quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Padre nega dar comunhão a moça com decote "indecente" e causa revolta


O pároco de Valpaços, Manuel Alves, não deixou comungar uma jovem de 16 anos, durante uma eucaristia matinal na Igreja Matriz, alegando que a roupa que vestia não era adequada para levar à missa.

Liliana Mairos, residente em Valpaços, explicou à Agência Lusa que foi à missa, vestida de forma "totalmente normal", com calças de ganga, uma camisola de alças e um casaco. “Só se me via o tórax”, referiu.  "O padre, em voz alta e diante de todas as pessoas, disse-me se não tinha um colete para tapar os peitos e recusou-se a dar-me a comunhão", contou.

No fim da eucaristia, a madrinha da jovem foi falar com o sacerdote sobre o sucedido, mas o padre respondeu-lhe para ir ver "os preparos" em que a afilhada foi à missa.

Liliana Mairos e a família garantiram à Lusa que enquanto o padre Manuel Alves, de 80 anos e sacerdote há 57, continuar em Valpaços "nunca mais" vão à eucaristia.

Os pais, indignados com a situação, enviaram uma carta ao bispo da Diocese de Vila Real, Amândio Tomás, a relatar a situação e pedir esclarecimentos.

Na missiva, a que a Lusa teve acesso, a família da jovem questionou o bispo sobre "qual, afinal, é o dever de um padre dentro da igreja?".

Questionado sobre a recusa da hóstia à jovem, o pároco de Valpaços, Manuel Alves, afirmou que Liliana estava vestida de forma "indecente", não querendo prestar mais declarações.

Homilética: 31º Domingo do Tempo Comum - Ano A: "Falam mas não praticam!"


Segundo o Evangelho de Mateus (23,1-12), aos poucos vai-se acentuando a tensão entre Jesus e os escribas e fariseus, que acaba levando-O à morte. Jesus fala às multidões e aos discípulos da vaidade e dos desejos de glória dos fariseus, denunciando sua hipocrisia: “Eles dizem e não fazem”. “Amarram pesados fardos e os colocam nos ombros dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los nem sequer um o dedo. Fazem todas as suas ações só para serem vistos pelos outros; cobiçam os primeiros lugares nos banquetes, as primeiras cadeiras nas sinagogas, as saudações nas praças e que os homens os chamem de mestres.”

A este comportamento Jesus opõe a simplicidade e a humildade que quer ver sempre nos seus discípulos e, por conseguinte, em todos os apóstolos. Longe de se apresentarem como mestres, devem procurar que a sua autoridade se manifeste em atitudes humildes, modestas, fraternas e cordiais, pois assim terá credibilidade.

Não é a primeira vez que encontramos a oposição entre Jesus e os fariseus. Ao folhear o Evangelho, se percebe que esse grupo estava constantemente armando ciladas contra Jesus. Lemos noutra passagem: “os fariseus vieram perguntar-lhe para pô-lo à prova” (Mt 19,3). Quem eram os fariseus? Era um dos vários grupos que compunham o judaísmo de então. Eles eram extremadamente religiosos, daí a meticulosidade em observar mandamentos e preceitos. E havia muitos preceitos… Lê-se, por exemplo, no Talmude: “seiscentos e treze mandamentos foram entregues a Moisés, trezentos e sessenta e cinco negativos, correspondendo ao número dos dias do ano solar, e duzentos e quarenta e oito positivos, correspondendo às partes do corpo do homem” (Talmude babilônico, Makkot, 24). É lógico: quem tem tantos mandamentos a cumprir pode estar todo o dia agoniado procurando não cair em faltas contra tais preceitos.

Os fariseus eram crentes entusiastas, que valorizavam muito a Lei de Moisés, mas esqueciam o essencial, o amor e a misericórdia.

Diante de tanta coisa religiosa para ser cumprida, não é difícil viver uma vida dupla. Explico-me: como há uns mandamentos cuja prática deixa patente, diante dos outros, o que é bom; para que eu seja considerado bom, tenho que observar esses mandamentos fidelissimamente. Não obstante, existem as fraquezas humanas, as debilidades; todas elas colaboram para que haja certo fastio no cumprimento de tantas coisas. O perigo então é cumprir aquilo que externamente mostra uma boa conduta e não cumprir aqueles que os outros não podem julgar porque simplesmente não podem ver o cumprimento de tais preceitos.

