quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Não, a bíblia não é mais violenta do que o alcorão


Um estudo norte-americano analisou os campos semânticos dos dois textos sagrados e concluiu que a bíblia seria "mais inclinada à violência que o alcorão" – mas há falhas gritantes nessa análise.

Um estudo realizado por Tom Anderson, engenheiro e desenvolvedor nova-iorquino, concluiu que a bíblia faz referências a “assassinato” e “destruição” com mais frequência do que o alcorão.

Usando o software de análise Odintexte, ele contou o número de ocorrências de palavras pertencentes a um campo semântico violento. Depois de dois minutos e de 886.000 palavras analisadas, as conclusões do Odintexte foram taxativas: termos ligados a morte, assassinato e destruição constituem 2,1% do livro sagrado dos muçulmanos, contra 2,8% do Novo Testamento e nada menos que 5,3% do Antigo Testamento.

Conforme o autor não esconde, o estudo pretende dar apoio a um pedido feito por Barack Obama: durante um discurso televisionado, o presidente dos EUA pediu que fosse rejeitada “qualquer política que tenha como alvo as pessoas ou as religiões”. O presidente democrata estava respondendo ao candidato republicano Donald Trump, que, por sua vez, tinha feito um barulhento apelo em nome da segurança para impedir qualquer muçulmano de imigrar para os Estados Unidos.

Mas, além de levar em conta essa motivação peculiar do estudo, também devemos ir mais a fundo antes de dizer amém aos seus argumentos “científicos” amparados em estatísticas descontextualizadas.

A circuncisão do coração


A lei e a aliança foram totalmente mudadas. Primeiramente Deus substituiu o pacto com Adão por outro que estabeleceu com Noé; e ainda estabeleceu outro com Abraão, substituindo-o depois por um novo, feito com Moisés. Como a aliança mosaica não era observada, ao chegar a plenitude dos tempos, Deus firmou uma aliança que não seria mais mudada. Com efeito, a Adão Deus ordenara não comer da árvore da vida, a Noé dera o arco-íris, a Abraão, já escolhido por causa da sua fé, deu mais tarde a circuncisão, como sinal característico de seus descendentes; a Moisés deu o cordeiro pascal para ser imolado como propiciação pelo povo.

Todas essas alianças eram diferentes umas das outras. Mas a circuncisão que agrada ao autor de todas elas é aquela de que fala Jeremias: Circuncidai o vosso coração (Jr 4,4). Pois se o pacto estabelecido por Deus com Abraão foi firme, também este é firme e imutável e não seria possível estabelecer depois outra lei, seja por parte dos que estão fora da Lei ou dos que a ela estão submetidos.

O Senhor deu a lei a Moisés, com todas as suas observâncias e preceitos; como não cumpriram, anulou a lei e seus preceitos e prometeu fazer uma nova aliança, que seria, como disse, diferente da primeira, embora fosse um só o doador de ambas. E é esta a aliança que prometeu dar: Todos se reconhecerão, do menor ao maior deles (Jr 31,34). Nessa aliança não há mais a circuncisão da carne como sinal de pertença a seu povo.

Sabemos com certeza, caríssimos irmãos, que durante várias gerações Deus estabeleceu leis que estiveram em vigor enquanto foi de seu agrado, e que mais tarde caíram em desuso, como disse o Apóstolo: “No passado, o reino de Deus assumiu formas diversas, segundo os diversos tempos”.

O nosso Deus é veraz e os seus preceitos são fidelíssimos. Por isso, cada uma das alianças foi em seu tempo firme e verdadeira. Agora, os circuncisos de coração têm a vida por meio da nova circuncisão que se realiza no verdadeiro Jordão, isto é, por meio do batismo para a remissão dos pecados.

Josué, filho de Nun, com uma faca de pedra circuncidou o povo pela segunda vez, quando ele e seu povo atravessaram o rio Jordão. Jesus, nosso Salvador, circuncidou pela segunda vez, com a circuncisão do coração,os povos que nele creram purificados pelo batismo e circuncidados com a espada que é a palavra de Deus, mais cortante do que qualquer espada de dois gumes (Hb 4,12).

Josué, filho de Nun, introduziu o povo na terra da promissão; Jesus, nosso Salvador, prometeu a terra da vida a todos que atravessassem o Jordão, cressem nele e fossem circuncidados no coração.

