O ESPÍRITO SANTO NOS INTRODUZ
NO MISTÉRIO DO SENHORIO DE JESUS
1. "Ele me fará
testemunho"
Lendo a Oração da Coleta da Primeiro Domingo
da Quaresma, me tocou este ano um detalhe. Nela, não se pede a Deus para para
dar-nos a força de realizar alguma das obras clássicas deste tempo: jejum ,
oração, esmola; pede-se somente uma coisa: de fazer-nos "crescer no
conhecimento de Cristo". Creio que seja realmente a obra mais bela e mais
agradável ao Salvador e é o objetivo com o qual gostaria de contribuir com as
meditações quaresmais deste ano.
Prosseguindo
a reflexão iniciada na pregação do Advento sobre o Espírito Santo que deve
permear toda a vida e anúncio da Igreja ("Teologia do terceiro
artigo!"), nestas meditações quaresmais nos propomos subir da terceira
para a segunda parte do Creio. Em outras palavras, buscaremos ressaltar como o
Espírito Santo "no introduz na verdade plena" sobre Cristo e sobre
seu mistério pascal, isto é, sobre o ser e sobre o agir do Salvador.
Do agir de
Cristo em sintonia com o tempo litúrgico da Quaresma, procuraremos aprofundar o
papel que o Espírito Santo desenvolve na morte e na ressurreição de Cristo
e, após ele, na nossa morte e na nossa ressurreição.
A segunda
parte do Creio, na sua forma completa, diz assim: "Creio em um só Senhor,
Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os
séculos: Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado
não criado, consubstancial Pai: Por Ele todas as coisas foram criadas".
Esta parte
central do Creio reflete dois estágios diferentes da fé. A frase "Creio em
um só Senhor Jesus Cristo", reflete a primeiríssima fé da Igreja, logo
após a Páscoa. O que segue nesta parte do Creio: "Filho Unigênito de
Deus..." reflete um estágio posterior, mais evoluído, sucessivo à
controvérsia ariana e ao Concílio de Nicéia. Dediquemos a presente meditação à
primeira parte - "creio em um só Senhor Jesus Cristo" - e vejamos o
que o Novo Testamento nos diz sobre o Espírito Santo como autor do verdadeiro
conhecimento de Cristo.
São Paulo
afirma que Jesus Cristo foi estabelecido "Filho de Deus com o poder
mediante o Espírito de santidade" (Rom 1,4), isto é, por obra do Espírito
Santo. Chega a afirmar que "ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor, senão
sob a ação do Espírito Santo" (1 Cor 12,3), isto é, graças a uma
iluminação interior sua. Atribui ao Espírito Santo "a compreensão do
mistério de Cristo" que foi dada a ele como a todos os santos apóstolos e
profetas (cf. Ef 3, 4-5); diz que aqueles que creem serão capazes de
"compreender a largura, o comprimento, a altura e a profundidade e
conhecer a caridade (o amor) de Cristo que desafia todo o conhecimento"
somente se forem "repletos do Espírito" (Ef 3, 16-19).
No
Evangelho de João, Jesus mesmo anuncia esta obra do Paráclito em relação a
eles. Ele tomará do que é seu e o anunciará aos discípulos; recordará a eles
tudo aquilo que disse; os conduzirá à verdade plena sobre sua relação com o Pai
e os fará testemunhas (cf. Jo 16, 7-15). Precisamente isto será, desde então, o
critério para reconhecer se se trata do verdadeiro Espírito de Deus e não de
outro espírito: se leva a reconhecer Jesus que veio na carne (cf. 1 Jo 4,2-3).
Alguns
acreditam que a ênfase atual sobre o Espírito Santo possa colocar na sombra a
obra de Cristo, como se esta fosse incompleta ou perfectível. É uma
incompreensão total. O Espírito nunca diz "eu", nunca fala em
primeira pessoa, não pretende fundar uma obra própria, mas sempre faz
referência a Cristo. O Espírito Santo não faz coisas novas, mas faz novas todas
as coisas! Não acrescenta nada às coisas "instituídas" por Jesus, mas
as vivifica e renova.
A vinda do
Espírito Santo em Pentecostes traduz-se em uma repentina iluminação de todas as
ações e a pessoa de Cristo. Pedro concluiu o seu discurso de Pentecostes com a
solene definição, que hoje se diria "urbi et orbi": "Que toda a
casa de Israel saiba, portanto, com a maior certeza de que este Jesus que vós
crucificastes, Deus o constituiu Senhor (Kyrios) e Messias" (At 2,36).
A partir
daquele dia, a comunidade primitiva começou a repassar a vida de Jesus, a sua
morte e a sua ressurreição, de maneira diversa; tudo pareceu claro, como se
tivesse sido tirado um véu de seus olhos (cf. 2 Cor 3,16). Mesmo vivendo lado a
lado com ele, sem o Espírito não tinham podido penetrar em profundidade em seu
mistérios.
Hoje está
em andamento uma reaproximação entre teologia ortodoxa e teologia católica
sobre este tema da relação entre Cristo e o Espírito. O teólogo Johannes
Zizioulas, em um encontro realizado em Bolonha em 1980, por um lado manifestava
reservas sobre a eclesiologia do Concílio Vaticano II porque, segundo ele, "o
Espírito Santo era introduzido na eclesiologia depois que se tinha construído o
edifício da Igreja somente com material cristológico"; por outro, porém,
reconhecia que também a teologia ortodoxa tinha necessidade de repensar a
relação entre cristologia e pneumatologia, para não construir a eclesiologia
somente sobre uma base pneumatológica. Em outras palavras, nós latinos somos
estimulados a aprofundar o papel do Espírito Santo na vida interna da Igreja
(que foi o que ocorreu após o Concílio), e os irmãos ortodoxos o de Cristo e da
presença na Igreja na história.