segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Um manifesto (desconfortável) para o mundo vindouro


A declaração conjunta do Papa Francisco e do patriarca Kirill representa uma severa advertência para os poderosos da terra. As Igrejas de Roma e de Moscou, unidas por Cristo e por Maria, deixam uma grande mensagem contracorrente.

Um evento aguardado há anos, a que talvez muitos não acreditavam mais. O Papa Francisco e o patriarca ortodoxo de Moscou, Kirill, conseguiram o que aos seus antecessores – São João Paulo II e Bento XVI, por um lado, e Alexis II, por outro – não foi possível

Um encontro surpresa, organizado com a maior discrição e anunciado com apenas uma semana de antecedência. Uma programação formidável, que cortou as asas de qualquer especulação possível.

Faz pensar, também, a escolha do lugar: Cuba, um “campo neutro”, mas nem tanto. A ilha do Caribe tem sido por décadas o símbolo das divisões entre a humanidade: Norte e Sul do mundo, América anglo-saxónica e América Latina, ricos e pobres, comunismo e capitalismo, Igreja Católica e anti-clericalismo, democracia e ditadura.

Há pouco menos de um ano da ‘paz’ entre Washington e a Havana – um processo diplomático em que a Santa Sé teve um papel determinante – Francisco e Kirill tornaram-se protagonistas de um outro ‘desgelo’, esperado por 962 anos. Muito mais tempo vai demorar para voltar à plena comunhão, mas, pela primeira vez em quase um milênio, as duas maiores igrejas cristãs do mundo podem falar com uma só voz, aliando-se para a recristianização da Europa e do mundo.

Evitando linguajar contraproducentes e toda forma de proselitismo, o Papa e o Patriarca elaboraram um documento comum que, sem cair em sublimes dissertações teológicas, concentrou toda a atenção sobre as verdadeiras bases do ecumenismo: a busca comum da plena realização do humano, que traz o rosto de Deus, comum a ambos, encarnado em Jesus Cristo.

Se o mundo sofre por falta de humanidade, quem melhor do que os cristãos, com o seu Deus plenamente humano, pode dar uma resposta? Eis, então, o momento da unidade, em nome da qual se depõem  as armas, luta-se pelo que São João XXIII, grande precursor do ecumenismo definia “o que nos une e não nos divide”.

Grande parte do mundo comoveu-se, mas o abraço entre Francisco e Kirill, para os poderosos da terra, foi ‘inconveniente’; os defensores da cultura do lucro e do individualismo, os ‘senhores da guerra’, passarão noites sem dormir. 

Manifestemos uns para com os outros a bondade do Senhor


Considera de onde te vem a existência, a respiração, a inteligência, a sabedoria, e, acima de tudo, o conhecimento de Deus, a esperança do reino dos céus e a contemplação da glória que, no tempo presente, é ainda imperfeita como num espelho e em enigma, mas que um dia haverá de ser mais plena e mais pura. Considera de onde te vem a graça de seres filho de Deus, herdeiro com Cristo e, falando com mais ousadia, de teres também sido elevado à condição divina. De onde e de quem vem tudo isso?

Ou ainda, – se quisermos falar de coisas menos importantes e que podemos ver com os nossos olhos – quem te concedeu a felicidade de contemplar a beleza do céu, o curso do sol, a órbita da lua, a multidão dos astros e aquela harmonia e ordem que se manifestam em tudo isso como uma lira afinada?

Quem te deu as chuvas, as lavouras, os alimentos, as artes, a morada, as leis, a sociedade, a vida tranquila e civilizada, a amizade e a alegria da vida familiar?

De onde te vem poderes dispor dos animais, os domésticos para teu serviço e os outros para teu alimento?

Quem te constituiu senhor e rei de todas as coisas que há na face da terra?

E, porque não é possível enumerar uma a uma todas as coisas, pergunto finalmente: quem deu ao homem tudo aquilo que o torna superior a todos os outros seres vivos?

Porventura não foi Deus? Pois bem, agora, o que ele te pede em compensação por tudo, e acima de tudo, não é o teu amor para com ele e para com o próximo? Sendo tantos e tão grandes os dons que recebemos ou esperamos dele, não nos envergonharemos de não lhe oferecer nem mesmo esta única retribuição que pede, isto é, o amor? E se ele, embora sendo Deus e Senhor, não se envergonha de ser chamado nosso Pai, poderíamos nós fechar o coração aos nossos irmãos?