Felizes, portanto, os que foram circuncidados em seu coração e renasceram das águas da segunda circuncisão! Estes receberão a herança prometida, juntamente com Abraão, guia fiel e pai de todos os povos, porque a sua fé lhe foi atribuída como justiça.


Das Demonstrações de Afraates, bispo

(Dem. 11, De circumcisione, 11-12:PS 1,498-503)             (Séc.IV)

É verdade que a dor de Cristo na cruz foi a maior que existiu?


Algumas pessoas argumentam que, cientificamente falando, não se pode dizer que a dor de Cristo foi a maior dor que já existiu, uma vez que existem gêneros muito piores de morte que a crucificação, como pessoas que morrem lentamente, corroídas por ácidos etc. Mas, em que sentido se pode entender essa afirmação da Igreja, contida inclusive na doutrina de Santo Tomás de Aquino?

É o próprio Doutor Angélico que o responde, em sua Summa Theologiae:

“Ao tratarmos das deficiências assumidas por Cristo, deve-se dizer que ele suportou uma autêntica dor; tanto sensível, causada por algo que fere o corpo, como interior, causada pela percepção do que é nocivo e que é chamada de tristeza. Ambas foram em Cristo as maiores dores na presente vida. E assim foi por quatro motivos.”

“Primeiro, pelas causas da dor. Pois a causa da dor sensível foi a lesão corporal, que se tornou pungente não só pela extensão do sofrimento, da qual se falou, mas também pelo gênero de sofrimento. É que a morte dos crucificados é muitíssimo cruel, pois são transfixados em locais de nervos muito sensíveis, ou seja, nas mãos e nos pés; o próprio peso do corpo suspenso aumenta continuamente a dor; e é uma dor que perdura, uma vez que o crucificado não morre logo, como os que são mortos a espada. – Já a causa da dor interior foi, em primeiro lugar, todos os pecados do gênero humano, pelos quais, sofrendo, Cristo dava satisfação, a ponto de, por assim dizer, assumi-los para si, como declara o Salmo: ‘As palavras das minhas faltas’ (21, 2). Em segundo lugar, especialmente a culpa dos judeus e dos demais que tramaram sua morte, mas de modo participar dos discípulos, que se escandalizaram com a paixão de Cristo. Em terceiro lugar, a perda da vida corporal, que por natureza é horrível à condição humana.”

“Segundo, a extensão do sofrimento pode ser considerada pela sensibilidade do paciente. Ora, ele tinha uma ótima compleição física, pois seu corpo fora formado de modo miraculoso pela ação do Espírito Santo; aliás, tudo o que foi realizado por um milagre era melhor que o resto, como diz Crisóstomo a respeito do vinho em que, na festa de núpcias, Cristo transformara a água. Assim, era agutíssimo nele o sentido do tato, com o qual se percebe a dor. – Igualmente, a alma, com suas forças interiores, captava de modo intenso todas as causas de tristeza.”

“Terceiro, a grandeza da dor de Cristo ao sofrer pode ser estimada pela pureza dessa dor. Nos demais pacientes, com efeito, mitiga-se a tristeza interior e mesmo a dor externa com alguma consideração da razão, por alguma derivação ou redundância das forças superiores para as inferiores. Mas isso não aconteceu com Cristo em sua paixão, pois, como diz Damasceno, ‘ele permitiu que cada uma de suas potências exercesse a função que lhe era própria’.”

“Quarto, a extensão da dor de Cristo em sua paixão pode ser estimada pelo fato de seu sofrimento e dor terem sido assumidos voluntariamente, com o objetivo de libertar os homens do pecado. Assim, ele assumiu a intensidade da dor proporcional à grandeza do fruto que dela se seguiria.”

“De todas essas causas consideradas em seu conjunto, fica evidente que a dor de Cristo foi a maior.” [1]

Os 7 fundadores da Ordem dos Servitas


No século treze (XIII) a Itália vivia um período de terríveis desentendimentos internos. Na cidade de Florença, sete jovens, unidos em fraterna amizade, eram companheiros em uma associação mariana e reuniam-se para fazer versos e canções para Maria.

