Hoje, sobre nós, resplandece uma luz: nasceu o Senhor. O seu nome será
Admirável, Deus forte, Pai da eternidade, Príncipe da paz. E o seu reino não
terá fim.
Na Missa da Noite, a Igreja apresentou-nos o seu Cristo –
o Verbo eterno, o dominador, porém, em carne, habitando entre nós, no meio do
Seu povo. E nós contemplamos a Sua glória e a Sua humilhação, ao mesmo tempo
que, unidos aos anjos e a todos os homens, demos graças a Deus pela paz que nos
ofereceu em Cristo. Agora
a liturgia, inundada pela luz da nova aurora, que desponta para o mundo,
descreve-nos os efeitos do Nascimento do Salvador para a humanidade de todos os
tempos.
O Natal não é um acontecimento passado. Através da
Igreja, o mistério do Natal conserva toda a sua atualidade. N'Ela, todos
os homens são chamados a receber de Jesus a vida divina, «tornando-se filhos no
Filho único». Como os
pastores viemos ao encontro de Jesus. Ele está aqui. Viemos adorá-Lo,
trazer-lhe as nossas ofertas, estar com Ele e ouvi-Lo. Vamos aproximar-nos com
o coração limpo. Olhemos para a imundície que há em nós e tiremo-la com a dor
de amor.
Comentário
dos textos bíblicos
I leitura: Isaías 62, 11-12
Na primeira
leitura, o profeta Isaías canta para nós: “Eis, aí vem teu Salvador!”. O
profeta, qual um arauto, dirige-se à Filha de Sião, isto é, os habitantes de
Jerusalém, para anunciar a Salvação de Deus; ele re-adotou o seu povo,
chamando-o de volta do exílio. Não porque o povo o mereceu, mas porque Deus
assim quis fazer. Os nomes que a Cidade agora recebe ultrapassam a sua
libertação política: só ganham seu pleno sentido no novo povo dos redimidos, na
nova e eterna Aliança. Deus volta como salvador e remunerador da humilhação
sofrida pelo seu povo. Perante Deus eles serão santos e, diante dos outros
povos, redimidos pelo Senhor, enquanto a sua cidade não será mais como uma
mulher abandonada, mas como uma mulher ansiosamente desejada.
A leitura
recolhe dois versículos do III Isaías, referidos à Jerusalém restaurada após o
exílio. «Até aos confins da terra»: a perspectiva
universalista típica da última parte de Isaías corresponde bem à realidade de
um «Natal para todos».
«Filha de Sião, Filha de
Jerusalém», forma poética de o profeta se dirigir aos habitantes da cidade, e
mesmo a todos os israelitas (como aqui sucede). A Igreja é o novo «Israel de
Deus», «o monte Sião» (Gal 4, 26; 6, 16; Hebr 12, 22; Apoc 14, 1;
21). «Sião» (etimologicamente lugar seco) era a cidadela da capital, Jerusalém.
Inicialmente designava a fortaleza conquistada por David aos jebuseus, a colina
oriental de Jerusalém (Ofel), que
começou a ser chamada «cidade de David», para
onde este transladou a Arca da Aliança. Quando Salomão construiu o Templo, a
Norte de Sião, e para lá levou a arca, também se começou a dar a esse lugar o
nome de Sião. Depois veio a designar o conjunto da cidade de Jerusalém, ou
todos os seus habitantes e mesmo todo o povo de Israel. Na tradição cristã,
veio a dar-se uma confusão acerca da localização topográfica do monte Sião, ao
situá-lo no Cenáculo, na colina ocidental da cidade alta. Esta confusão parece
ter origem em que o Cenáculo foi considerado a sede da primitiva Igreja de
Jerusalém, o novo «monte Sião», segundo Hebr 12, 22 e Apoc 14, 1. Atualmente a Arqueologia veio
esclarecer estes locais.
O profeta Isaías transmite uma mensagem de esperança à Cidade Santa: o
Senhor vai chegar, acompanhado do povo, que resgatou do exílio e salvou da
solidão e do sofrimento. Desponta a aurora duma vida nova para Jerusalém, pois
o salvador vem visitá-la, para a cumular de graça.