De modo algum, meus irmãos e amigos, de modo algum sejamos maus administradores dos bens que nos foram concedidos pela graça divina, a fim de não ouvirmos a repreensão de Pedro: “Envergonhai-vos, vós que vos apoderais do que não é vosso; imitai a justiça de Deus e assim ninguém será pobre”.

Não nos preocupemos em acumular e conservar riquezas, enquanto outros padecem necessidade, para não merecermos aquelas duras e ameaçadoras palavras do profeta Amós: Tomai cuidado, vós que andais dizendo: “Quando passará o mês para vendermos; e o sábado, para abrirmos nossos celeiros?” (cf. Am 8,5).

Imitemos aquela excelsa e primeira lei de Deus, que faz chover sobre os justos e os pecadores e faz o sol igualmente levantar-se para todos; que oferece aos animais que vivem na terra a extensão dos campos, as fontes, os rios e as florestas; que dá às aves a amplidão dos céus, e aos animais aquáticos, a vastidão das águas; que proporciona a todos, liberalmente, os meios necessários para a sua subsistência, sem restrições, sem condições, sem fronteiras; que põe tudo em comum, à disposição de todos eles, com abundância e generosidade, de modo que nada falte a ninguém. Assim procede Deus para com as suas criaturas, a fim de conceder a cada um os bens de que necessita segundo a sua natureza e dignidade, e manifestar a todos a riqueza da sua bondade.


Dos Sermões de São Gregório de Nazianzo, bispo

(Oratio 14, De pauperum amore, 23-24:PG35 889-890)             (Séc.IV)

O que houve antes do Big Bang?


Não há resposta para o que houve antes do Big Bang. Para ser sincero, não se sabe nem mesmo o que pode ter causado o Big Bang e se ele foi um evento único ou se aconteceram vários (talvez infinitos!) Big Bangs. Há várias teorias, mas nenhuma aceita totalmente pela comunidade científica.

O grande sucesso da teoria do Big Bang não está em explicar como o universo surgiu, mas em como ele evoluiu a partir de um estado inicial muito compacto. O surgimento e a evolução do universo são questões diferentes. Mesmo teologicamente os conceitos são distintos, ainda que profundamente interligados. Uma coisa é dizer que Deus criou o universo a partir do nada, outra bem diferente é dizer como esse universo foi se desenvolvendo com o passar do tempo, que criaturas surgiram primeiro, etc.

Quando o padre jesuíta Georges Lemaître publicou seu primeiro trabalho sobre a expansão do universo, em 1927, não fez qualquer referência ao surgimento do cosmos. Lemaître só estava preocupado em responder a questão da expansão, propondo um modelo matemático e cosmológico consistente com a recém criada teoria da gravidade de Einstein. O jesuíta belga mostrou que era possível encontrar uma solução das equações da Relatividade Geral compatíveis com um indício de expansão do universo observado por Vesto Slipher e interpretado teoricamente por Arthur Eddington.

Somente mais tarde, em 1931 é que Lemaître publicou dois artigos discutindo maneiras de como o universo poderia ter surgido e sido colocado em expansão. Usando a complicadíssima Teoria Quântica, ainda em desenvolvimento na época, mostrou em um artigo na Revista Nature (uma das mais conceituadas do mundo), que o início poderia ter acontecido em um estado que ele denominou “ovo cósmico”. O universo estaria contido num só ponto, com temperatura e densidades infinitas quando houve uma “grande explosão” (daí o nome que a teoria ganharia mais tarde – Big Bang), dando origem ao processo de expansão e formação das estruturas que observamos hoje – desde átomos até galáxias e aglomerados de galáxias. 

Santo Jovito e São Faustino



Estes dois irmãos nasceram na Lombardia. Receberam o batismo quando eram ainda pequenos e tornaram-se defensores dos valores cristãos. Faustino foi ordenado presbítero e Jovita tornou-se diácono da Igreja.

A ordenação confere aos irmãos ainda mais amor ao nome de Cristo e responsabilidade pelos outros irmãos da comunidade cristã.