Jesus Cristo vem ensinar a Verdade; mais ainda, Ele é a Verdade (Jo 14,6). Daí a singularidade e o caráter único de sua condição de Mestre. “Toda a vida de Cristo foi um ensino contínuo: o Seu silêncio, os Seus milagres, os Seus gestos, a Sua oração, o Seu amor ao homem, a Sua predileção pelos pequenos e pelos pobres, a aceitação do sacrifício total na Cruz pela salvação do mundo, a Sua ressurreição são a atuação da Sua palavra e o cumprimento da revelação. De sorte que para os cristãos o Crucifixo é uma das imagens mais sublimes e populares de Jesus que ensina.

Os fariseus gostavam de aparecer, e Jesus ao condenar os seus  principais vícios e corrupções quer incutir-lhes a virtude da humildade. Está é o fundamento de todas as virtudes, mas é especialmente da caridade: na medida em que nos esquecemos de nós mesmos, podemos interessar-nos verdadeiramente pelos outros e atender às suas necessidades. Ao redor destas duas virtudes encontram-se todas as outras. Afirma São Francisco de Sales: “humildade e caridade são virtudes mães; as outras as seguem como os pintinhos seguem as galinhas”. Em sentido contrário, a soberba, aliada ao egoísmo, é a raiz e a mãe de todos os pecados, mesmo dos capitais, e o maior obstáculo que o homem pode opor à graça.

A soberba e a tristeza andam frequentemente de mãos dadas, enquanto a alegria é patrimônio da alma humilde.

O humilde é audaz porque conta com a graça de Deus, que tudo pode, porque recorre com freqüência à oração, convencido da absoluta necessidade da ajuda divina. E por ser simples e nada arrogante ou auto-suficiente, atrai as amizades, que são seu veículo para ação apostólica eficaz e de longo alcance.

Santo Afonso de Ligório ensinou que “o primeiro traço da humildade é o modesto conceito de si mesmo.”

À virtude da humildade deve acrescentar-se ao amor sincero, a entrega generosa e o desinteresse pessoal de que nos fala S. Paulo: “Fizemo-nos pequenos no meio de vós. |Como a mãe que acalenta os filhos, assim pela viva afeição que vos dedicamos. Desejávamos dar-vos não somente o Evangelho de Deus, mas até a própria vida (…)”   (1 Ts 2, 7-8). Não são meras palavras, pois Paulo não retrocedeu nem sequer diante dos mais graves riscos para ganhar homens para Cristo e evangelizou-os “com trabalhos e fadigas, trabalhando noite e dia para não ser pesado a nenhum deles.” (1 Ts 2, 9). A sua generosidade chegou a renunciar àquilo a que tinha direito. Preocupou-se exclusivamente em dar e nada receber, convencido de que o desinteresse pessoal daria à sua pregação uma maior eficácia; de fato, a sua palavra foi acolhida, “não como palavra humana, mas como palavra de Deus que realmente é” (1 Ts 2, 13). A pregação desinteressada do Evangelho é o mais eloqüente testemunho da verdade da fé.

Que o Senhor nos conceda a graça de sermos cristãos coerentes, de fazermos o que dissermos para os outros! Pois os fariseus não fazem o que dizem.

No mundo, mas não do mundo


Desejaria exortar-vos a deixar tudo, mas não me atrevo. Se não podeis deixar as coisas do mundo, fazei uso delas de tal modo que não vos prendam a ele, possuindo os bens terrenos sem deixar que vos possuam. Tudo o que possuís esteja sob o domínio do vosso espírito, para que não fiqueis presos pelo amor das coisas terenas, sendo por elas dominados.

Usemos as coisas temporais, mas desejemos as eternas. As coisas temporais sejam simples ajuda para a caminhada, mas as eternas, o termo do vosso peregrinar. Tudo o que se passa neste mundo seja considerado como acessório. Que o olhar do nosso espírito se volte para frente, fixando-nos firmemente nos bens futuros que esperamos alcançar.