Esta mensagem de alegria não se destina apenas à Cidade Santa, mas deve ser
proclamada até aos confins da terra, visto que só em Jesus Cristo se realiza,
totalmente, a promessa divina de salvação para todos os homens. «N'Ele, de
facto, todas as promessas de Deus se tornaram sim» (2 Cor 1,
20). Deus amou-nos tanto que nos mandou o Seu Filho para nos salvar e fazer de
nós um Povo Santo
Evangelho: Lucas 2,15-20
O Evangelho
desta aurora natalina nos apresenta a adoração dos pastores. Os pastores são
pouco contados na sociedade daquele tempo e na nossa. Não são graúdos, nem
cultos, nem piedosos. São insignificantes. Mas recebem, por primeiro, a
Boa-Nova, um Deus Menino nos é dado para nos salvar. Acreditam na Palavra e
reconhecem na pobre criança o Salvador. Maria guarda suas palavras no coração,
até o momento de as entender plenamente.
O Evangelho descreve os pastores que vão a Belém adorar o Senhor. O acontecimento é de salvação. Como é a salvação este evento deve ser anunciada. Os pastores acolhem o anúncio do Nascimento do Messias e por isso, encontram-se com Cristo. Deste doce e santo encontro emanam, como força irresistível, o anúncio ou testemunho e o louvor de Deus. Os pastores encontraram a Luz divina, que é Cristo. Esta luz invade o nosso coração, como há dois mil anos, invadiu os corações dos pastores. Mais do que uma luz, Jesus nasce no nosso coração e deve brilhar as nossas mentes, com uma fé viva, porque o Príncipe da paz, o Pai do mundo novo, o Filho Admirável de Deus está em nosso meio, e o seu reinado jamais terá vim.
A leitura
mostra a reação dos pastores perante o anúncio do nascimento de Jesus que bem
pode marcar a atitude do cristão ao tomar consciência do Natal de Jesus: a
decisão (tão presente nos nossos vilancetes), de ir a Belém, apressadamente, sem
delongas nem escusas ao encontro pessoal com Jesus, Maria e José.
18 Os «pastores» contaram as maravilhas daquela noite,
mas os conterrâneos não os deveriam tomar muito a sério. Como poderia o Messias
revelar-se a gente tão miserável, mal conceituada e tida por pecadora?
19 «Maria» ensina-nos a
viver o mistério do Natal no recolhimento, ponderação e intimidade com Jesus: «guardava todos estes acontecimentos,
meditando-os em seu coração».
A aurora do
Natal nos ensina a ter duas atitudes importantes diante do presépio: a fé e a
transformação interior de nossas vidas. Se os pastores foram prestativos em
atender ao convite do anjo, o que devemos acentuar nesta aurora é a nossa fé.
Não a fé meramente doutrinária, mas a fé que consiste em ter confiança no
Mistério que envolve a nossa existência com uma luz inesperada – acreditar numa
voz de anjo, adorar um menino numa manjedoura, constatar que Deus é diferente,
bem mais próximo de nós do que imaginávamos.
Maria Santíssima nos serve aqui de exemplo e de imitação: Maria guarda no seu coração e medita o que os pastores lhe contaram. Homenagem filial à fé dos simples, pois a fé dos simples é guardada no coração da Mãe do Salvador.
II leitura: Tito 3,4-7
Na Carta de São Paulo a Tito, observamos que em Jesus
manifestou-se a bondade de Deus, que faz ver que diante de Deus ninguém é bom
por si mesmo. A auto-justificação é auto-ilusão, por isso mesmo, somente Deus
nos liberta em Jesus Cristo. Aprofundando um ponto fundamental da doutrina
apostólica, São Paulo apresenta a manifestação de Jesus – no natal e em toda a
sua vida: como não exigida pela obra do homem, mas como fruto unicamente do
amor e da misericórdia de Deus. A finalidade desta ação de Deus é tornar-nos
seus filhos, regenerando-nos através do batismo por meio do Espírito Santo,
para que possamos tender à posse total da salvação. Deus amou tanto o mundo que
nos mandou o seu Filho Unigênito. É graça, misericórdia, porque Deus é movido
pelo amor por nós, não pelos nossos méritos e obras. Deus sente por nós
benignidade e ternura, como uma mãe por seus filhos. Deus nos justifica, de
graça. Sua única exigência é que aceitemos a sua benignidade e o seu amor
humano; e este aceitar é a fé fiducial, a confiança que nos leva a dar pleno
crédito a Deus.