A bondade de Faustino e Jovita começa a atrair muitas pessoas para ouvir as maravilhas do amor de Jesus. Muitos pagãos, atraídos pelos ensinamentos destes dois jovens, destroem seus ídolos religiosos e pedem o batismo cristão.

Entretanto, a perseguição do Império Romano chega até os irmãos Faustino e Jovita. São acusados de incitar o povo contra o Império e de não adorar o Imperador e seus deuses. Por causa deles os templos imperiais esvaziam-se e os deuses são abandonados.

Os relatos sobre estes santos nos dizem que foram convidados a adorar o deus-sol num templo romano. Conduzidos ao local da adoração com promessas de riquezas e cargos públicos, os dois irmãos puseram-se a rezar ao Deus Único e Verdadeiro.

A estátua do deus-sol, cujo brilho dourada ofuscava os olhos daqueles que a contemplavam, tornou-se escura e fria com a oração de Faustino e Jovita. Os chefes religiosos, ao tocar a o ídolo, perceberam que o ouro tinham convertido em cinzas.

Revoltados com os irmãos, os levaram para uma jaula com quatro leões. As feras, porém, pareciam cordeiros mansos diante dos jovens cristãos. Diante destes fatos miraculosos, e com medo de que a fama de santidade dos irmãos se espalhasse, o governador romano da Lombardia matou cortar-lhes a cabeça. Era o ano de 122. 

ORAÇÃO


Querido Deus, Pai de Misericórdia, dá-nos, sob a inspiração dos santos Faustino e Jovita, proclamar a fé em Jesus Cristo e colaborar na grande tarefa de transformação da humanidade. Por Cristo nosso Senhor. Amém.

“Ser solidário é dar o melhor de si pelos que sofrem”, diz papa


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO MÉXICO
(12-18 DE FEVEREIRO DE 2016)

ÂNGELUS

Área do Centro de Estudos da Ecatepec
Domingo, 14 de Fevereiro de 2016


Queridos irmãos!

Na primeira leitura deste domingo, Moisés recomenda ao povo: no momento da colheita, no momento da abundância, no momento das primícias, não te esqueças das tuas origens. A acção de graças nasce e cresce numa pessoa e num povo que seja capaz de recordar: tem as suas raízes no passado, que, entre luzes e sombras, gerou o presente. No momento em que podemos dar graças a Deus porque a terra deu o seu fruto e assim é possível fazer o pão, Moisés convida o seu povo a fazer memória enumerando as situações difíceis pelas quais teve de passar (cf. Dt 26, 5-11).

Neste dia, neste dia de festa, podemos celebrar o Senhor que foi tão bom para connosco. Damos graças pela oportunidade de estarmos reunidos para apresentar ao Pai Bom as primícias dos nossos filhos e netos, dos nossos sonhos e projectos; as primícias das nossas culturas, das nossas línguas e tradições; as primícias do nosso compromisso…

Quanto teve de enfrentar, cada um de vós, para chegar aqui! Quanto tivestes de «caminhar» para fazer deste dia uma festa, uma acção de graças! E quanto caminharam outros que não puderam chegar, mas, graças a eles, pudemos continuar para diante.

Hoje, seguindo o convite de Moisés, queremos como povo fazer memória, queremos ser povo com a memória viva da passagem de Deus por meio do seu povo, no seu povo. Queremos olhar os nossos filhos, sabendo que herdarão não só uma terra, uma língua, uma cultura e uma tradição, mas sobretudo herdarão o fruto vivo da fé que recorda a passagem certa de Deus por esta terra; a certeza da sua proximidade e solidariedade. Uma certeza que nos ajuda a levantar a cabeça e, com vivo desejo, esperar a aurora.

Também eu me uno convosco a esta memória agradecida, a esta recordação viva da passagem de Deus na vossa vida. Olhando os vossos filhos, tenho vontade de repetir as palavras que um dia o Beato Paulo VI dirigiu ao povo mexicano: «Um cristão não pode deixar de manifestar a sua solidariedade e de dar o melhor de si mesmo, para resolver a situação daqueles a quem ainda não chegou o pão da cultura ou a oportunidade de encontrar um trabalho honrado (…), não pode ficar insensível enquanto as novas gerações não encontrarem o caminho para realizar as suas legítimas aspirações». E continua com um convite a estar «sempre na vanguarda em todos os esforços (…) para melhorar a situação daqueles que padecem necessidade», a ver «em cada homem um irmão e, em cada irmão, a Cristo» (Rádiomensagem no 75º aniversário da coroação  de N.S. de Guadalupe, 12 de Outubro de 1970). 

