- "Jesus disse: 'Rebestes gratuitamente; dai gratuitamente’ (Mateus 10,8). Ora, a praxe das espórtulas parece contradizer a este preceito do Mestre".
A atual praxe das espórtulas tem seus precedentes, que não poderíamos deixar de levar em conta.
1. A Religião, desde que se afirmou em suas formas principais na Antiguidade, professou, como norma, que os fiéis devem contribuir materialmente para a celebração do culto sagrado; sabe-se, por exemplo, que no Egito, em virtude das doações feitas pelos faraós e os ricos, os templos dos deuses eram possuidores de uma terça parte dos bens do país; em Roma, Cícero (De natura deorum 1,3 parte final) se referia a semelhante costume de beneficiar o culto divino. Entre os romanos, aliás, estava em vigor o princípio seguinte, enunciado pelo Direito público: os serviços prestados pelas profissões liberais (medicina, advocacia, magistério etc.) não podiam ser objeto de salário propriamente dito; mas quem os recebia era convidado a reconhecer o beneficio ou múnus, remunerando o benfeitor (o médico, o advogado, o mestre etc.); a remuneração era feita pela entrega de um "honos" ou "honorarium" (testemunho da honra devida ou de reverência); este a princípio era espontâneo, depois tornou-se obrigatório (dever de justiça). Ora, o culto religioso era pelos romanos aproximado das artes liberais; merece atenção, por exemplo, o fato de que Ulpiano (+228 d.C.) enumerava as artes liberais entre as coisas sagradas ("res religiosase"; cf. Dig. 1,4, tit. 14, lex 1,4,5).
2. No povo de Israel, a Revelação sancionou a praxe vigente entre as nações orientais; introduziu-se a lei do dízimo obrigatório em favor do culto e dos indigentes (cf. Levítico 27,30-33; Números 18,21-32; Deuteronômio 14,22-29); o costume estava em vigor ainda nos tempos de Jesus (cf. Mateus 23,2-3).
No Novo Testamento, Cristo corroborou o dever que incumbe aos fiéis do sustentar o serviço religioso; lembrava, por exemplo, que «o operário merece o seu salário»; por isto, os pregadores do Evangelho poderiam entrar nas casas dos fiéis e comer o que lhes fosse oferecido (cf. Lucas 10,7; Mateus 10,10). São Paulo repetiu o mesmo principio em 1Coríntios 9,13. Nos Atos dos Apóstolos lê-se que os primeiros cristãos punham espontaneamente os seus haveres à disposição dos irmãos, possuindo tudo em comum (cf. Atos 4,32).
Estes precedentes da religião natural e da Revelação sobrenatural mostram suficientemente que o costume de se sustentar o serviço religioso mediante contribuições dos fiéis é plenamente legitimo; dir-se-ia mesmo: obrigatório.