A Igreja
parece constituir um intermediário supérfluo entre Cristo e os cristãos. Aceito
perfeitamente o que Cristo disse e mandou, mas não reconheço o que a Igreja
manda! - Pergunta de um protestante da cidade de Rio
Preto.
A esta
dificuldade, muito comum em nossos dias, poder-se-ia responder considerando um
por um os diversos pronunciamentos da Igreja através da história, a fim de
mostrar que são aceitáveis para quem os examine sem preconceitos.
Todavia,
seguindo esse método, embora conseguíssemos o nosso intento em cada caso,
procederíamos quase sem fim...; a experiência ensina que renascem continuamente
as mesmas dúvidas, com modalidades diferentes, no espírito dos homens. Na
verdade, tal método não tocaria a raiz das dificuldades ; estas só se podem
resolver cabalmente mediante a revisão de certas noções básicas. Sendo assim,
procuraremos esclarecer as dúvidas, propondo abaixo duas concepções do
Cristianismo, das quais uma é autêntica, a outra é errônea e fonte de
dificuldades.
As duas
concepções se baseiam no fato de que Cristo, como Mestre Divino, apareceu
outrora sobre a terra, deixando aos homens o convite para O seguirem numa vida
nova. Este fato é geralmente aceito mesmo pelos que afirmam não aceitar a
Igreja. Há, porém, duas maneiras de conceber a presença ou a passagem de Cristo
sobre a terra...
1. As ondas
concêntricas e a presença ontológica
Alguns
compararão a vinda do Salvador ao mundo à de um seixo atirado na água. O
pedregulho, visível a princípio, se torna invisível, porque se mergulha no seio
da água. Contudo; ao desaparecer, ele desencadeia um movimento de ondas
concêntricas, que se vão propagando através do espaço e do tempo ; essas ondas
vão atingir os mais diversos e remotos objetos, pondo-os em contato com o
próprio seixo, pois por elas passa o dinamismo do pedregulho; mediante essas
ondas, estabelece-se continuidade entre um acontecimento capital verificado no
passado e seres ou acontecimentos existentes no presente; por elas o feito
primordial se prolonga.
De modo
análogo se há de conceber a vinda do Filho de Deus ao mundo. Subtraiu-nos a sua
presença visível, mas prolonga a ação de sua humanidade através dos séculos ;
entre a carne de Cristo e a carne de cada cristão contemporâneo há continuidade
ininterrupta de vida através de 55 gerações (continuidade que o movimento dos
círculos concêntricos ilustra bem). Diz-se, por conseguinte, que Cristo está
presente a cada geração de cristãos por uma presença ontológica, isto é,
por uma presença objetiva, real, não apenas pela recordação ou pelas idéias que
os homens possam ter a respeito d'Ele. Em consequência, a sociedade que se deriva
do Cristo, através dos Apóstolos e dos sucessores dos Apóstolos sem ruptura até
hoje, não é senão a continuação do Cristo ou o Cristo prolongado; nela, e
somente nela, se vai encontrar o Senhor Jesus ontologicamente presente, isto é,
presente não só porque é evocado, mas presente porque a sua vida está encerrada
nessa sociedade.
Fora desta,
não se encontra o Cristo vivo, mas um Cristo que é ideia ou doutrina apenas. É
isto o que São Paulo quer dizer quando ensina que a Igreja é o Corpo de Cristo
(cf. Col 1,24) ou que Ela é a plenitude do Cristo (cf. Ef 1,22s). É plenitude...
não por acrescentar algo aos méritos do Senhor, mas por constituir o ambiente
homogêneo em que Este propaga a sua ação através dos séculos.
Tal é a
concepção católica da vinda e da presença do Cristo na terra. Em consequência,
para o católico a via para encontrar o Cristo é a Igreja ; mais precisamente
ainda... é o ambiente criado pelo último círculo concêntrico de vida que,
irradiando-se a partir do Cristo, atinge a geração presente. É nesse ambiente
que o homem sequioso do Divino Mestre tem que entrar; aí será afetado pela vida
do Senhor, lerá e ouvirá a Palavra do Salvador comunicada por órgãos fidedignos
(fidedignos, porque por eles é Jesus mesmo quem prolonga seu magistério e seu
sacerdócio).
À luz desta
concepção, vê-se que não tem cabimento a expressão : «Aceito o Cristo e seus
ensinamentos, não, porém, a Igreja». — Como saberia eu quais são os
ensinamentos de Cristo senão através desse órgão vivo do Cristo que é a Igreja?
A doutrina de Jesus (como, aliás, o próprio Jesus) não é mera palavra encerrada
em código, mas é vida, e só se pode apreender numa comunidade viva, na família
dos discípulos do Senhor. Ninguém entenderá o Cristo senão dentro da Igreja,
porque não há outro meio de contato de Jesus conosco senão o dos círculos
concêntricos.
Resumindo,
diremos que a concepção católica acima exposta se formula no axioma: «Onde
está a Igreja, aí está o Cristo». O que quer dizer: quem procura o
Salvador, terá primeiramente que indagar, entre as múltiplas sociedades que
hoje em dia professam o Cristo, onde está aquela que ininterruptamente prolonga
o Senhor até hoje ; dentro desta, e somente pelo magistério desta, é que
encontrará a face autêntica de Jesus.