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Papa fala sobre o perigo de viver as três tentações: da riqueza, da vaidade e do orgulho


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO MÉXICO
(12-18 DE FEVEREIRO DE 2016)

SANTA MISSA NO CENTRO DE ESTUDOS DE ECATEPEC
HOMILIA DO SANTO PADRE

Cidade do México
Domingo, 14 de Fevereiro de 2016


Na quarta-feira passada, começamos o tempo litúrgico da Quaresma; nele, a Igreja convida-nos a preparar-nos para a celebração da grande festa da Páscoa. É um tempo especial para lembrar o dom do nosso Baptismo, quando fomos feitos filhos de Deus. A Igreja convida-nos a reavivar o dom recebido para não o deixar cair no esquecimento como algo passado ou guardado numa «caixa de recordações». Este tempo de Quaresma é uma boa ocasião para recuperar a alegria e a esperança que nos vem do facto de nos sentirmos filhos amados do Pai. Este Pai que nos espera para livrar-nos das vestes do cansaço, da apatia, da desconfiança e revestir-nos com a dignidade que só um verdadeiro pai e uma verdadeira mãe sabem dar aos seus filhos, as vestes que nascem da ternura e do amor.

O nosso Pai é pai duma grande família: é Pai nosso. Sabe ter um amor, mas não gerar e criar «filhos únicos». É um Deus que Se entende de família, de fraternidade, de pão partido e partilhado. É o Deus do «Pai Nosso», não do «pai meu e padrinho vosso».

Em cada um de nós, está inscrito, vive aquele sonho de Deus que voltamos a celebrar em cada Páscoa, em cada Eucaristia: somos filhos de Deus. Um sonho vivido por muitos irmãos nossos no decurso da história. Um sonho testemunhado pelo sangue de tantos mártires de ontem e de hoje.

Quaresma

Quaresma: tempo de conversão, porque experimentamos na vida de todos os dias como tal sonho se encontra continuamente ameaçado pelo pai da mentira, por aquele que quer separar-nos, gerando uma sociedade dividida e conflituosa, uma sociedade de poucos e para poucos. Quantas vezes experimentamos na nossa própria carne ou na carne da nossa família, na dos nossos amigos ou vizinhos a amargura que nasce de não sentir reconhecida esta dignidade que todos trazemos dentro. Quantas vezes tivemos de chorar e arrepender-nos, porque nos demos conta de não ter reconhecido tal dignidade nos outros. Quantas vezes – digo-o com tristeza – permanecemos cegos e insensíveis perante a falta de reconhecimento da dignidade própria e alheia.

Quaresma: tempo para regular os sentidos, abrir os olhos para tantas injustiças que atentam diretamente contra o sonho e o projecto de Deus. Tempo para desmascarar aquelas três grandes formas de tentação que rompem, fazem em pedaços a imagem que Deus quis plasmar. 

Papa: "Deus consola coração atribulado dos pais cujos filhos foram arrebatados pela criminalidade".


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO MÉXICO
(12-18 DE FEVEREIRO DE 2016)

SANTA MISSA NA BASÍLICA DE GUADALUPE

HOMILIA DO SANTO PADRE

Cidade do México
Sábado, 13 de Fevereiro de 2016


Acabamos de escutar como Maria foi visitar a prima Isabel. Sem demora nem hesitação, apressadamente, vai fazer companhia à sua parente que estava nos últimos meses de gravidez.

O encontro com o anjo não deteve Maria, porque não Se sentiu privilegiada, nem no dever de Se afastar dos seus. Pelo contrário, reavivou e pôs em marcha uma atitude pela qual Maria é e será sempre identificada como a mulher do sim, um sim de entrega a Deus e, ao mesmo tempo, um sim de entrega aos seus irmãos. É o sim que A pôs em marcha para dar o melhor de Si mesma, caminhando ao encontro dos outros.

