O batismo de crianças é uma prática imemorial da Igreja, tendo sido instituída pelos Apóstolos. Nestas linhas não pretendo me aprofundar nos argumentos bíblicos em favor do batismo das crianças (pois já foram tratados em outra ocasião), mas nos testemunhos que a Igreja nos deixou ao longo da História, em favor desse sacramento pelo qual somos sepultados com Cristo em sua morte, a fim de que, da mesma forma como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos através da glória do Pai, também nós possamos viver uma nova vida. Tratarei, ainda que brevemente, das heresias que ao longo dos séculos ergueram obstáculos para que as crianças fossem regeneradas pelo nascer da água e do espírito, e sua evolução através da História.
O BATISMO DAS CRIANÇAS NOS PADRES DA IGREJA (SÉCULOS I A IV)
Nos primeiros quatro séculos da Era Cristã encontramos total unanimidade acerca dessa matéria. Há numerosos testemunhos de Padres da Igreja que falam da importância do batismo das crianças. Houve também quem optasse por retardar o seu batismo, mas por razões censuradas pela Igreja, como para não ter que largar a vida pecaminosa e, assim, obter o perdão dos pecados no momento da morte (algo bastante insensato, visto que ninguém sabe em que momento irá morrer ou se terá ainda chance de ser batizado); ou livrar-se das penitências que teriam que ser feitas caso tornasse a pecar após o batismo.
A. SANTO IRENEU
Bispo e mártir, foi discípulo de São Policarpo que, por sua vez, foi discípulo do Apóstolo São João. Célebre por seu tratado “Contra as Heresias”, em que combatia as heresias do seu tempo, em especial a dos gnósticos. Nasceu por volta de 130 d.C. e morreu em 202 d.C.
Faz eco da fé da Igreja primitiva, que professava que todo homem nasce na carne e que, portanto, deve nascer da água e do espírito - o que interpreta inequivocamente como o batismo, pelo qual se obtém ainda a remissão dos pecados:
- “E [Naaman] mergulhou [...] sete vezes no Jordão. Não foi sem razão que Naaman, já velho e leproso, foi purificado ao ser batizado, mas para nos indicar que, como leprosos no pecado, somos limpos de nossas transgressões mediante a água sagrada e a invocação do Senhor, sendo espiritualmente regenerados como crianças recém-nascidas, mesmo quando o Senhor já declarou: 'Aquele que não nascer de novo da água e do espírito, não entrará no reino dos céus'” (Fragmento 34).[1]
Ao longo dos escritos deste e de outros Padres veremos como em nenhum momento restringem a graça e os dons de Deus a ninguém, sejam bebês, adolescentes ou adultos. No texto a seguir, embora não se encontre uma referência explícita ao batismo de crianças, encontramos a crença de que Deus pode derramar a sua graça e santificar qualquer pessoa, independente de ter ou não idade para crer (rejeitando, com cerca de mil anos de antecedência, os argumentos empregados pelos anabatistas):
- “Porque veio salvar a todos. E digo 'todos', isto é, àqueles tantos que por Ele renascem para Deus, sejam recém-nascidos, crianças, adolescentes, jovens ou adultos. Por isso, quis passar por todas as idades, para tornar-se recém-nascido com os recém-nascidos, a fim de santificar os recém-nascidos; criança com as crianças, a fim de santificar aos de sua idade, oferecendo-lhes exemplo de piedade e sendo para eles modelo de justiça e obediência. Fez-se jovem com os jovens, para dar exemplo aos jovens e santificá-los para o Senhor” (Contra as Heresias 2,22,4).[2]