Os jovens amigos Alexandre Falconieri, Monaldi, Manetto, Bonaiuto, Amidei, Ugocioni e Sosteni, num desses encontros ao redor da imagem de Maria, tiveram uma experiência de profunda mística. Conta a história que no dia 15 de agosto de 1233 a cabeça da imagem se mexeu e tornou-se triste, como querendo expressar sua dor diante das lutas internas da cidade de Florença.

Extasiados com esta experiência, os jovens abandonaram suas famílias, distribuíram seus bens aos pobres, revestiram-se com hábito penitencial e retiraram-se para um casebre fora dos muros de Florença, no Monte Senário.

Logo a comunidade local começou a chamá-los de "Servos de Maria", pois desde o início eles dedicaram-se ao serviço da caridade e da contemplação dos mistérios de Deus, tendo Maria como a referência de todo este apostolado.

Muitos quiseram participar da vida deles e devagar o grupo inicial foi aumentando. Surgiu a Ordem dos Servos de Maria, cujos membros são chamados de Servitas. Os servitas espalharam-se pela Itália e toda Europa, sempre abençoados pela proteção da Mãe de Deus, de quem sempre foram defensores.

Estes Sete Santos foram canonizados no dia 12 de janeiro de 1888 por Leão XIII, e o vínculo de sincera fraternidade que os uniu na vida, continua a uni-los na morte. Suas cinzas estão guardadas juntas no Santuário do Monte Senário, numa única urna. São chamados na liturgia de "ministros da unidade e da paz".  

ORAÇÃO


Inspirai-nos, ó Deus, a profunda piedade dos Fundadores dos Servitas que se distinguiram pela devoção à Virgem Maria e a vós conduziram o vosso povo. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

João Paulo II não teve “intensa relação” com uma mulher casada


Ontem começou a circular um artigo da rede BBC, o qual insinua dúvidas sobre a amizade entre São João Paulo II e Anna-Teresa Tymieniecka, uma filósofa polonesa casada. As graves insinuações já foram desmentidas.

A amizade entre ambos era muito conhecida no círculo de amigos do Pontífice e também fora dele. A notícia da BBC foi publicada algumas horas antes de transmitir um documentário sobre este tema.

O vaticanista George Weigel escreveu em seu livro “Testemunha da esperança: a biografia de João Paulo II” que Tymieniecka começou a enviar cartas a Karol Wojtyla a fim de trocar idéias sobre a publicação de um trabalho filosófico intitulado “The acting person”.

Dom Pawel Ptasznik, sacerdote polonês da Secretaria de Estado do Vaticano, colaborador do Papa polonês durante dez anos, confirmou este dado e explica que, “inclusive quando o debate filosófico terminou, ela continuava escrevendo ao Cardeal Karol Wojtyla depois de ser eleito Papa João Paulo II. Karol era um homem muito cortês, ele estava acostumado a responder todas as cartas que recebia dela”.

Gianfranco Svidercoschi, um veterano vaticanista e biógrafo de Karol Wojtyla, sublinhou que “João Paulo II estava acostumado a jogar fora as cartas dela depois de respondê-las. Entretanto, a senhora Tymieniecka conservou todas as cartas que recebeu do Papa, além de uma cópia das cartas que lhe enviava”.

Sviderscoschi explicou que logo depois da morte do Pontífice, a mulher “tentou vender toda sua troca de cartas com o falecido Papa e finalmente a Biblioteca Nacional Polonesa as comprou. Entretanto, as cartas não estão disponíveis para sua leitura”. Por esta razão, “a BBC expressou que as cartas são secretas”, destacou o perito vaticanista.

A Biblioteca Nacional Polonesa publicou ontem uma declaração oficial na qual esclarece que não há nada que sugira uma relação amorosa entre o santo e esta mulher.

“As declarações feitas aos meios de comunicação não foram baseadas no conteúdo das cartas de João Paulo II à Anna Teresa Tymieniecka que estão no arquivo da Biblioteca Nacional da Polônia”, sustenta um comunicado publicado ontem por esta instituição. 