Extirpemos radicalmente os vícios, não só das nossas ações mas também dos pensamentos. Que o prazer da carne, o ardor da cobiça e o fogo da ambição não nos afastem da Ceia do Senhor!

Até as coisas boas que realizamos no mundo, não nos apeguemos a elas, de modo que as coisas agradáveis sirvam ao nosso corpo sem prejudicar o nosso coração.

Por isso, irmãos, não ousamos dizer-vos que deixeis tudo. Entretanto, se o quiserdes, mesmo possuindo-as, deixareis todas as coisas se tiverdes o coração voltado para o alto. Pois quem põe a serviço da vida todas as coisas necessárias, sem ser por elas dominado, usa do mundo como se dele não usasse. Tais coisas estão ao seu serviço, mas sem perturbar o propósito de quem aspira às do alto. Os que assim procedem têm à sua disposição tudo o que é terreno, não como objeto de sua ambição, mas de sua utilidade. Por conseguinte, nada detenha o desejo do vosso espírito, nenhuma afeição vos prenda a este mundo.

Se amarmos o que é bom, deleite-se o nosso espírito com bens ainda melhores, isto é, os bens celestes. Se tememos o mal, ponhamos diante dos olhos os males eternos. Desse modo, contemplando na eternidade o que mais devemos amar e o que mais devemos temer, não nos deixaremos prender ao que existe na terra.

Para assim procedermos, contamos com o auxílio do Mediador entre Deus e os homens. Por meio dele logo obteremos tudo, se amarmos realmente aquele que, sendo Deus, vive e reina com o Pai e o Espírito Santo, pelos séculos dos séculos. Amém.



Das Homilias sobre os Evangelhos, de São GregórioMagno, papa (Lib. 2, hom. 36, 11-13:PL76,1272-1274)                       (Séc.V)

Livro Inspirado por Deus (Capítulo 2 – Parte 1/2)


Quem toma em mãos a Sagrada Escritura para dela fazer o seu livro de doutrina e espiritualidade, é geralmente movido por uma crença de importância capital: a Bíblia é a Palavra de Deus, Livro inspirado pelo Altíssimo; goza, pois, de autoridade única.

O conceito, porém, de inspiração bíblica não é claro a todos os cristãos. Não poucos se admiram ao verificar que a Escritura se assemelha muito a obras profanas, a documentos da literatura antiga; também não veem como se possa conciliar o conceito de inspiração divina com o estudo das fontes humanas de um trecho bíblico, com a crítica literária e paleográfica do texto, com as hipóteses de acréscimos ou interpolações feitas a determinada passagem etc. “Livro inspirado por Deus" parece-lhes ser obra absolutamente emancipada das fases de preparação por que costuma passar todo produto literário humano.

Ao estudo deste problema, que é capital em toda iniciação bíblica, se dedicará o presente capítulo, abordando primeiramente o conceito de inspiração em si Q 1. 0), depois as relações da Escritura com as conclusões das ciências naturais (§ 2. 0) e da história profana Q 3.0).

Que se entende por inspiração bíblica?

Na procura da resposta autêntica à pergunta, faz-se mister remover logo duas opiniões errôneas:

a) inspiração bíblica de modo nenhum é revelação, comunicação sobrenatural de verdades desconhecidas ao escritor. A inspiração pode, sim, estar associada a este outro dom divino, ou seja, ao ensinamento de verdades até o presente ignoradas pelo hagiógrafo.

Isto, porém, não ocorre necessariamente; verificou-se, por exemplo, quando os profetas de Israel, séculos antes de Cristo, consignaram por escrito pormenores da vida do Messias, tais como o seu nascimento em Belém de Judá (Miq 5,1), sua paixão expiatória (Is 50,4-10; 52,13-53,12), sua crucifixão na cruz (Zac 12,10). Tais episódios foram redigidos sob a influência de dois dons sobrenaturais: o da inspiração bíblica, visto que deviam fazer parte da Escritura, e o da revelação, pois certamente os autores sagrados não adquiriram essas notícias por estudo ou por via meramente humana.

