segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Perú: Encontro do Papa com a população de Puerto Maldonado


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO CHILE E PERU
(15-22 DE JANEIRO DE 2018)

ENCONTRO COM A POPULAÇÃO

DISCURSO DO SANTO PADRE

Puerto Maldonado - Instituto Jorge Basadre 
Sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Queridos irmãos e irmãs!

Vejo que viestes não só das diversas regiões desta Amazónia peruana, mas também dos Andes e doutros países vizinhos. Como é linda a imagem da Igreja que não conhece fronteiras e onde todos os povos podem encontrar o seu espaço! Como precisamos destes momentos em que podemos encontrar-nos e, independentemente da proveniência, encorajar-nos a gerar uma cultura do encontro que nos renova na esperança.

Obrigado, D. David, pelas suas palavras de boas-vindas. Obrigado, Arturo e Margarita, por terdes partilhado as vossas experiências com todos nós. Eles disseram-nos: «Visita-nos nesta terra tão esquecida, ferida e marginalizada... mas não somos terra de ninguém». Obrigado por no-lo terdes dito: não somos terra de ninguém. É algo que é preciso dizer com força: vós não sois terra de ninguém. Esta terra tem nomes, tem rostos: tem-vos a vós.

A região é designada com o nome muito belo de «Madre de Dios [Mãe de Deus]». Não posso deixar de fazer menção de Maria, jovem mulher que vivia numa aldeia remota, perdida, considerada também por muitos como «terra de ninguém». Lá recebeu Ela a saudação e o convite maior que uma pessoa possa experimentar: ser a Mãe de Deus; há alegrias que só as podem escutar os pequeninos.[1]

Vós tendes em Maria, não só uma testemunha para quem olhar, mas uma Mãe e, onde houver uma mãe, não existe esse mal terrível de sentir que não pertencemos a ninguém, esse sentimento que nasce quando começa a desaparecer a certeza de pertencer a uma família, a um povo, a uma terra, ao nosso Deus. Queridos irmãos, a primeira coisa que gostaria de vos transmitir – e quero fazê-lo com força – é que esta não é uma terra órfã, é a terra da Mãe! E, se há uma mãe, há filhos, há família e há comunidade. E onde há mãe, família e comunidade, os problemas poderão não desaparecer, mas certamente encontra-se força para os enfrentar de maneira diferente.

É triste constatar que há alguns que querem apagar esta certeza e tornar a Madre de Dios uma terra anônima, sem filhos, uma terra infecunda. Um lugar que se deixe facilmente vender e explorar. Por isso, faz-nos bem repetir nas nossas casas, nas comunidades, no mais fundo do coração de cada um: esta não é uma terra órfã! Tem uma Mãe! Esta boa notícia é transmitida de geração em geração, graças ao esforço de muitos que partilham este dom de saber que somos filhos de Deus, e ajuda-nos a reconhecer o outro como irmão.

Já, em várias ocasiões, me referi à cultura do descarte. Uma cultura que não se contenta apenas com excluir – como estávamos habituados a pensar –, mas que cresceu silenciando, ignorando e rejeitando tudo o que não serve aos seus interesses; parece que o consumismo alienante de alguns não consegue perceber a dimensão do sofrimento sufocante de outros. A cultura do descarte é uma cultura anônima, sem laços, nem rostos. Uma cultura sem mãe, que só quer consumir. A terra é tratada dentro desta lógica. As florestas, os rios e as torrentes são aproveitados, utilizados até ao último recurso, e depois deixados como baldios e inúteis. As próprias pessoas são tratadas com esta lógica: são usadas até ao exaurimento e depois deixadas como «inúteis». Esta é a cultura do descarte: descartam-se as crianças, descartam-se os idosos. Lá, na saída, quando fiz o percurso, havia uma avó de 97 anos: devemos descartar aquela avó? Não! Porque a avó tem a sabedoria dum povo. Um aplauso para a avó de 97 anos!

domingo, 21 de janeiro de 2018

Peru: Papa se encontra com povos da Amazônia e defende respeito e reconhecimento para com os povos nativos


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO CHILE E PERU
(15-22 DE JANEIRO DE 2018)

ENCONTRO COM OS POVOS DA AMAZÔNIA

DISCURSO DO SANTO PADRE

Puerto Maldonado - Coliseu Madre de Dios
Sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Queridos irmãos e irmãs!

