A principal
diferença entre as histórias de Judas e de Pedro está no seu desfecho. Os dois
traíram, ambos se afastaram de Jesus. Mas Pedro terminou bem: reassumiu a sua
condição de Apóstolo e chegou a ser a Rocha firme de que Deus necessitava para
a sua Igreja. Ao passo que Judas terminou mal, num horrível suicídio. Por que
essa diferença?
A queda de Judas representa para nós uma
advertência. Assim o afirma o autor, com toda a razão. Com efeito, causa
vertigem pensar que um homem bom, escolhido e preparado por Deus para realizar
uma grande missão, um homem que conviveu intimamente com o próprio Jesus e que
tinha todas as condições para ser fiel até o fim e muito santo, tenha caído tão
fundo.
Essa advertência torna-se ainda mais forte, se nos
lembrarmos de que não foi só Judas que traiu. Os outros Apóstolos, também
traíram o Senhor, embora de outro modo, e até o próprio Pedro, o Príncipe dos
Apóstolos, traiu Cristo. Ele que tinha recebido a missão de ser a rocha
incomovível sobre a qual se deveria edificar a Igreja ao longo dos séculos,
negou covardemente o Senhor.
Judas e Pedro. Duas histórias que nos colocam
diante do mistério do mal, dos abismos de maldade que existem no coração de
todo o ser humano. Sem dúvida, uma advertência importante.
UM PARALELO
As quedas de Judas e de Pedro apresentam um grande
paralelismo. Em ambos os casos, houve uma longa história de claudicações que
culminaram quer na traição, quer na negação. Mas há também diferenças
significativas.
Judas, antes de cair, corrompeu-se totalmente. No
início, seguia Jesus com retidão. Havia na sua alma, como na dos outros Apóstolos,
ambições humanas alheias à missão de Cristo e interesses pessoais mesquinhos,
mas estavam num segundo plano; o que importava acima de tudo era colaborar com
o Senhor.
No entanto, com o passar do tempo, essa situação
foi-se invertendo: as ambições pessoais de Judas, não devidamente subjugadas à
medida que “erguiam a cabeça”, foram pouco a pouco ganhando terreno até que, em
dado momento, o Apóstolo percebeu com nitidez que a proposta de Jesus não se
coadunava em absoluto com elas. Então, em lugar de retificá-las, preferiu
mantê-las e colocá-las em primeiro lugar na sua vida. Em hipótese alguma teria
conseguido responder como os filhos de Zebedeu: “Podemos”, se tivesse sido
convidado como eles a beber do cálice da Cruz. Ou talvez o tivesse feito...
mentindo.
A partir daí, foi-se desenvolvendo na sua alma um
processo de infecção generalizada pelo câncer de um tremendo egoísmo. Seu
coração foi-se endurecendo e distanciando aceleradamente de Cristo. A sua
consciência foi-se embotando: começou a roubar o dinheiro da bolsa da que era
encarregado, e, perdida a confiança em Jesus, passou a olhá-lo com olhos cada
vez mais críticos, até chegar, após sucessivas decepções, a odiar Aquele a quem
tanto admirara. Finalmente veio a traição vil.
Pedro, pelo contrário, nunca perdeu essa retidão
interior. Começou a seguir Jesus num arranque abnegado de generosidade, por
amor. E por amor seguiu-o até ao fim. No entanto, a sua natureza generosa e
ardente era frágil, e Pedro, apesar de tantas advertências carinhosas mas claras
de Cristo, preferiu ignorá-las presunçosamente. E foi essa presunção que o
perdeu. O seu itinerário até à queda correu pela linha das atitudes de
autosuficiência, das “desafinações” em relação ao espírito do Mestre, que a
longo prazo apontavam para a infidelidade em situações extremas. E assim chegou
à sua tríplice negação.
Pedro, tal como Judas, tinha uma visão demasiado
humana da sua missão e do próprio Cristo. Não atribuía a devida importância à
oração – Jesus tivera que censurá-lo no Horto das Oliveiras por ter adormecido
e deixado de vigiar em sua companhia –; freqüentemente julgava sem a
perspectiva da fé – movido por um carinho superficial e emotivo por Cristo,
tentara demovê-lo do cumprimento cabal da vontade do Pai no sacrifício da Cruz
–; pensava presunçosamente que nunca abandonaria o seu Mestre, ainda que todos
os outros o fizessem. O resultado foi que, na noite da Sexta-feira Santa, num
gesto atrevido em que se misturavam amor e presunção, seguiu Jesus até à casa
do Sumo-sacerdote, o reduto do inimigo, e foi surpreendido pela própria
fraqueza, caindo, impotente, nas três negações.
Estamos, portanto, diante de duas modalidades de
queda, ambas inquietantes. Uma, a de um homem que era bom e que se deixou
corromper por ambições egoístas até à mais completa dureza de coração; e a
outra, a de um homem igualmente bom, que sem deixar de ser reto chegou, por
presunção, a tornar-se extremamente vulnerável.