Quando, porém, os evangelistas, a seu turno, consignaram os mesmos episódios (cf. Mt 2,6; 8,17; J0 19,37; At 8,32s), já o fizeram apenas sob o influxo da inspiração bíblica, não por revelação divina, pois haviam presenciado os fatos ou tinham sido informados por testemunhas abalizadas.

De resto, os autores bíblicos apelam frequentemente para a sua experiência; atestam ter visto ou ouvido o que referem (cf. Jo 19,35; 21, 24; 1 J0 1, 1-3), ter investigado documentos, consultado testemunhas (cf. Lc 1,1-4; 2 Mac 2, 24-32; 11,16-38); citam também as fontes compulsadas (os anais dos reis de Israel, por exemplo, em 1 Crôn 27,24; 29,29; 2 Crôn 9,29; 3 Rs 14,19.29; 15,7.23.31. ..).

Isto tudo quer dizer que, na Bíblia redigida sob a inspiração divina, vamos encontrar noções que diríamos "humanas" (não falsas, porém), ou seja, proposições verídicas, formuladas segundo os moldes usuais entre os homens da antiguidade; 

terça-feira, 24 de outubro de 2017

MT: Homens invadem igreja católica e defecam em imagem de Nossa Senhora Aparecida


Vândalos invadiram a Igreja Católica Matriz no município de Juara (709 Km de Cuiabá) e defecaram em uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, além de quebrarem outras ornamentações religiosas. O crime aconteceu no sábado (21).

De acordo com o padre Vagno Reato, pároco responsável pela igreja, os vândalos defecaram no chão, pegaram as fezes e esfregaram na imagem da santa, que estava em exposição. Eles também jogaram no chão e desmancharam a ornamentação que estava pronta em comemoração aos 300 anos da aparição da santa.

O sentimento que tenho é o de chegar em casa, encontrar minha mãe jogada no chão, maltrapilha, esfarrapada, simplesmente porque alguém se achou no direito de fazer o que dá na cabeça, isso é muito triste”, desabafou o padre, em entrevista à Rádio Tucunaré.

Por que a Rede Globo está tão desesperada?


Conscientização social? Preocupação com as minorias? As ofensivas da Rede Globo contra a família andam tão exageradas que, na verdade, parecem sinalizar mais desespero do que qualquer outra coisa.

O que antes era feito de modo sutil, ora através do romance de uma novela, ora por meio de uma reportagem aqui e outra acolá, agora converteu-se em uma campanha sistemática: seja no “Encontro”, no “Fantástico” ou nas novelas que são exibidas em horário “nobre” — ainda que a programação, em si mesma, não tenha nada de nobre —, a emissora de televisão mais assistida do Brasil parece ter se convertido em um grande folhetim ideológico, disposto mais a formar as mentes que informá-las, mais a hipnotizar as massas que entretê-las.

O tema do momento, como todos sabem, é a ideologia de gênero. (Os defensores da coisa, evidentemente, evitam o termo “ideologia”. Eles falam de “gênero” com ares de elite “científica”, como se essa fosse a mais nova descoberta do mundo civilizado. Deste mundo, é claro, pessoas “incultas” e “atrasadas”, como os cristãos ou como a simples dona Regina, estão totalmente de fora.)

Nunca o abismo entre o que pensam artistas e jornalistas e o que aspira a população brasileira ficou tão evidente.

Fala-se abertamente, por exemplo, de “crianças transgêneras”. Querem porque querem nos convencer que uma criança de quatro, cinco anos de idade, que mal está entrando em idade escolar; que ainda não tem responsabilidades, conhecimento e maturidade para escolher nada… Querem nos convencer que essa criança pode muito bem desenvolver ou assumir uma “identidade” diferente de seu sexo biológico — e que isso é perfeitamente normal. Pouco importa que, em países como a Inglaterra, essa ideia já esteja causando em crianças e adolescentes uma confusão dos diabos. O que importa é passar adiante a ideia — a realidade que faça o favor de se adequar!

