Com toda a razão se promete aos puros de coração a bem‑aventurança da visão divina. Nunca os olhos impuros poderão contemplar o esplendor da luz verdadeira; e o que há‑de constituir a felicidade das almas puras será causa de tormento para as que estiverem manchadas de pecado. Ponhamos de parte, por conseguinte, a sombra tenebrosa das vaidades terrenas e purifiquemos de toda a mancha de pecado os olhos da nossa alma, para que possam saciar‑se tranquilamente na admirável visão de Deus.
Para merecermos esta visão, disse também o Senhor: Bem‑aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus. Esta bem‑aventurança, irmãos caríssimos, não se refere a qualquer espécie de concórdia ou harmonia humana, mas àquilo de que fala o Apóstolo: Tende paz com Deus, e de que diz o Profeta: Vivem em grande paz os que amam a vossa lei, e nada os pode perturbar.
Não bastam para garantir esta paz os mais estreitos laços de amizade nem as mais perfeitas semelhanças de carácter, se não estão em harmonia com a vontade de Deus. A amizade fundada em desejos pecaminosos, em pactos injustos e alianças criminosas, nada tem que ver com esta paz sublime. O amor do mundo não se harmoniza com o amor de Deus e não pode tomar parte na comunidade dos filhos de Deus quem não se afasta dos que vivem segundo a carne. Mas aqueles que têm sempre em Deus o seu pensamento, empenhando‑se em manter a unidade do espírito pelo vínculo da paz, esses nunca se apartam da lei eterna, dizendo na oração com fé sincera: Seja feita a vossa vontade assim na terra como no Céu.
Estes são os pacíficos, estes são os que vivem em santa harmonia e perfeita concórdia, estes são os que merecem ser chamados eternamente filhos de Deus e herdeiros com Cristo; porque o amor de Deus e o amor do próximo os tornam dignos do prémio eterno. Jamais temerão adversidade ou perturbação alguma; terminado o combate de todas as tentações, descansarão tranquilos na paz de Deus, por Nosso Senhor, que vive e reina com o Pai e o Espírito Santo pelos séculos dos séculos. Amen.
Do Sermão de São Leão Magno, papa, sobre as Bem‑aventuranças
(Sermo 95, 8-9: PL 54, 465-466) (Sec. V)
(Sermo 95, 8-9: PL 54, 465-466) (Sec. V)