Escutar esta passagem do Evangelho nesta casa tem um sabor especial. Maria, a mulher do sim, também quis visitar os habitantes desta terra da América na pessoa do índio São Juan Diego. Assim como se moveu pelas estradas da Judeia e da Galileia, da mesma forma alcançou Tepeyac, com as suas roupas, usando a sua língua, para servir esta grande nação. E assim como acompanhou a gravidez de Isabel, acompanhou e acompanha a gestação desta abençoada terra mexicana. Assim como Se apresentou ao humilde Juanito, de igual modo continua a fazer-se presente junto de todos nós, especialmente daqueles que sentem, como ele, que «não valem nada» (cf. Nican Mopohua, 55). Aquela escolha particular, digamos preferencial, de Juanito não foi contra ninguém, mas a favor de todos. Juan, o índio humilde que a si mesmo se designava como «mecapal, cacaxtle, cauda, asa, necessitado ele próprio de ser conduzido» (cf. ibidem), tornou-se «o mensageiro, muito digno de confiança».

Naquela madrugada de Dezembro de 1531, tinha lugar o primeiro milagre que se tornará depois a memória viva de tudo o que guarda este Santuário. Naquele amanhecer, naquele encontro, Deus despertou a esperança de seu filho Juan, a esperança dum povo. Naquele amanhecer, Deus despertou e desperta a esperança dos mais humildes, dos atribulados, dos deslocados e marginalizados, de quantos sentem que não têm um lugar digno nestas terras. Naquele amanhecer, Deus aproximou-Se e aproxima-Se do coração atribulado mas resistente de tantas mães, pais, avós que viram os seus filhos partir, viram-nos perdidos ou mesmo arrebatados pela criminalidade.

Naquele amanhecer, Juanzito experimenta na sua vida o que é a esperança, o que é a misericórdia de Deus. É escolhido para vigiar, cuidar, proteger e incentivar a construção deste Santuário. Mais do que uma vez, disse à Virgem que ele não era a pessoa certa; antes, se Ela queria levar por diante aquela obra, deveria escolher outros, porque ele não tinha instrução, não era formado, nem pertencia ao grupo daqueles que poderiam realizá-la. Maria, decididamente – com a decisão que nasce do coração misericordioso do Pai –, não aceita: ele seria o seu mensageiro. 

Papa Francisco se reúne com bispos mexicanos e fala sobre o narcotráfico, a migração e a missão dos leigos na Igreja


Viagem Apostólica do Papa Francisco ao México
Encontro com os Bispos do México na Catedral

Estou feliz por vos poder encontrar no dia seguinte ao da minha chegada a este amado país, que também eu, seguindo os passos dos meus Predecessores, vim visitar.

Não podia deixar de vir! Poderia o Sucessor de Pedro, chamado do profundo sul latino-americano, privar-se da possibilidade de pousar o olhar na «Virgem Morenita»?

Agradeço-vos por me terdes recebido nesta Catedral – a «casita», um pouco alongada mas sempre «sagrada», que pediu a Virgem de Guadalupe – e pelas amáveis palavras de boas-vindas que me dirigistes.

Sabendo que aqui se encontra o coração secreto de cada mexicano, entro com passo delicado, como se deve entrar na casa e na alma deste povo, sentindo-me profundamente grato por me abrir a porta. Sei que, fixando os olhos da Virgem, alcanço o olhar do seu povo, que aprendeu a mostrar-se n’Ela. Sei que nenhuma outra voz pode falar tão profundamente do coração mexicano, como me pode falar a Virgem; Ela guarda os seus mais nobres desejos e as esperanças mais recônditas; recolhe as suas alegrias e lágrimas; Ela compreende os seus numerosos idiomas e responde-lhes com ternura de Mãe, porque são os seus filhos.

Estou feliz por estar convosco aqui, nas proximidades da «Colina de Tepeyac», como nos alvores da evangelização deste continente e, por favor, permiti-me que, tudo quanto vos disser, possa fazê-lo partindo da Guadalupana. Como quereria que fosse Ela mesma a levar, até às profundezas das vossas almas de pastores e – por vosso intermédio – a cada uma das vossas Igrejas particulares presentes neste vasto México, tudo o que intensamente brota do coração do Papa!

Como sucedeu com São Juan Diego e as sucessivas gerações dos filhos da Guadalupana, também o Papa, há tempos, cultivava o desejo de olhar para Ela. Mais ainda, queria eu mesmo ser envolvido pelo seu olhar materno. Reflecti muito sobre o mistério deste olhar e peço-vos que acolhais tudo o que brota do meu coração de Pastor neste momento.