As novelas globais, por sua vez, retratam os transgêneros já adultos da forma mais romantizada possível. Os conflitos internos mal resolvidos, as situações a que estão sujeitas essas pessoas, mesmo depois de conseguirem a tão sonhada “mudança de sexo”, tudo é resumido à resistência que elas enfrentam por parte de sociedade. A infelicidade das pessoas transtornadas com o próprio sexo não se deve à condição confusa em que elas mesmas se encontram. Não, a culpa de todo o seu sofrimento é do preconceito da sociedade, que se recusa a chancelar a sua “identidade”, as suas escolhas e os seus hábitos.

Aqui, mais uma vez, a realidade dos fatos conta muito pouco. Ninguém fala, por exemplo, das inúmeras pessoas que se arrependem da cirurgia de transgenitalização e desejam voltar ao sexo com que nasceram, tampouco das altíssimas taxas de suicídio presentes nessa parcela da população. Nas próprias palavras de uma pessoa que sofreu na pele o mesmo drama, mas, felizmente, escolheu outro caminho para remediar a sua situação, “a comunidade médica”, assim como os meios de comunicação de maneira geral, não tem interesse nenhum seja em reconhecer os perigos e o impacto a longo prazo das terapias de transição, seja em iniciar estudos que possam encontrar uma cura ou uma solução subjacente ao problema. Quem sugerir que esse é um problema médico por ser resolvido acaba sendo acusado de incitar o genocídio.

O Problema Bíblico e seu princípio de solução (Capítulo 1 - Parte 2/2)


O PRINCÍPIO DE SOLUÇÃO

Os capítulos que se seguem, visam introduzir os fiéis na leitura do livro sagrado, fornecendo noções que lhes tornem possível desfrutar o rico conteúdo das páginas inspiradas. Impõe-se, porém, uma observação prévia, que será também um princípio geral de solução para as dificuldades acima apontadas. Quem quer que se apreste a ler a Escritura, recorde-se de que uma atitude de fé sobrenatural é condição absoluta para penetrar o âmago da mesma. E isto, por dois motivos:

a) o tema da Sagrada Escritura.

Através dos seus setenta e quatro variados livros, a Bíblia, em última análise, trata de um só objeto, a saber, as disposições da Providência em vista da salvação do homem. Apresenta-nos em suas fases sucessivas, desde os primórdios até o fim dos tempos, o mistério de um Deus que desce até o homem para elevar o homem ao consórcio de Deus. E - note-se bem - tal descida não é simplesmente uma vinda; ela tem o caráter quase paradoxal de uma condescendência 5  de Deus para com o homem, de uma adaptação da Majestade do Criador aos moldes pequeninos do pensamento e da vida da criatura. Essa descida de Deus ao homem é também o mistério de um Amor que, embora soberano e independente, se quer dar derramado o bem sobre os indigentes, mas que é, de diversos modos, mal entendido, rejeitado; não obstante, mostra-se invencível na arte de procurar o indigente ingrato. Por tratar de tal tema, a Bíblia tem necessariamente passagens quase desconcertantes para o leitor que a queira julgar unicamente à luz da sabedoria humana: a sua linguagem é simples e pobre, semelhante à de um judeu antigo; e a figura de Deus 4ue ela apresenta, embora seja inconfundível, está por vezes adaptada à mentalidade oriental e aos costumes, às tradições dos semitas antigos. Não há dúvida, os planos de Deus as vias pelas quais Ele procura o homem transcendem 'infinitamente o bom-senso da criatura. Disto se segue que a chave para se penetrar na Bíblia há de ser uma fé coerente no mistério da Encarnação do Verbo, Encarnação que se deu na plenitude dos tempos, mas que tem seus prenúncios nos séculos anteriores (entre os quais, os livros sagrados do Antigo Testamento) e que continua a se manifestar em toda a história do cristianismo.

