é assinada pelo secretário executivo da entidade, Carlos Alves Moura. O texto afirma que a abertura do processo de impeachment é uma ação que “carece de subsídios que regulem a matéria, conduzindo a sociedade ao entendimento de que há no contexto motivação de ordem estritamente embasada no exercício da política voltada para interesses contrários ao bem comum”.

A nota ressalta que na atual situação vivida pelo país, com dificuldades econômicas, políticas e éticas, cada poder da República deve cumprir “preceitos republicanos”.

Segundo esta comissão “a ordem constitucional democrática brasileira construiu solidez suficiente para não se deixar abalar por aventuras políticas que dividem ainda mais o País”. 

O que significa falar em línguas?


Pentecostes de 33 d.C. foi notável data na história humana. Naquele dia, a Igreja cristã foi fundada pelo derramamento do Espírito Santo de Deus sobre cerca de 120 dos discípulos de Jesus reunidos num sobrado de Jerusalém. A Bíblia relata que, em resultado disto, "todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas" (Atos 2, 4).

Este ‘falar em línguas’ não era nenhum derramar de palavreado de pessoas em êxtase religioso. Os estrangeiros presentes compreenderam o que era dito e ficaram assombrados, perguntando: "Como é que ouvimos cada um de nós o seu próprio idioma em que nascemos? . . . nós os ouvimos falar em nossas línguas sobre as coisas magníficas de Deus." — Atos 2, 8, 11.

O apóstolo Pedro, segundo Atos 2, 14-21, explicou que falar em línguas naquela ocasião significava que o Espírito Santo de Deus tinha sido derramado sobre os discípulos cristãos em cumprimento de Joel 2, 28-32.

Milhões de pessoas através da terra hoje afirmam ter a habilidade de falar em línguas que não aprenderam através do estudo. Amiúde isto ocorre em línguas que não podem ser identificadas, exigindo uma "interpretação inspirada" pelo orador ou outrem presente. Mas, às vezes, palavras, frases e até mesmo linguagem extensiva em hebraico, latim, grego, chinês e outras línguas, têm sido proferidas por pessoas normalmente desconhecedoras dessas línguas.

A Igreja Católica ensina que a oração em línguas é um dom do Espírito Santo. Porém, a noção popular da oração em línguas ensinada pelos protestantes pentecostais é falsa. Eles falam balbucios muitas vezes sem sentido e chamam isto de falar em línguas. Isto não é de Deus de acordo com a Bíblia.   

A Igreja Católica entende que falar em língua significa falar uma linguagem humana previamente desconhecida pelo locutor. No primeiro Pentecostes cristão esta verdade foi claramente ilustrada. “E apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem” (Atos 2, 3-4). Os apóstolos falaram uma linguagem previamente desconhecida para eles. “Quando, pois, se fez ouvir aquela voz, afluiu a multidão, que se possuiu de perplexidade, porquanto cada um os ouvia falar na sua própria língua. E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna?'” (Atos 2, 6.8). Isto é uma clara evidência bíblica que falar em línguas não é do modo balbuciante pentecostal. 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Primeira Pregação do Advento 2015: “Sendo Cristo a Luz dos povos”.


SENDO CRISTO A LUZ DOS POVOS
Uma releitura cristológica da Lumen Gentium

1. Uma eclesiologia cristológica

A ocasião propícia do quinquagésimo aniversário da conclusão do Concílio Vaticano II sugeriu-me a ideia de dedicar as três meditações do Advento a uma revisitação do evento conciliar, nos seus conteúdos principais. Especificamente, eu gostaria de fazer algumas reflexões sobre cada um dos principais documentos do Concílio, que são quatro constituições: sobre a Igreja (Lumen Gentium), sobre a Liturgia (Sacrosanctum Concilium), sobre a Palavra de Deus (Dei Verbum) e sobre a Igreja no mundo (Gaudium et Spes).

