Caríssimos
irmãos e irmãs, a sagrada liturgia vem nos exortar, mais uma vez quanto ao
nosso relacionamento com as riquezas terrestres e bens materiais que possuímos.
Como estamos lidando com eles? Estamos colocando eles como sendo as coisas mais
importantes de nossas vidas? Eles estão nos cegando? A primeira leitura nos
mostra que Deus chama a atenção daqueles que vivem despreocupados, dos que só
pensam em esbanjar as riquezas e os bens que possuem e curtir a vida sem ligar para nada, com um coração
fechado para Deus e para o pobre; com um coração seco, egoísta e avarento que
não foi tocado pela graça de Deus pois fechou-se em si mesmo - e nem liga para
isso; pois Deus, para uma pessoa com uma alma que se encontra assim, está muito
longe do seu pensamento. Uma pessoa assim não quer nem saber de Deus; e quando,
por benevolência do Criador, pensa em Deus, não quer desapegar do seu tesouro,
pois não tem coragem. Deus se torna algo ameaçador e desconfortável para ela;
tal pessoa não quer se por sob autoridade do Pai. Seu coração e sua mente estão
em outro lugar. Onde está o teu tesouro, ai estará teu coração.
Ai dos que vivem despreocupadamente em Sião. Ora, isso é o
mesmo que dizer: Ai dos que vivem preocupados demais com as coisas desse mundo
passageiro e não com Deus, porque estão ocupados demais em amontoar, com
avidez, tesouros corruptíveis; em inflar seu orgulho com suas posses; em
colocar sua segurança nesses mesmos bens e mesmo assim não se sentem
satisfeitos. Tudo isso é passageiro; a traça e a ferrugem corroem. E é nesse
sentido que a voz de Deus se levanta contra esse mundo materialista, descrente
e de propostas ilusórias quando nos diz claramente o próprio Jesus Cristo,
Nosso Senhor: “de que adianta ganhar o mundo inteiro se vier a perder sua
alma?” E ainda: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará a um e
amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a
Deus e ao dinheiro”. Bem claro fica que Deus não quer que seus filhos sejam
escravos do dinheiro. Isso é idolatria. Deus não quer que seus queridos filhos,
pelos quais Jesus sofreu a paixão e morreu na cruz, mergulhem numa cegueira
demoníaca que é a busca e gozo desenfreado pelo dinheiro. Ora, uma vez dentro,
é difícil sair.
Amados, para complementar com mais sentido esta nossa
reflexão, e sem excluir o caráter de exortação, o Apóstolo São Paulo, na
segunda leitura, nos ensina o dever do cristão de fugir das coisas perversas;
fugir daquilo que desagrada a Deus e por isso não convém ao batizado. O pecado
mortal que causa o coração duro e torna a alma insensível deixando-a cega pelo
amor ao dinheiro e às riquezas terrenas, é uma dessas coisas perversas que o
Apóstolo nos adverte a fugir. A avareza e o orgulho são pecados mortais,
perversidades que rodeiam os filhos de Deus e atacam como um leão feroz a
qualquer das almas visando devorá-las e consumi-las por dentro. Dentro de nós,
em nossa alma; eis o campo de batalha no qual somos chamados a lutar o bom
combate da fé. Irmãos e irmãs caríssimos, é justamente na alma, na vida
interior que se encontra um bem maior, a nossa vida espiritual, que Deus deixou
em nós e que o inimigo, o diabo, quer destruir com a suas propostas sedutoras,
porém pecaminosas e mortíferas, como é a proposta materialista, como já disse,
da busca e gozo insaciáveis por dinheiro, posses e prazeres. É na alma de cada
um que pode crescer o bem ou o mal, o fruto bom ou o fruto ruim. Depende de
como acolhemos, ou melhor, depende de que tipo de terreno nos dispomos a ser.