A atitude de fé já por si desfaz muitos dos problemas que o conteúdo e a forma literária da Sagrada Escritura apresentam; tais 'problemas" na realidade não são maiores enigmas do que a proposição de um Deus pregado à cruz; quem na fé aceita o aniquilamento do Filho de Deus até a morte de servo (cf. Fl 2,8), já não se admira diante das múltiplas formas da condescendência divina sugeridas pela Bíblia. Assim como não podemos indicar a última razão por que Deus se fez homem na plenitude dos tempos, assim também não sabemos dizer porque se quis adaptar à linguagem do homem no livro sagrado nem porque quis incluir no seu plano providencial tantos instrumentos rudes e imperfeitos. O Deve-se mesmo observar que, quanto mais a fé é viva e forte no leitor, quanto mais a vida sobrenatural nele está arraigada, tanto mais também ele experimenta afinidade com os dizeres da Escritura; longe de se deixar desnortear por textos difíceis, tal cristão discerne cada vez melhor o que é contingente e o que é mensagem perene, em cada urna das passagens da Bíblia; é que lhe fala mais claramente o Mestre interior, o próprio Autor das Escrituras.

S. Gregório Magno (f 604) exprimia esta verdade numa frase incisiva: "Os dizeres de Deus crescem com aquele que os lê." 7

Destas considerações decorre que, ao abordar a Escritura, ninguém se prometerá chegar um dia a compreendê-la como compreende um livro ditado unicamente pela sabedoria humana; ao contrário, tenha consciência de que encontrará passagens diante das quais, até o fim da vida, deverá simplesmente adorar, os juízos de Deus, renunciando a exercer o espírito de crítica, a proferir algum juízo. 8 

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

O Problema Bíblico e seu princípio de solução (Capítulo 1 - Parte 1/2)


O PROBLEMA

É fato inegável que bom número dos católicos de hoje, mesmo dentre os mais fiéis à vida cristã, não estão familiarizados com a Sagrada Escritura. Esta é, para eles, um livro mais ou menos cerrado, onde não têm o costume de procurar o nutrimento da vida espiritual; para revigorar sua piedade, servem-se, com prazer, e quase que exclusivamente, de obras e opúsculos religiosos posteriores à Bíblia.

Tal verificação não pode deixar de impressionar a quem sobre ela reflita... Todo católico professa que a Bíblia é livro inspirado por Deus para a santificação dos leitores; consequentemente, esperar-se-ia que fôsse a obra mais lida e explorada pelos cristãos, o primeiro manancial de espiritualidade dos fiéis, pois, dir-se-ia em linguagem popular, "Deus não se terá abalado por pouca coisa.

As páginas inspiradas por Deus certamente não excluem o que os santos e justos escreveram de verídico e belo, mas, quase que por definição, exigem para si a primazia na biblioteca ou na cabeceira do cristão. O fato de que a Bíblia não é devidamente conhecida causa pesar semelhante ao que suscita o esquecimento de alguns cristãos em relação à S. Eucaristia. Em um e outro caso observa-se que os maiores dons de Deus não são suficientemente procurados; são subestimados em favor de objetos e práticas menos ricas e eficazes para a santificação.

Conscientes de tal anomalia, alguns núcleos de fiéis têm tentado explorar os tesouros da Sagrada Escritura, empreendendo a leitura sistemática da mesma.

Contudo, ainda que animados pelas mais sinceras disposições, não se podem furtar, perante certas páginas do texto sagrado, à impressão de mal-estar ou mesmo de escândalo ou à conclusão de que a Escritura é livro obscuro, difícil demais para ser alimento da vida espiritual; ela lhes parece arcaica, alheia às ideias e à terminologia que os cristãos costumam ter na mente e nos lábios. E, quando se lembra ao leitor, desapontado ou escandalizado, que, para entender as páginas bíblicas, se requerem certas noções introdutórias, o mesmo se sente como que atemorizado pelas exigências que a técnica exegética moderna lhe parece impor.

A solução, em vez de o satisfazer, faz-lhe perder o ânimo, porque a Sagrada Escritura se lhe afigura então objeto de estudo científico antes do que livro de edificação sobrenatural; e, como se sabe, para o estudo erudito, nem todos têm tempo ou aptidão! Um inquérito recém-realizado na França nos dá a conhecer com exatidão as opiniões de fiéis que têm procurado ler a Escritura. Vão aqui transcritos alguns destes testemunhos, a fim de se perceber mais ao vivo o doloroso realismo do problema:

"A Bíblia é objeto de museu, não coisa viva, atual. É livro antediluviano, onde os homens do séc. XX nada encontram que possam aproveitar. A história desse obscuro povo hebreu parece tão longínqua que se torna meio-irreal.