Um olhar de ternura

Antes de mais nada, a «Virgem Morenita» ensina-nos que a única força capaz de conquistar o coração dos homens é a ternura de Deus. Aquilo que encanta e atrai, aquilo que abranda e vence, aquilo que abre e liberta das cadeias não é a força dos meios nem a dureza da lei, mas a fragilidade omnipotente do amor divino, que é a força irresistível da sua doçura e a promessa irreversível da sua misericórdia.

Um inquieto e ilustre escritor desta terra, Octávio Paz, disse que, em Guadalupe, não se pede a abundância das colheitas nem a fertilidade da terra, mas procura-se um regaço no qual os homens, sempre órfãos e deserdados, buscam um abrigo, um lar.

Passados séculos do evento fundador deste país e da evangelização do continente, porventura se diluiu ou está esquecida a necessidade dum regaço por que anseia o coração do povo que vos está confiado?

Conheço a longa e dolorosa história que atravessastes, não sem o derramamento de muito sangue, não sem convulsões impiedosas e dilacerantes, não sem violência e incompreensões. Com razão, o meu venerado e santo Predecessor, que se sentia no México como em sua casa, quis lembrar que a vossa história «é percorrida, como rios às vezes ocultos e sempre caudalosos, por três realidades que ora se encontram, ora revelam as suas diferenças complementares, sem jamais se confundirem totalmente: a antiga e rica sensibilidade dos povos indígenas que amaram Juan de Zumárraga e Vasco de Quiroga, aos quais muitos desses povos continuam a chamar pais; o cristianismo arraigado na alma dos mexicanos; e a moderna racionalidade, de perfil europeu, que tanto quis enaltecer a independência e a liberdade» (João Paulo II, Discurso na cerimónia de chegada ao México, 22 de Janeiro de 1999).

E nesta história, nunca se mostrou infecundo o regaço materno que tem gerado continuamente o México, embora às vezes se parecesse com aquela rede quase a romper-se que continha cento e cinquenta e três peixes (Jo 21, 11), mas as fracturas ameaçadoras sempre se recompuseram.

Por isso, convido-vos a começar de novo desta necessidade de um regaço que emana da alma do vosso povo. O regaço da fé cristã é capaz de reconciliar o passado marcado muitas vezes por solidão, isolamento e marginalização, com o futuro continuamente relegado para um amanhã que escapa. Apenas naquele regaço é possível, sem renunciar à própria identidade, «descobrir a verdade profunda da nova humanidade, em que todos são chamados a ser filhos de Deus» (João Paulo II, Homilia na canonização de São Juan Diego, 31 de Julho de 2002).

Inclinai-vos, com delicadeza e respeito, sobre a alma profunda do vosso povo, debruçai-vos com atenção e decifrai o seu rosto misterioso. Porventura o presente, muitas vezes dissolvido em dispersões e festas, não é prenúncio de Deus que é o único e pleno presente? Porventura a familiaridade com a dor e a morte não são formas de coragem e caminhos rumo à esperança? Porventura a percepção de que o mundo esteja necessitado sempre e somente de redenção não será um antídoto à auto-suficiência arrogante de quantos julgam possível poder prescindir de Deus?

Naturalmente, para tudo isto é necessário um olhar capaz de reflectir a ternura de Deus. Por isso, sede bispos de olhar límpido, alma transparente, rosto luminoso; não tenhais medo da transparência; a Igreja não precisa da obscuridade para trabalhar. Vigiai para que os vossos olhares não se cubram com as penumbras da névoa do mundanismo; não vos deixeis corromper pelo vulgar materialismo nem pelas ilusões sedutoras dos acordos feitos por baixo da mesa; não ponhais a vossa confiança nos «carros e cavalos» dos faraós de hoje, porque a nossa força é a «coluna de fogo» que irrompe separando em duas as águas do mar, sem fazer grande rumor (Ex 14, 24-25).