No México, Papa alerta religiosos sobre tentação da resignação


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO MÉXICO
(12-18 DE FEVEREIRO DE 2016)

SANTA MISSA COM SACERDOTES, RELIGIOSAS, RELIGIOSOS,
CONSAGRADOS E SEMINARISTAS

HOMILIA DO SANTO PADRE

Estádio “Venustiano Carranza”,  Morelia
Terça-feira, 16 de Fevereiro de 2016


Há um dito entre nós que recita assim: «Diz-me como rezas e dir-te-ei como vives, diz-me como vives e dir-te-ei como rezas»; porque, mostrando-me como rezas, aprenderei a descobrir o Deus vivo e, mostrando-me como vives, aprenderei a acreditar no Deus a quem rezas, pois a nossa vida fala da oração e a oração fala da nossa vida. Aprende-se a rezar, como se aprende a caminhar, a falar, a escutar. A escola da oração é a escola da vida, e a escola da vida é o lugar onde fazemos escola de oração.

E Paulo, quando ensinava ou exortava o seu discípulo predilecto Timóteo a viver a fé, dizia-lhe: «Lembra-te da tua mãe e da tua avó». E, quando os seminaristas entravam no Seminário, muitas vezes perguntavam-me: «Padre, eu gostava de ter uma oração mais profunda, mais mental». «Olha, continua a rezar como te ensinaram na tua casa e depois, pouco a pouco, a tua oração irá crescendo, como cresceu a tua vida». Aprende-se a rezar, como tudo na vida.

Jesus quis introduzir os seus no mistério da Vida: no mistério da vida d’Ele. Mostrou-lhes – comendo, dormindo, curando, pregando, rezando – o que significa ser Filho de Deus. Convidou-os a partilhar a sua vida, a sua intimidade e, enquanto estavam com Ele, fez-lhes tocar na sua carne a vida do Pai. No seu olhar, no seu caminhar, fê-los experimentar a força, a novidade de dizer: «Pai Nosso». Em Jesus, esta expressão «Pai Nosso» não tem o sabor velho da rotina ou da repetição; pelo contrário, sabe a vida, a experiência, a autenticidade. Ele soube viver rezando e rezar vivendo, ao dizer: Pai Nosso.

E convidou-nos a fazer o mesmo. A nossa primeira chamada é para fazer experiência deste amor misericordioso do Pai na nossa vida, na nossa história. A primeira chamada que Jesus nos fez foi para nos introduzir nesta nova dinâmica do amor, da filiação. A nossa primeira chamada é para aprender a dizer «Pai Nosso», como insiste Paulo: Abbá.

A propósito da sua chamada, diz São Paulo: «Ai de mim, se eu não evangelizar!» Ai de mim, porque evangelizar «não é para mim – explica – motivo de glória, é antes uma obrigação que me foi imposta» (1 Cor 9, 16). Pois bem! Jesus chamou-nos para participar na sua vida, na vida divina: Ai de nós – consagrados, consagradas, seminaristas, sacerdotes, bispos – ai de nós se não a compartilharmos! Ai de nós, se não formos testemunhas do que vimos e ouvimos! Ai de nós! Não queremos ser funcionários do divino; não somos, nem o queremos ser jamais, empregados da empresa de Deus, porque fomos convidados a participar na sua vida, fomos convidados a encerrar-nos no seu coração, um coração que reza e vive dizendo: Pai Nosso. Em que consiste a missão senão em dizer com a nossa vida – desde o princípio até ao fim, como o nosso irmão bispo que faleceu esta noite –, em que consiste a missão senão em dizer com a nossa vida: Pai Nosso? 

Papa às famílias: "Solidão e isolamento, maus conselheiros".


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO MÉXICO
(12-18 DE FEVEREIRO DE 2016)

ENCONTRO COM AS FAMÍLIAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

Estádio “Víctor Manuel Reyna”, Tuxtla Gutiérrez
Segunda-feira, 15 de Fevereiro de 2016


Queridos irmãos e irmãs!

Dou graças a Deus por estar hoje nesta terra de Chiapas. É bom estar neste solo, é bom estar nesta terra, é bom estar neste lugar que, graças a vós, tem sabor de família, de lar. Dou-Lhe graças pelos vossos rostos e pela vossa presença; agradeço a Deus pelo palpitar da sua presença nas vossas famílias. Obrigado também a vós, famílias e amigos, que nos oferecestes o vosso testemunho, abristes-nos as portas das vossas casas e as portas das vossas vidas; permitistes-nos sentar à vossa «mesa» onde partilhais o pão que vos alimenta e o suor perante as dificuldades diárias: o pão das alegrias, da esperança, dos sonhos, e o suor perante as amarguras, as decepções e as quedas. Obrigado por nos terdes permitido entrar nas vossas famílias, sentar à vossa mesa, conhecer o vosso lar.