O Antigo Testamento procede de um espírito totalmente diverso do Evangelho. Ora é o espírito do Evangelho só que devemos procurar.

Devo dizer que não li Daniel-Rops, que meu pároco dá cursos de Sagrada Escritura, que jamais frequentei. É esta uma forma de resistência...

Alguma coisa dentro de mim se recusa a crer que minha vida possa ser ajudada, iluminada, por essas narrativas pré-históricas."

"Noto, escreve uma dirigente da Ação Católica, que em minha infância e juventude só me falaram do Antigo Testamento em termos negativos: encerra histórias demasiado realistas para poder ser colocado nas mãos de qualquer leitor."

"Há na Bíblia uma série de histórias horrendas, escreve outra pessoa. Não quero defender a hipocrisia da nossa sociedade contemporânea, que à Bíblia prefere a literatura "de água de rosas", ou que só admite a literatura escandalosa quando esta se apresenta com aparato e fama; não obstante, é muito difícil perceber como julgar todas essas histórias."

Eis o depoimento de um grupo de casais:

"Salvo algumas passagens esparsas cá e lá, não se compreende quase nada na Sagrada Escritura... A leitura frutuosa da Bíblia exige árduo trabalho literário, ao menos para se recolocar o texto no seu contexto e no seu clima de origem (exegese, estudo dos gêneros literários, de história, de nomes e datas, etc.). Não temos tempo para fazer isto tudo: cada família se acha sobrecarregada com obrigações profissionais, materiais e educativas. E, mesmo se tivéssemos tempo, não sentiríamos atrativo por esse estudo árido. Depois da labuta de cada dia, desejamos repouso, paz, calma, oração, e não livros de erudição. Julgamos poder encontrar esta paz, esta respiração profunda em Deus, ou por meio de reflexão pessoal sobre alguns textos prediletos ou pela meditação de alguns pensamentos familiares ou pela leitura de excertos, densos e curtos, em que as verdades religiosas não se encontram ocultas sob uma multidão de imagens e de fatos, mas se acham luminosamente expressas." 1

Tais depoimentos encontram eco espontâneo fora mesmo da França; são a expressão fiel do que muitas vezes se pensa também no Brasil.

A situação assim esboçada pede ser revolvida, transformada. Contribuir para a renovação, é o que se propõem os capítulos seguintes. Antes, porém, de estudarmos algumas vias de solução do problema, interessa-nos considerar mais atentamente as causas do distanciamento dos fiéis em relação à Escritura. A tal fim, recordaremos alguns fatos da história religiosa moderna.

Uma das raízes remotas da desconfiança dos católicos frente à Sagrada Escritura é, sem dúvida, a Ps. Reforma Protestante.

No séc. XVI, irrompeu o movimento luterano, que abusivamente fez da Bíblia a principal fonte de seus erros religiosos; a Escritura, assiduamente manejada pelos protestantes, passou a ser o arsenal de argumentos dos hereges. Ora, para impedir fossem seduzidos os fiéis, as autoridades eclesiásticas viram-se obrigadas a lhes restringir de certo modo o uso da Sagrada Escritura: no Concílio de Trento (1545-1563), o texto latino da Vulgata foi declarado autêntico e aos fiéis se proibiu a leitura de traduções vernáculas da Bíblia não acompanhadas de notas explicativas conformes a doutrina católica.

Tais normas (em si muito sábias e oportunas), assim como o continuado abuso dos protestantes, foram suficientes para criar entre os católicos uma atmosfera de pouca "simpatia" para com a Bíblia; esta passou a ser julgada livro perigoso, escola de heresias, manual de protestantismo, obra colocada no Índice dos livros proibidos pela Igreja!... Tais opiniões se foram disseminando através dos tempos sem grandes dificuldades, de mais a mais que na Bíblia há realmente expressões e narrativas cujo sentido não é evidente à primeira leitura, e que, por isto mesmo, se prestam a mal-entendidos ou escândalos.