Quarenta dias depois da Páscoa, a Igreja
celebra a Ascensão do Senhor. Na realidade, o que se celebra hoje é bem mais do
que uma aparição na qual Jesus é elevado ao céu. É toda a realidade de sua
glorificação que celebramos, aquilo que os primeiros cristãos chamaram de
“estar sentado à direita do Pai”. Assim, a última aparição de Jesus aos
apóstolos aponta para uma realidade que ultrapassa o quadro da narração. Por
isso, não precisamos preocupar-nos em “harmonizar” a ascensão segundo At
1,1-11, em Jerusalém (I leitura), com a de Mt 28,16-20, na Galileia
(evangelho). Pode tratar-se de duas aparições, dois acontecimentos diferentes,
que têm o mesmo sentido: Jesus, depois de sua ressurreição, não veio retomar
sua atividade de antes na terra (cf. sua advertência a Maria Madalena em Jo
20,17) nem implantar um reino político de Deus no mundo, como muitos achavam
que ele deveria ter feito (cf. At 1,6). Não. Jesus realiza-se agora em outra
dimensão, a dimensão de sua glória, de seu senhorio transcendente. A atividade
aqui na terra, ele a deixa a nós (“Sede as minhas testemunhas… até os confins
da terra” [At 1,8]), e nós é que devemos reinventá-la a cada momento. Na
ressurreição, Jesus volta a nós, não mais “carnal”, mas em condição gloriosa,
para nos animar com seu Espírito (At 1,8; Mt 16,20; cf. Jo 14,15-20, evangelho
do domingo passado).
Os donos deste mundo haviam jogado Jesus lá
embaixo (se não fosse José de Arimateia a sepultá-lo, seu corpo teria terminado
na vala comum…). Mas Deus o colocou lá em cima, “à sua direita”, deu-lhe o
“poder” sobre o universo não só como “Filho do homem”, no fim dos tempos (cf.
Mc 14,62), mas, desde já, por meio da missão universal daqueles que na fé
aderem a ele e nós participamos desse poder, pois Cristo não é completo sem o
seu “corpo”, que é a Igreja, como nos ensina a II leitura.
O livro dos Atos dos Apóstolos narra que
Jesus, depois da sua Ressurreição, apareceu aos discípulos durante quarenta
dias e depois “elevou – se à vista deles” ( At 1, 9). O significado deste
último gesto de Cristo é duplo. Em primeiro lugar, “elevando – se”, Ele revela
de modo inequívoco a sua divindade; volta para lá, de onde veio, isto é, para
Deus, depois de ter cumprido a sua Missão na Terra. Além disso Cristo sobe ao
Céu com a humanidade que assumiu e que ressuscitou dos mortos: aquela
humanidade é a nossa, transfigurada, divinizada, que se tornou eterna.
Portanto, a Ascensão revela a “altíssima vocação” ( Gaudium et Spes, 22) de
cada pessoa humana: ela está chamada à vida eterna no Reino de Deus, Reino de
amor, de luz e de paz.
Com a ascensão de Jesus, começa o tempo para
anunciá-lo como Senhor de todos os povos. Mas não um senhor ditador! Seu
“poder” não é o dos que se apresentam como donos do mundo. Jesus é o Senhor que
se tornou servo e deseja que todos, como discípulos, o imitem nisso: mandou que
os apóstolos fizessem de todos os povos discípulos seus (evangelho). Nessa
missão, ele está sempre conosco, até o fim dos tempos.
O testemunho cristão, que Jesus nos encomenda,
não é triunfalista. É fruto da serena convicção de que, apesar de sua rejeição
e morte infame, “Jesus estava certo”. Essa convicção se reflete em nossas
atitudes e ações, especialmente na caridade. Assim, na serenidade de nossa fé e
na vivência radical da caridade, damos um testemunho implícito. Mas é
indispensável o testemunho explícito, para orientar o mundo àquele que é a
fonte de nossa prática, o “Senhor” Jesus.
A ideia do testemunho levou a Igreja a fazer
da festa da Ascensão o dia dos meios de comunicação social – a “mídia”:
imprensa, rádio, televisão, internet. Para uma espiritualidade “ativa”, a
comunidade eclesial deve se tornar presente na mídia.
Ao mesmo tempo, para a espiritualidade mais
“contemplativa”, o dia de hoje enseja um aprofundamento da consciência do
“senhorio” de Cristo. Deus elevou Jesus acima de todas as criaturas, mostrando
que ele venceu o mal mediante sua morte por amor e dando-lhe o poder universal
sobre a humanidade e a história. Por isso, a Igreja recebe a missão de fazer de
todas as pessoas discípulos de Jesus.
Uma ideia que permeia a liturgia deste dia
(como de todo o tempo pascal) e se exprime na oração sobre as oferendas e na
oração depois da comunhão é que o cristão deve viver com a mente no céu, comungando
na realidade da glorificação do Cristo. Essa participação é novo modo de
presença junto ao mundo; não uma alienação, mas, antes, o exercício do senhorio
escatológico sobre este mundo. Viver com a mente junto ao Senhor glorioso não
nos dispensa de estar com os dois pés no chão; significa encarnar, neste chão,
aquele sentido da história e da existência que em Cristo foi coroado de glória.
Nessa semana, que precede a Solenidade de Pentecostes, fiquemos unidos
em oração, como disse Jesus: “Permanecei na cidade até que sejais revestidos da
força do alto” (Lc 24,48). Assim a vida da Igreja não começa com a ação, mas
com a oração, junto com Maria, a Mãe de Jesus.
A festa de hoje nos fortalece a esperança pelo destino que nos aguarda,
mas também nos lembra que a nossa missão hoje é continuar o projeto de Jesus,
Não fiquemos de braços cruzados, parados, olhando para o Céu! É hora de olhar
ao nosso redor e começar a Missão!
“Esse Jesus que vos foi levado para o Céu, virá do mesmo modo como O
vistes partir para o Céu” ( At 1,11 ).
Ascensão! Pensar no Céu dá uma grande serenidade. Nada aqui na terra é
irreparável, nada é definitivo, todos os erros podem ser retificados. O único
fracasso definitivo seria não acertarmos com a porta que conduz à Vida. Ali nos
espera também a Santíssima Virgem.