O cristão recebeu pelo Batismo a salvação que Jesus veio trazer à
terra. Por ele derramou sobre nós o Seu Espírito e nos tornou herdeiros da vida
eterna.
Esta
belíssima síntese soteriológica bem podia ser uma espécie de fórmula de fé
corrente na Igreja primitiva que tenha sido inserida na Carta.
5 O «banho de regeneração e renovação do Espírito Santo» é
o Batismo, que nos faz nascer de novo (Jo 3, 3.5) e
que nos torna «nova criatura» (Gal 6, 15; 2 Cor 5, 17). O Natal é ocasião propícia para
meditar também no nosso natal, o Batismo, e para daí tirar consequências
práticas: «reconhece, ó cristão, a tua dignidade; tornado participante da
natureza divina, não regresses à antiga baixeza duma vida depravada; lembra-te
de que Cabeça e de que Corpo és membro. Pelo Batismo, tornaste-te templo do
Espírito Santo» (S. Leão Magno, Homilia para o dia de Natal).
PARA REFLETIR
Desculpe-me
Deus...
Espero que
Deus não fique bravo comigo, mas não compreendi porque seu Filho nasceu num
canto do mundo, na periferia da vida, experimentou a rejeição e nasceu num
estábulo. Deus podia ter preparado um palácio, os homens terem colocado
mãos-à-obra e deixado tudo muito arrumado, com os melhores móveis e o maior
conforto. Mas não. Como pôde Deus permitir que seu Filho nascesse tão
abandonado? Se tivesse sido mais fantástico, acho que seria mais fácil para os
homens entenderem, porque aí haveria holofotes, Televisão, Rádio, Jornal, todos
à espreita do acontecimento. E ainda nasceu à noite. Depois apareceram por lá
alguns homens rudes que chamavam de pastores; uns pobres coitados, que só
tinham estrada para andar e ovelhas para cuidar. Desculpe, Deus, mas acho que o
Senhor não fez as coisas direito, não.
O mundo que
adora o fantástico, o exuberante, o impressionante, o que dá sucesso maior com
o menor esforço possível, não é mesmo capaz de penetrar o mistério de amor
escondido no presépio, de alguém que nasce no meio da noite. Ainda mais alguém
que é Deus e veio morar entre nós. O orgulhoso e o soberbo não sabem da
sinfonia cantada pelos Anjos e ouvida pelos pobres pastores: "Glória a
Deus nas alturas e paz na terra aos que compreendem este mistério de
amor". Quem sou eu, para ser amado por Deus, a ponto de me dar o que lhe é
mais precioso, mais nobre, único, como seu Filho? Um dia a humanidade irá
concluir que existe Natal sem panetone e sem presente: o Natal dos pobres!
"Eu te bendigo, Pai, porque escondeste estas coisas dos sábios deste
mundo". É verdade! Ele veio de modo certo: no silêncio, na periferia, na
noite! Ele veio de um jeito que os pobres compreendem porque se fez um deles!
"Quer me seguir? Mas eu não tenho nem mesmo uma pedra para reclinar minha
cabeça". É assim o Deus de Jesus. A Igreja o anuncia e assim também ela
deve ser: aproximar-se dos pobres! Olhando para o presépio percebo que o belo
se faz pérola escondida e tenho de descobri-la. Na noite do silêncio está Maria
junto do Redentor, junto dos pastores, junto dos pobres.
Desculpe-me,
Deus, minha impetuosidade. Acho que agora estou começando a entender um
pouquinho de seu imenso amor! Que os enfeites, as luzes e as festas não
atrapalhem seu sonho, seu projeto de amor, que me toca, me envolve, me fascina.
Obrigado por seu presente: Jesus!
“A mensagem
de Natal leva-nos a reconhecer a escuridão dum mundo fechado, e deste modo
clarifica sem dúvida uma realidade que vemos diariamente. Mas isto diz-nos
também que Deus não Se deixa fechar fora. Ele encontra um espaço,
entrando nem que seja para o curral; existem homens que veem a sua luz e a
transmitem” (Papa Bento XVI).
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