O irmão não pode resgatar o irmão; mas um homem o resgatará; ninguém pode pagar a Deus o resgate da sua vida. Quer dizer, porque hei‑de inquietar‑me nos dias maus?De fato, que é que me pode fazer mal, a mim que não só não preciso de redentor, mas sou eu próprio redentor de todos? Se liberto os outros, porque hei‑de temer por mim próprio? Eu renovarei todas as coisas, com uma renovação que supera todo o amor e piedade fraterna. Nenhum homem pode resgatar o seu irmão, nascido do mesmo ventre materno, porque é impedido pela fragilidade da mesma natureza; mas salvá‑lo‑á outro homem, Aquele de quem está escrito: O Senhor há‑de enviar‑lhes um homem que os salvará. É aquele homem que disse de Si mesmo: Vós procurais matar‑Me, um homem que vos disse a verdade. Mas embora ele seja um homem, quem poderá conhecê‑lo? E porque é que ninguém o pode conhecer? Porque assim como há um só Deus, também há um só mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus. Só Ele pode salvar o homem, com um amor superior a toda a piedade fraterna, porque resgatou com o seu sangue os estranhos, o que ninguém pode fazer por um irmão. Por isso Ele não poupou o seu próprio Corpo, a fim de nos remir do pecado: ofereceu‑Se à morte para redenção de todos, como afirmou a sua testemunha fidedigna, o apóstolo Paulo, que afirma: Digo a verdade, não minto. Mas porque é que só Ele pode resgatar? Porque ninguém pode igualar a sua misericórdia, que O leva a dar a vida pelos seus servos; porque ninguém pode igualar a sua inocência, pois estamos todos sob o domínio do pecado, estamos todos sujeitos à queda de Adão. Só é escolhido como redentor Aquele que não pode estar sujeito ao pecado original. Assim compreendemos que o homem de quem se fala é o Senhor Jesus, que assumiu a condição humana para crucificar na sua carne o pecado de todos os homens e anular com o seu sangue a sentença de condenação que pesava sobre todos. Dir‑me‑ás talvez: Porque se nega que um irmão possa resgatar, se Ele próprio disse: Anunciarei o vosso nome aos meus irmãos? Cristo Jesus não nos perdoou os pecados enquanto irmão nosso, mas enquanto Deus que Se fez homem. Assim está escrito: Deus estava em Cristo, reconciliando o mundo consigo. Deus estava em Cristo Jesus, o único de quem foi dito que o Verbo Se fez carne e habitou entre nós. Não foi, portanto, um irmão, mas o Senhor que veio habitar entre nós fazendo‑Se homem.
Dos Comentários de Santo Ambrósio, bispo, sobre os salmos
(Ps. 48, 13-14: CSEL 64, 367-368) (Sec. IV)