Manuel, antes de te agradecer a ti pelo testemunho dado, quero agradecer aos teus pais, às duas pessoas que estão de joelhos diante de ti a segurar-te o papel. Vedes como é bela esta imagem? Os pais de joelhos diante do filho, que está enfermo. Não vos esqueçais desta imagem. É possível que uma vez ou outra os dois se peguem. Qual é o marido e qual é a esposa que não se pega? Pior ainda quando a sogra mete bedelho…, mas deixemos isso! A verdade é que se amam e provaram-nos que se amam e, pelo amor que se têm, são capazes de se pôr de joelhos diante do seu filho enfermo. Obrigado, amigos, por este testemunho que deram e continuem. Obrigado! E a ti, Manuel, obrigado pelo teu testemunho e sobretudo pelo teu exemplo. Gostei da expressão – «encher-se de vontade» – que usaste para descrever a atitude assumida depois de teres falado com os teus pais. Começaste a encher-te de vontade para a vida, encher de vontade a tua família, encher de vontade os teus amigos e encheste-nos de vontade a todos nós aqui reunidos. Obrigado! Acho que isto é o que o Espírito Santo quer fazer sempre no meio de nós: encher-nos de vontade, dar-nos motivos para continuar a apostar na família, sonhar, construir uma vida com sabor a casa e a família. Enchemo-nos de vontade? [respondem: sim]. Obrigado!

E isto é o que Deus Pai sempre sonhou e, por isto, Deus Pai lutou desde os tempos antigos. Naquela tarde, quando tudo parecia perdido no jardim do Éden, Deus Pai encheu de vontade aquele jovem casal e mostrou-lhes que nem tudo estava perdido. E quando o povo de Israel sentia que não podia resistir mais na travessia do deserto, Deus Pai incitou-o a encher-se de vontade com o maná. E quando chegou a plenitude dos tempos, Deus Pai encheu de vontade a humanidade para sempre mandando-nos o seu Filho.

Da mesma forma, todos nós aqui presentes experimentamos, muitas vezes e de variados modos, que Deus Pai encheu de vontade a nossa vida. Mas porquê? – podemos perguntar-nos. Porque não pode proceder diversamente. O nosso Pai Deus não pode deixar de nos querer bem e encher-nos de vontade, impelindo-nos e levando-nos para diante, não pode proceder diversamente, porque o seu nome é amor, o seu nome é dom gratuito, o seu nome é dedicação, o seu nome é misericórdia. Tudo isto no-lo deu a conhecer, em toda a sua força e clareza, no seu Filho Jesus, que gastou a sua vida até à morte para tornar possível o Reino de Deus; um Reino que nos convida a participar naquela lógica nova que põe em movimento uma dinâmica capaz de abrir os céus, capaz de abrir os nossos corações, as nossas mentes, as nossas mãos, desafiando-nos para novos horizontes; um Reino que tem sabor de família, que tem sabor de vida partilhada. Este Reino, em Jesus e com Jesus, é possível; é capaz de transformar em vinho de festa as nossas perspectivas, atitudes e sentimentos frequentemente anaguados; é capaz de curar os nossos corações, convidando-nos repetidamente – chegando a setenta vezes sete – a recomeçar; é capaz de fazer sempre todas as coisas novas. 

Judas e Pedro


A principal diferença entre as histórias de Judas e de Pedro está no seu desfecho. Os dois traíram, ambos se afastaram de Jesus. Mas Pedro terminou bem: reassumiu a sua condição de Apóstolo e chegou a ser a Rocha firme de que Deus necessitava para a sua Igreja. Ao passo que Judas terminou mal, num horrível suicídio. Por que essa diferença?

A queda de Judas representa para nós uma advertência. Assim o afirma o autor, com toda a razão. Com efeito, causa vertigem pensar que um homem bom, escolhido e preparado por Deus para realizar uma grande missão, um homem que conviveu intimamente com o próprio Jesus e que tinha todas as condições para ser fiel até o fim e muito santo, tenha caído tão fundo.

