O
ESPÍRITO SANTO NOS INTRODUZ
NO MISTÉRIO DA RESSURREIÇÃO DE CRISTO
Refletimos
nas duas primeiras meditações quaresmais sobre o Espírito Santo, que nos
insere, nos introduz, na plena verdade sobre a pessoa de Cristo, fazendo-nos
proclamá-lo Senhor e verdadeiro Deus. Na última meditação passamos do ser para
o agir de Cristo, da sua pessoa para as suas obras, e, especialmente, para o
mistério da sua morte redentora. Hoje nos propomos meditar sobre o mistério da
sua e da nossa ressurreição.
São
Paulo atribui abertamente a ressurreição de Jesus da morte, à obra do Espírito
Santo. Ele diz que Cristo "foi constituído Filho de Deus com poder,
segundo o Espírito de santidade, em virtude da ressurreição dos mortos” (Rm
1,4). Em Cristo, tornou-se realidade a grande profecia de Ezequiel sobre o
Espírito que entra nos ossos secos, ressuscita-os dos seus túmulos e faz de um
grande número de mortos "um grande exército" de ressuscitados à vida
e à esperança (cf. Ez 37, 1-14).
Mas,
não gostaria de continuar a minha meditação seguindo essa linha de
raciocínio. Fazer do Espírito Santo o princípio inspirador de toda a
teologia (intenção da assim chamada Teologia do terceiro artigo!) não significa
colocar o Espírito Santo, à força, em toda afirmação, nomeando-o a cada passo.
Não estaria na natureza do Paráclito que, como aquela da luz, ilumina todas as
coisas permanecendo, ele próprio, por assim dizer, na sombra, como nos
bastidores. Mais que falar “do” Espírito Santo, a Teologia do terceiro artigo
consiste em falar “no” Espírito Santo, com tudo o que esta simples mudança de
preposição comporta.
1. A ressurreição
de Cristo: abordagem histórica
Antes
de mais nada, digamos algo sobre a ressurreição de Cristo como fato
“histórico”. Podemos definir a ressurreição como um evento histórico, no
sentido usual deste termo, que é de realmente acontecido, no sentido, isto é,
onde histórico se opõe a mítico e a lendário? Para expressar-nos em termos do
debate recente: Jesus ressuscitou apenas no kerygma, ou seja, no anúncio da
Igreja (como alguém afirmou na linha de Rudolf Bultmann), ou, pelo contrário,
ressuscitou também na realidade e na história? E mais: ele ressuscitou, a pessoa de Jesus, ou
ressuscitou somente a sua causa, no sentido metafórico no qual ressuscitar
significa sobreviver, ou a vitória de uma ideia, após a morte da pessoa que a
propôs?
Vemos,
portanto, em que sentido se dá uma abordagem também histórica à ressurreição de
Cristo. Não porque qualquer um de nós aqui tenha a necessidade de ser
persuadido a respeito disso, mas, como disse Lucas no começo do seu evangelho,
“para que verifiques a solidez dos ensinamentos que recebeste” (cf. Lc 1, 4) e
que transmitimos aos demais.
A
fé dos discípulos, salvo algumas excepções (João, as piedosas mulheres), não
resiste ao teste do seu trágico fim. Com a paixão e a morte, a escuridão cobre
tudo. Seu estado de espírito emerge das palavras dos dois discípulos de Emaús:
"Esperávamos que fosse ele… mas já faz três dias" (Lc 24, 21).
Estamos em um beco sem saída da fé. O caso Jesus é considerado encerrado.
Agora
– continuando nosso trabalho de historiadores – vamos para alguns anos, ou
melhor, algumas semanas, depois. O que encontramos? Um grupo de homens, o mesmo
que esteve ao lado de Jesus, que vai repetindo, em voz alta, que Jesus de
Nazaré é o Messias, o Senhor, o Filho de Deus; que está vivo e que virá para julgar
o mundo. O caso de Jesus não só foi reaberto, mas, em pouco tempo foi levado a
uma dimensão absoluta e universal. Aquele homem afeta não só o povo de Israel,
mas todos os homens de todos os tempos. “A pedra que os construtores rejeitaram
tornou-se a pedra angular” (1Pd 2, 4), ou seja, começo de uma nova humanidade.
