Ao longo dos
últimos meses, assim como ao longo de todos os meses de todos os anos de todos
os séculos, a Igreja católica tem sido “acusada” por alguns de ser contra o que
outros a acusam, ao mesmo tempo, de favorecer.
No Brasil, a
Igreja é acusada até hoje de ter sido a favor da implantação do comunismo ao
mesmo tempo, nos mesmos locais e pelos mesmos motivos que outros a acusam de
ter sido a favor da ditadura militar. Basicamente, cada grupo ideológico
interpreta as coisas do jeito que quer, tira conclusões do jeito que prefere e
sai afirmando categoricamente que a sua versão é a única verdadeira, sem se
importar de modo intelectualmente honesto com aquilo que a Igreja disse ou fez
na totalidade dos fatos. A polêmica da
vez, no país, tem sido o processo de impedimento de Dilma Rousseff.
Afinal,
a Igreja é contra ou a favor?
Há setores e
pessoas da Igreja claramente favoráveis ao impeachment e outros claramente
contrários – assim como houve setores e pessoas da Igreja claramente favoráveis
à implantação do comunismo e outros claramente favoráveis à ditadura militar.
Ou assim como há setores e pessoas do mundo político, do mundo jurídico, do
mundo acadêmico, do mundo artístico, do mundo esportivo e do mundo empresarial
que são claramente contrários ou favoráveis a uma coisa ou à outra. Acontece
que “setores e pessoas” representam uma parte, não uma totalidade. Portanto, a
opinião de setores e pessoas da Igreja representa precisamente a opinião de
setores e pessoas da Igreja, não a opinião da Igreja. Embora muita gente o
negue a todo custo, existe na Igreja amplo espaço para a liberdade de
consciência e de escolha em quaisquer assuntos de natureza contingente.
E que raio é
isso? Contingente é tudo aquilo que é circunstancial, que é relativo a certo
contexto, a certo espaço, a certo tempo. Pessoas e setores da Igreja podem
opinar em assuntos contingentes, mas a Igreja, como instituição, não se
manifesta de modo determinante a respeito deles porque as afirmações
determinantes da Igreja são feitas em matéria de doutrina e de princípios
morais, e não em matéria contingente.
Por exemplo: a
Igreja afirma, de modo determinante, que a corrupção não apenas é crime, como
também é pecado mortal – porque, além de contrariar diretamente o mandamento de
não roubar, a corrupção também contraria uma infindável gama de preceitos e princípios
morais ligados à justiça, à caridade, à temperança… No entanto, a Igreja não
faz nenhuma afirmação determinante sobre o tipo de punição que deve ser
aplicado a quem rouba. Ela se atém, mesmo nisto, aos princípios básicos de
justiça, caridade, temperança, misericórdia, defendendo critérios morais,
derivados do Evangelho de Cristo, que devem orientar as autoridades
legitimamente estabelecidas a tomarem a decisão prática pertinente a tal
punição (que deve ser voltada a regenerar o culpado e não apenas constituir uma
“vingança” contra ele). Se a punição concreta pelo delido de roubo vai ser um
período de reclusão, o pagamento de multa ou uma advertência por escrito é
coisa que não cabe à Igreja determinar – embora ela possa e deva se manifestar
caso uma determinada sentença das autoridades instituídas afronte a moral
objetiva, seja por constituir abuso, seja por favorecer a impunidade.
Este é o caso,
também, no processo de impedimento contra Dilma Rousseff. Não se trata de
doutrina nem de um princípio moral em si mesmo. Trata-se de uma decisão
concreta que cabe a instituições concretas da nação brasileira, legitimamente
estabelecidas, as quais devem julgar acusações concretas, baseadas em fatos
concretos, conforme os critérios concretos que foram definidos lícita e
validamente por artigos concretos da legislação em vigor.