Essa advertência torna-se ainda mais forte, se nos lembrarmos de que não foi só Judas que traiu. Os outros Apóstolos, também traíram o Senhor, embora de outro modo, e até o próprio Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, traiu Cristo. Ele que tinha recebido a missão de ser a rocha incomovível sobre a qual se deveria edificar a Igreja ao longo dos séculos, negou covardemente o Senhor.

Judas e Pedro. Duas histórias que nos colocam diante do mistério do mal, dos abismos de maldade que existem no coração de todo o ser humano. Sem dúvida, uma advertência importante.

UM PARALELO

As quedas de Judas e de Pedro apresentam um grande paralelismo. Em ambos os casos, houve uma longa história de claudicações que culminaram quer na traição, quer na negação. Mas há também diferenças significativas.

Judas, antes de cair, corrompeu-se totalmente. No início, seguia Jesus com retidão. Havia na sua alma, como na dos outros Apóstolos, ambições humanas alheias à missão de Cristo e interesses pessoais mesquinhos, mas estavam num segundo plano; o que importava acima de tudo era colaborar com o Senhor.

No entanto, com o passar do tempo, essa situação foi-se invertendo: as ambições pessoais de Judas, não devidamente subjugadas à medida que “erguiam a cabeça”, foram pouco a pouco ganhando terreno até que, em dado momento, o Apóstolo percebeu com nitidez que a proposta de Jesus não se coadunava em absoluto com elas. Então, em lugar de retificá-las, preferiu mantê-las e colocá-las em primeiro lugar na sua vida. Em hipótese alguma teria conseguido responder como os filhos de Zebedeu: “Podemos”, se tivesse sido convidado como eles a beber do cálice da Cruz. Ou talvez o tivesse feito... mentindo.

A partir daí, foi-se desenvolvendo na sua alma um processo de infecção generalizada pelo câncer de um tremendo egoísmo. Seu coração foi-se endurecendo e distanciando aceleradamente de Cristo. A sua consciência foi-se embotando: começou a roubar o dinheiro da bolsa da que era encarregado, e, perdida a confiança em Jesus, passou a olhá-lo com olhos cada vez mais críticos, até chegar, após sucessivas decepções, a odiar Aquele a quem tanto admirara. Finalmente veio a traição vil.

Pedro, pelo contrário, nunca perdeu essa retidão interior. Começou a seguir Jesus num arranque abnegado de generosidade, por amor. E por amor seguiu-o até ao fim. No entanto, a sua natureza generosa e ardente era frágil, e Pedro, apesar de tantas advertências carinhosas mas claras de Cristo, preferiu ignorá-las presunçosamente. E foi essa presunção que o perdeu. O seu itinerário até à queda correu pela linha das atitudes de autosuficiência, das “desafinações” em relação ao espírito do Mestre, que a longo prazo apontavam para a infidelidade em situações extremas. E assim chegou à sua tríplice negação.

Pedro, tal como Judas, tinha uma visão demasiado humana da sua missão e do próprio Cristo. Não atribuía a devida importância à oração – Jesus tivera que censurá-lo no Horto das Oliveiras por ter adormecido e deixado de vigiar em sua companhia –; freqüentemente julgava sem a perspectiva da fé – movido por um carinho superficial e emotivo por Cristo, tentara demovê-lo do cumprimento cabal da vontade do Pai no sacrifício da Cruz –; pensava presunçosamente que nunca abandonaria o seu Mestre, ainda que todos os outros o fizessem. O resultado foi que, na noite da Sexta-feira Santa, num gesto atrevido em que se misturavam amor e presunção, seguiu Jesus até à casa do Sumo-sacerdote, o reduto do inimigo, e foi surpreendido pela própria fraqueza, caindo, impotente, nas três negações.

Estamos, portanto, diante de duas modalidades de queda, ambas inquietantes. Uma, a de um homem que era bom e que se deixou corromper por ambições egoístas até à mais completa dureza de coração; e a outra, a de um homem igualmente bom, que sem deixar de ser reto chegou, por presunção, a tornar-se extremamente vulnerável.