A partir de agora, sabendo ou não, não há nenhum outro nome debaixo do céu dado
aos homens, no qual é possível salvar-se, a não ser aquele de Jesus de Nazaré
(cf. At 4, 12).
O
que provocou tal mudança que fez com que os mesmos homens que antes haviam
negado Jesus ou tinham fugido, agora dizem em público estas coisas, fundam
Igrejas e se deixam, inclusive, prender, flagelar, matar por ele? Em coro, eles
nos dão esta resposta: “Ressuscitou! Nós vimos!”. O último ato que pode fazer o
historiador, antes de ceder a palavra à fé, é verificar aquela resposta.
A
ressurreição é um acontecimento histórico, em um sentido muito particular. Ela
está no limite da história, como aquele fio que separa o mar da terra firme.
Está dentro e fora ao mesmo tempo. Com ela, a história se abre ao que está além
da história, à escatologia. É, portanto, em certo sentido, a ruptura da
história e a sua superação, assim como a criação é o seu começo. Isto significa
que a ressurreição é um evento em si mesmo não testemunhável e atingível com as
nossas categorias mentais que são todas ligadas à experiência do tempo e do
espaço. E, de fato, ninguém vê o momento em que Jesus ressuscita. Ninguém pode
dizer que viu Jesus ressuscitar, mas só de tê-lo
visto ressuscitado.
A
ressurreição, portanto, é conhecida a posteriori, em seguida. Como é a presença
física do Verbo em Maria que demonstra o fato que se encarnou; assim a presença
espiritual de Cristo na comunidade, evidenciada pelas aparições, demonstra que
ressuscitou. Isso explica o fato de que nenhum historiador profano diga uma
palavra sobre a ressurreição. Tácito, que também lembra da morte de um “um
certo Cristo” nos dias de Pôncio Pilatos[1], cala sobre a ressurreição. Aquele
evento não tinha relevância e sentido a não ser para quem experimentava as suas
consequências, no seio da comunidade.
Em
que sentido, então, falamos de uma abordagem histórica para a ressurreição?
Aquilo que se apresenta para a consideração do historiador e o permite falar da
ressurreição, são dois fatos: primeiro, a súbita e inexplicável fé dos
discípulos, uma fé tão tenaz a ponto de resistir até mesmo à prova do martírio;
segundo, a explicação de tal fé que os interessados nos deixaram. Escreveu um
exegeta eminente: "No momento decisivo, quando Jesus foi capturado e
executado, os discípulos não cultivavam nenhum pensamento sobre a ressurreição.
Eles fugiram e deram por encerrado o caso de Jesus. Algo teve de intervir que,
em um curto espaço de tempo, não só provocou a mudança radical de seu estado de
espírito, mas os levou também a uma atividade totalmente diferente e à fundação
da Igreja. Esse "algo" é o núcleo histórico da fé pascal[2]".
Foi
justamente notado que, se se nega o caráter histórico e objetivo da
ressurreição, o nascimento da fé e da Igreja se tornaria um mistério ainda mais
inexplicável do que a própria ressurreição: "A ideia de que o imponente
edifício da história do cristianismo seja como uma enorme pirâmide pendurada
sobre um fato insignificante é, certamente, menos credível do que a afirmação
de que todo o evento – ou seja, o dado de fato mais o significado inerente a
ele – tenha realmente ocupado um lugar na história comparável ao que lhe
atribui o Novo Testamento[3]”.
Qual
é, então, o ponto de chegada da pesquisa histórica com relação à ressurreição?
Podemos apreendê-lo nas palavras dos discípulos de Emaús. Alguns discípulos, na
manhã da Páscoa, foram ao túmulo de Jesus e descobriram que as coisas estavam
como haviam relatado as mulheres, que foram antes deles, “mas a ele, não o
viram” (cf. Lc 24, 24). Até a história vai a sepulcro de Jesus e deve constatar
que as coisas estão da forma como disseram os testemunhos. Mas ele, o
Ressuscitado, não o vê. Não basta constatar historicamente os fatos, é
necessário “ver” o Ressuscitado, e isso a história não pode dar, mas só a
fé[4]. Quem chega correndo da terra firme rumo a costa do mar deve parar
de repente; pode ir além com o olhar, mas não com os pés.