O mundo, onde o Senhor nos chama a exercer a nossa missão, tornou-se muito complexo. À prepotente ideia do «cogito», que pelo menos não negava que houvesse uma rocha acima da areia do ser, sobrepôs-se hoje uma concepção da vida – no dizer de muitos – mais vacilante, vaga e caótica do que nunca, porque carece de um substrato sólido. As fronteiras, tão intensamente exigidas e sustentadas, tornaram-se permeáveis à novidade dum mundo em que a força de alguns já não pode sobreviver sem a vulnerabilidade dos outros. A hibridação irreversível da tecnologia aproxima o que está afastado, mas, infelizmente, torna distante o que deveria estar perto.

E, precisamente neste mundo, Deus pede-vos para ter um olhar capaz de interceptar a pergunta que grita no coração do vosso povo, o único que, no próprio calendário, possui uma «festa do grito». Àquele grito, é preciso responder que Deus existe e, graças a Jesus, está perto; responder que só Deus é a realidade sobre a qual se pode construir, porque «Deus é a realidade fundante, não um Deus apenas pensado ou hipotético, mas o Deus com um rosto humano» (Bento XVI, Discurso inaugural da V Conferência Geral do CELAM, 13 de Maio de 2007).

Nos vossos olhares, o povo mexicano tem o direito de encontrar os indícios de quem «viu o Senhor» (cf. Jo 20, 25), de quem esteve com Deus. Isto é o essencial. Assim, não percais tempo e energias nas coisas secundárias, nas críticas e intrigas, em projectos vãos de carreira, em planos vazios de hegemonia, nos clubes estéreis de interesses ou compadrios. Não vos deixeis paralisar pelas murmurações e maledicências. Introduzi os vossos sacerdotes nesta compreensão do ministério sagrado. A nós, ministros de Deus, basta a graça de «beber o cálice do Senhor», o dom de guardar a parte da sua herança que nos foi confiada, apesar de sermos administradores inexperientes. Deixemos o Pai atribuir-nos o lugar que preparou para nós (Mt 20, 20-28). Poderemos nós ocupar-nos verdadeiramente doutras coisas que não sejam as do Pai? Fora das «coisas do Pai» (Lc 2, 48-49), perdemos a nossa identidade e, culpavelmente, tornamos vã a sua graça.

Se o nosso olhar não dá testemunho de ter visto Jesus, então as palavras que recordamos d’Ele não passam de figuras retóricas vazias. Talvez expressem a nostalgia daqueles que não podem esquecer o Senhor, mas, em todo o caso, são apenas o balbuciar de órfãos junto do sepulcro. No fim de contas, são palavras incapazes de impedir que o mundo fique abandonado e reduzido ao próprio poder desesperado.

Penso na necessidade de oferecer um regaço materno aos jovens. Que os vossos olhares sejam capazes de se cruzar com o deles, de os amar e individuar o que eles buscam com aquela força com que muitos como eles deixaram barcos e redes na praia do mar (Mc 1, 17-18), abandonaram bancas de extorsão para seguir o Senhor da verdadeira riqueza (Mt 9, 9).

Em particular preocupam-me tantos jovens que, seduzidos pelo poder vazio do mundo, exaltam as quimeras e revestem-se dos seus símbolos macabros para comercializar a morte em troca de moedas que, no fim, a ferrugem corrói e os ladrões arrombam os muros para as roubar (Mt 6, 19). Peço-vos que não subestimeis o desafio ético e anticívico que o narcotráfico representa para a sociedade mexicana inteira, incluindo a Igreja.

A amplitude do fenômeno, a complexidade das suas causas, a imensidade da sua extensão como metástase devoradora, a gravidade da violência que desagrega e suas conexões transtornadas não consentem que nós, pastores da Igreja, nos refugiemos em condenações genéricas, mas exigem uma coragem profética e um projecto pastoral sério e qualificado para contribuir, gradualmente, a tecer aquela delicada rede humana, sem a qual todos estaríamos, desde o início, derrotados por tal ameaça insidiosa. Só começando das famílias; aproximando-nos e abraçando a periferia humana e existencial das áreas desoladas das nossas cidades; envolvendo as comunidades paroquiais, as escolas, as instituições comunitárias, a comunidade política, as estruturas de segurança; só assim será possível libertar-se totalmente das águas onde, infelizmente, se afogam tantas vidas, seja a de quem morre como vítima, seja a de quem diante de Deus terá as mãos sempre manchadas de sangue, mesmo que tenha os bolsos cheios de dinheiro sórdido e a consciência anestesiada.