Em todos os estudos sobre o canto e a música
na Liturgia, devemos ter bem claro o princípio fundamental formulado pelo
Concílio Vaticano II: “… a música sacra será tanto mais santa, quanto mais
intimamente estiver ligada à ação litúrgica…” (SC 112c). Assim, uma autêntica
celebração exige que se observe exatamente o sentido e a natureza próprios de
cada parte e de cada canto. Quanto mais gerais forem então os textos dos cantos
e menos ligados à ação litúrgica ou ao tempo e à festa, tanto mais podemos
dizer que não são eles litúrgicos, pois o importante é cantar a Liturgia, e não
simplesmente cantar na Liturgia, como tantas vezes acontece.
Inserido na Liturgia, como parte integrante
desta, o canto litúrgico participa de sua sacramentalidade, tornando-se então
mistagógico, ou seja, capaz de conduzir a assembleia celebrante ao âmago do
mistério. Por isso, é canto objetivo, que nasce da fé bíblica e eclesial,
canto, pois, ritual, com função ministerial na Liturgia, seja acompanhando um
rito, como é o caso dos cantos processionais (Entrada, Oferendas e Comunhão),
seja por ser ele mesmo o rito, como no caso do “Glória” e do “Santo”. O mesmo
não se pode dizer do canto simplesmente religioso, devocional, limitando-se
este a sentimentos de ordem puramente subjetiva, sem ligar-se portanto à
objetividade litúrgica.
Traduzindo o pensamento conciliar e o
ensinamento da Igreja, queremos dizer então que, na Liturgia, não se canta por
cantar. Não se canta para encher espaço ou cobrir possíveis vazios na
celebração. Também não se canta por ser o canto bonito e cheio de mensagens,
simplesmente. O canto, na Liturgia, não é divertimento nem se destina a tornar a
celebração mais leve, mais agradável, mais movimentada. O canto litúrgico nunca
pode ser mero enfeite, pois ele tem, na celebração, uma função ministerial, que
lhe é própria. Às vezes, porém, certos cantos nos deixam a impressão de estarem
apenas embelezando o momento celebrativo.
Na Liturgia, o canto une as pessoas, anima e
dá vida à celebração, como afirma Ione Buyst. Facilita passar de “uma só voz” a
“um só coração” e, finalmente, a “uma só alma”, como se vê na espiritualidade
das comunidades primitivas (cf. At 4,32a). Podemos, pela Liturgia, unir nossa
voz à dos anjos, em Liturgia terrestre e celeste, como acontece de fato no
canto do “Santo”, sendo realmente nosso canto exultação de um povo feliz e
redimido, que caminha para a casa do Pai.
Na linguagem bíblica e litúrgica, canto se
associa ao Espírito Santo, e espírito tem relação com sopro, vento. O Espírito
de Deus suscita em nós o “som”, a vibração correta, que nos faz pensar e sentir
em uníssono com o próprio Deus. O canto produz, pois, a harmonia universal.
Aliás, a palavra “canto” tem sentido de “harmonia”. Assim, podemos dizer que a
criação, na sua harmonia, é um canto de louvor a Deus, e a Liturgia, nas
palavras de Paulo VI, “é o louvor de Deus, na linguagem de um povo orante”. E
com razão Bento XVI sublinha que “a música sacra tem que nos levar para outro
mundo, para uma nostalgia do transcendente”.
O canto amplia o sentido das palavras e, por
outro lado, sonda o mais profundo da interioridade do ser, cativa e faz brotar
os sentimentos mais puros e profundos da alma humana. Ele liberta-nos dos
limites da palavra, do racionalismo intelectual, do mero conceito, para dar-nos
uma projeção do infinito e do indizível, na alegria que faz o coração exultar
diante do mistério. É nesse sentido que São Tiago pergunta e, ao mesmo tempo,
responde: “Está alguém alegre? Então cante!” (cf. Tg 5,13b).
Devemos vivenciar juntos a profundidade
espiritual de um canto, pois a música, na Liturgia, é chamada a uma densidade
teológica e espiritual à altura do mistério que nela celebramos. Por isso, não
se pode escolher qualquer canto e qualquer música para a celebração, pois, como
já vimos, ela deve aderir-se à natureza da Liturgia, na sua funcionalidade
ministerial. A letra e a música deverão, assim, ser feitas no Espírito,
levando-se em conta a situação ritual do canto, como também o tempo litúrgico
ou a festa celebrada.
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A Fé Explicada
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