O que me deu coragem para abordar, em tão pouco tempo, temas tão amplos e debatidos foi uma constatação: sobre o concílio tem-se falado e escrito muito, mas quase sempre pelas suas implicações doutrinais e pastorais; poucas vezes por causa dos seus conteúdos especificamente espirituais. Portanto, eu gostaria de focar exclusivamente nesses, procurando ver o que o Concílio ainda tem a dizer-nos como textos de espiritualidade, úteis para a edificação da fé.

Vamos começar dedicando as três meditações de Advento à Lumen Gentium, deixando os demais para a próxima quaresma, se Deus quiser. Os três temas da Constituição sobre os quais eu gostaria de refletir são: a Igreja corpo e esposa de Cristo, a chamada universal à santidade e a doutrina sobre a Virgem Maria.

A inspiração para esta primeira meditação sobre a Igreja surgiu relendo, por acaso, o começo da constituição no texto latino. Diz assim: “Lumen gentium cum sit Christus...”, “Sendo Cristo a luz dos povos...”. Devo confessar que, para minha confusão, nunca tinha prestado atenção nas implicações enormes contidas neste começo. Ter pego como título da constituição só a primeira parte da frase me fez pensar (e acho que não só a mim) que o título “luz dos povos” fizesse referência à Igreja, enquanto que ele, como se pode ver, refere-se a Cristo. É o título com o qual o velho Simão saudou o Messias criança, levado por Maria e José ao templo: “Luz dos povos e glória do seu povo Israel” (Lc 2, 32).

Aquela frase inicial contém a chave para interpretar toda a eclesiologia do Vaticano II. Essa é uma eclesiologia cristológica, e, portanto, espiritual e mística, antes que social e institucional. Não se trata, no entanto, de uma relação entre antes e depois, entre mais e menos; mas sim de uma relação semelhante à que existe entre o corpo e a alma que lhe dá vida. Ambos são inseparáveis ​​e necessários um para o outro. É necessário colocar novamente em primeiro lugar esta dimensão cristológica da eclesiologia do Concílio, também em vista de uma evangelização mais eficaz. De fato, não se aceita a Cristo por amor a Igreja, mas aceita-se a Igreja por amor a Cristo. Até mesmo uma Igreja desfigurada pelo pecado de muitos de seus representantes.

Desde já devo dizer que, certamente, eu não sou o primeiro a destacar a dimensão essencialmente cristológica da eclesiologia do Vaticano II. Relendo os muitos escritos do então cardeal Ratzinger sobre a Igreja, percebi com quanta insistência ele tentou manter viva esta dimensão da doutrina sobre a Igreja da Lumen Gentium. A mesma chamada às implicações doutrinárias da frase de abertura: "Lumen gentium cum sit Christus...", "sendo Cristo a luz dos povos”, já está em seus escritos, seguida da afirmação: "Se alguém quiser compreender corretamente o Vaticano II, deve sempre começar de novo desta frase inicial"[1].

Devemos assinalar de imediato, para evitar mal-entendidos: essa visão espiritual e interior da Igreja nunca foi negada por ninguém; mas, como sempre acontece nas coisas humanas, o novo corre o risco de ofuscar o antigo, o atual faz perder de vista o eterno e o urgente toma o lugar do importante. Assim aconteceu que as ideias de comunhão eclesial e de povo de Deus foram desenvolvidas, por vezes, só no sentido horizontal e sociológico, ou seja, tendo como pano de fundo a oposição entre koinonia e hierarquia, insistindo mais na comunhão dos membros da Igreja entre si do que na comunhão de todos os membros com Cristo.

Isso era, talvez, uma prioridade do momento e um ganho; como tal São João Paulo II o acolhe e o valoriza na sua carta apostólica Novo millennio ineunte[2]. Mas cinquenta anos após o fim do Concílio, talvez seja útil procurar restabelecer o equilíbrio entre esta visão da Igreja condicionada pelos debates do momento, e a visão espiritual e mistérica do Novo Testamento e dos Padres da Igreja. A pergunta fundamental não é "O que é a Igreja", mas é "quem é a Igreja[3]" e é a partir dessa pergunta que eu gostaria de deixar-me guiar nesta meditação.