Enfim
chegamos ao Evangelho, caríssimos filhos do Bom Pai. E a história já a
conhecemos por demais: o rico, o pobre, o sofrimento, a morte, o céu, o
inferno, a suplica… Mesmo assim ainda vale, e sempre valerá, uma profunda
reflexão sobre esse ensinamento de Cristo. Ora, havia um homem rico; mas rico
tão somente de bens materiais e corruptíveis e pobre de tesouros espirituais e
eternos; ele era rico para o mundo, mas era pobre para com Deus, a tal ponto de
ter um semelhante a ele bem próximo de sua casa, bem próximo de sua vida, onde
tinha meios abundantes para socorrer o pobre Lázaro. Talvez sequer tenha
percebido a existência de Lázaro ao pé de sua porta, gritando os mais altos
pedidos de ajuda que a sua necessidade evidenciava. Aquele era um filho de
Deus. Mas o que se passava com aquele rico? Como era sua vida? Que fizera ele?
Quanto a isso, que pensar senão aquilo sobre o que já foi dito antes? A saber:
o coração duro, escravo das riquezas. De fato, são muitas as pessoas que, como
o rico da parábola, têm bem próximo de si Lázaros da vida em relação aos quais
não prestam a louvável e preciosíssima virtude de caridade. E não estou falando
de pessoas ricas apenas; estou falando de todos nós, eu e você. Se nós, ricos
ou pobres, não abrirmos nossa alma a Deus, se nós não buscarmos conversão
diária, o combate, nosso coração não será diferente do coração rico da parábola
e, talvez, o fim seja o mesmo. Àquele rico talvez, fosse dado misericórdia, se
ele tivesse feito um gesto concreto de caridade sincera para com aquele pobre
diante de Deus, o que teria sido um gesto feito ao próprio Jesus; um ato de
bondade é um sinal de que Deus age por meio de nós, é uma esperança de
salvação. E como uma alma pode se tornar insensível assim para as coisas
eternas nos dias de hoje? É muito simples. Basta, no mínimo, ter uma vida
razoável, saúde, dinheiro, não ter sofrimentos e não ter contratempos com o que
quer que seja. Basta viver despreocupadamente em seus altares em suas casas
confortáveis, gozar de seus bens e prazeres, ir para seus trabalhos dia a dia,
o que não parece ser problema algum. Então, qual o problema afinal? O problema,
irmãos caríssimos, está em esquecer de Deus e do próximo.
Ora, amados,
o Inimigo de Deus não parece estar interessado em perder as nossas almas
aparecendo diretamente diante de nós e nos arrastando para o inferno, ou
causando grandes estragos ou fenômenos sobrenaturais para nos assustar, na
maioria dos casos ele não vem literalmente onde nós estamos e nos obriga a
pecar e perecer. O diabo não age às vistas. Sua ação é em escondido. É sutil.
Para ele pode ser suficiente que os cristãos sejam batizados tenham alguma, ou
nenhuma, vida espiritual, e que vivam tranquilos em suas casas e em seus
trabalhos, mas sem pensar em Deus. E se pensar em Deus que seja em um deus
particular, ajustado aos caprichos do homem e não em um Deus verdadeiro. Para o
Inimigo pode ser o bastante que o católico viva sua vida em paz, falsa paz, e
deixe Deus de lado, pois ele não quer que o homem se preocupe com as coisas de
Deus ou com religião, mas antes, quer as pessoas todas cegas desleixadas e
frouxas sem coragem nem força de ir à Missa e sem determinação para abandonar
os seus pecados. O inimigo das almas também não quer que essas pensem na morte,
antes deseja que todos vivam como se ela não existisse, como se fosse proibido
tocar no assunto porque deixa todo mundo triste. Não é politicamente correto
falar sobre morte, pois é deprimente saber que essa vida tem um fim, que eu
tenho fim. Mais proibido ainda é dizer que, no dia de tal morte, o homem dever
prestar conta de seus atos à alguém; é proibido dizer que tem pessoas agindo
errado e que suas obras vão ser julgadas por Deus no dia da morte. Isso é
impensável, um absurdo. Quem imaginaria uma coisa horrível dessas? Porém, caros
irmãos e irmãs, a morte é uma realidade implacável e inevitável para os homens,
que cai sobre o pobre e sobre o rico. A morte não faz distinção por carteiras.
É uma coisa que inquieta, e até assusta os despreparados.