Quando for levantado da terra, atrairei todos os
homens a Mim (Jo 12,32).
Grande número
de homens vive e morre sem jamais ter refletido sobre a situação em que se
encontra. Aceitam o lhes chega e seguem as suas inclinações até onde as suas
oportunidades lho permitem. Guiam-se principalmente pelo prazer e pela dor, não
pela razão, pelos princípios ou pela consciência. Também não tentam interpretar
este mundo, determinar o que significa ou reduzir o que veem e sentem a um
sistema. Mas, quando começam a contemplar a situação aparente em que nasceram –
quer pela sua mente reflexiva, quer por curiosidade intelectual –, logo chegam
à conclusão de que é um labirinto e uma perplexidade. É um enigma que não
conseguem resolver. Parece cheia de contradições e desprovida de qualquer
desígnio. O que é, como proceder nela, como é o que é, de que modo se pode
começar a entendê-la, qual é o nosso destino, tudo são mistérios.
CHAVE DO
MUNDO
Mergulhados nessa dificuldade, alguns compuseram
uma filosofia de vida e outros, outra, pensando ter descoberto a chave que lhes
permitiria ler aquilo que é tão obscuro.
Dez mil coisas passam diante de nós, uma após a
outra, ao longo da vida: que devemos pensar delas? Que cor atribuir-lhes?
Devemos vê-las de maneira alegre e gozosa? Ou de maneira melancólica? De
maneira desalentada ou esperançosa? Devemos tomá-las levianamente ou conferir
gravidade a cada assunto? Devemos tornar maiores as coisas de pouca importância
ou tirar peso às de grande importância? Guardar na mente o que foi e passou,
olhar para o futuro ou deixar-nos absorver pelo presente?
Como devemos olhar as coisas? Esta é a pergunta que
todas as pessoas reflexivas fazem a si mesmas, e cada uma lhe responde a seu
modo. Desejam pensar por meio de regras, mediante algo que esteja dentro delas
e ao mesmo tempo lhes permita harmonizar e ajustar o que está fora. Essa é a
necessidade experimentada pelas mentes reflexivas. Agora, permiti-me que
pergunte: Qual é a chave real, qual a interpretação cristã deste mundo? Qual o
critério que a Revelação nos dá para avaliar e medir este mundo? E a resposta
é: o grande acontecimento deste tempo litúrgico, a Crucifixão do Filho de Deus.
A morte do Verbo eterno de Deus feito carne é a
nossa grande lição quanto ao modo como devemos pensar e falar deste mundo. A
sua Cruz atribuiu a tudo o que vemos o seu devido peso, a todas as riquezas, a
todos os benefícios, a todas as categorias, a todas as distinções, a todos os
prazeres; à concupiscência da carne, à concupiscência dos olhos e à soberba da
vida. Pesou todas as emoções, as rivalidades, as esperanças, os medos, os
desejos, os esforços e os triunfos do homem mortal. Deu significado ao instável
e vacilante percurso da vida terrena, às suas provações, tentações e sofrimentos.
Reuniu e tornou consistente tudo o que parecia discorde e sem propósito.
Ensinou-nos como viver, como usar deste mundo, que aguardar, que desejar, que
esperar. É a melodia em que se reúnem e harmonizam todas as dissonâncias da
música deste mundo.
PESO E
MEDIDA
Olhai à vossa volta e vede o que o mundo vos
apresenta tanto de alto como de baixo. Ide à corte dos príncipes. Vede a
riqueza e a arte de todas as nações reunidas para honrar o filho de um homem.
Observai como os muitos se prostram diante dos poucos. Considerai as
formalidades e o cerimonial, a pompa, o luxo, o esplendor – e a vanglória.
Quereis saber o valor de tudo isso? Olhai para a Cruz de Cristo.
Ide ao mundo da política: vede a inveja que opõe
nação a nação, a competição entre uma economia e outra, exércitos e frotas
enfrentados uns com os outros. Examinai os diversos estamentos da sociedade, os
seus partidos e as suas contendas, as aspirações dos ambiciosos e as intrigas
dos astutos. Qual é o fim de toda essa agitação? A sepultura. Qual é a sua
medida? A Cruz.
Ide também ao mundo do intelecto e da ciência:
considerai as maravilhosas descobertas feitas pela mente humana, a variedade de
artes que essas descobertas fizeram surgir, os quase milagres pelas quais
demonstra o seu poder, e considerai a seguir o orgulho e a autoconfiança da
razão, e a absorção do pensamento em objetos transitórios, que é a sua
conseqüência. Quereis julgar retamente tudo isso? Olhai para a Cruz.
Mais ainda: vede a miséria, vede a pobreza e a
indigência, vede a opressão e o cativeiro; ide para onde o alimento é escasso e
a moradia insalubre. Considerai a dor e o sofrimento, as doenças longas ou
agudas, tudo o que é pavoroso e repugnante. Quereis saber que peso têm todas
essas coisas? Olhai para a Cruz.
Por isso, todas as coisas convergem para a Cruz – e
para Aquele que dela pende –; todas as coisas lhe estão subordinadas, todas as
coisas necessitam dela. É o seu centro e a sua interpretação. Pois Ele foi
levantado sobre ela para que pudesse atrair a si todos os homens e todas as
coisas.