Aqui, junto de vós, brota do meu coração o cântico de São Francisco: «Louvado sejais, meu Senhor». Sim, louvado sejais pela oportunidade que nos dais de termos este encontro. Obrigado D. David Martínez de Aguirre Guiné, senhor Héctor, senhora Yésica e senhora Maria Luzmila pelas vossas palavras de boas-vindas e pelos vossos testemunhos. Em vós, quero agradecer e saudar todos os habitantes da Amazónia.

Vejo que viestes dos diferentes povos originários da Amazónia: Harakbut, Esse-ejas, Matsiguenkas, Yines, Shipibos, Asháninkas, Yaneshas, Kakintes, Nahuas, Yaminahuas, Juni Kuin, Madijá, Manchineris, Kukamas, Kandozi, Quichuas, Huitotos, Shawis, Achuar, Boras, Awajún, Wampis, entre outros. Vejo também que nos acompanham povos originários dos Andes que chegaram à floresta e se fizeram amazónicos. Muito desejei este encontro. Quis começar daqui a visita ao Perú. Obrigado pela vossa presença e por nos ajudardes a ver mais de perto, nos vossos rostos, o reflexo desta terra. Um rosto plural, duma variedade infinita e duma enorme riqueza biológica, cultural e espiritual. Nós, que não habitamos nestas terras, precisamos da vossa sabedoria e dos vossos conhecimentos para podermos penetrar – sem o destruir – no tesouro que encerra esta região, ouvindo ressoar as palavras do Senhor a Moisés: «Tira as tuas sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é uma terra santa» (Ex 3, 5).

Deixai-me dizer mais uma vez: Louvado sejais, Senhor, por esta obra maravilhosa dos povos amazónicos e por toda a biodiversidade que estas terras contêm!

Este cântico de louvor esboroa-se quando ouvimos e vemos as feridas profundas que carregam consigo a Amazónia e os seus povos. Quis vir visitar-vos e escutar-vos, para estarmos juntos no coração da Igreja, solidarizarmo-nos com os vossos desafios e, convosco, reafirmarmos uma opção sincera em prol da defesa da vida, defesa da terra e defesa das culturas.

Bolívia: Evo Morales anuncia que vai revogar temporariamente o novo Código Penal


O presidente da Bolívia, Evo Morales, anunciou no Twitter que decidiu revogar o novo Código Penal. Sem regras e prazos claros, a lei poderia ferir os direitos de ampla defesa e devido processo legal, além de permitir a perseguição religiosa. Desde a sua promulgação, em 15 de dezembro, o novo código desencadeou uma onda de protestos de vários setores da sociedade civil boliviana.

Ao canal estatal El Pueblo es Noticia, Morales declarou que “levou em conta as propostas do povo”. No Twitter, o presidente escreveu que decidiu revogar a lei para “evitar confusões e que a direita deixe de conspirar” e que enviará uma carta para o Congresso boliviano nos próximos dias. Anunciou também que vai “escutar propostas de todos os setores” e que ainda deseja substituir o atual código penal do país, que remonta à ditadura de Hugo Banzer (1971-1978). A oposição comemorou a decisão.  

Site do Vaticano denuncia problemas no novo código penal da Bolívia


A Secretaria Geral da Conferência Episcopal Boliviana (CEB), em nota divulgada esta quarta-feira, 17, posicionou-se sobre os fatos ocorridos na tarde de terça-feira, 16, em La Paz, quando a Polícia usou a força para entrar no Convento de São Francisco, adjacente à igreja de mesmo nome, para prender quatro jovens manifestantes.

Igreja é local de acolhida

Segundo os bispos, “tratou-se de um fato particularmente grave, pois se trata de um ambiente ligado a um local sagrado e protegido como patrimônio cultural e religioso”.

“Recordamos – dizem os prelados em uma nota – que no decorrer da história, antiga e recente, a igreja foi um local de acolhida e proteção de todos aqueles que se sentiam perseguidos, independente da posição política ou social das pessoas envolvidas”.

Respeito

Os bispos sublinham o grande número de manifestações nestes dias contra a promulgação do novo Código Penal e mais uma vez dirigem um apelo ao Governo para que escute estas vozes “com respeito e racionalidade”, sem responder com o uso da força, observando ainda que “tampouco ser protagonistas de um evento como o Rally Dakar justifica a repressão”.

Segundo a Constituição – recordam os prelados – “o povo tem o direito de expressar o seu protesto e de ser ouvido”.

Ao mesmo tempo, a CEB convida os cidadãos a manifestarem-se “de forma pacífica e respeitosa”. 

Dom Helder Câmara, patrono brasileiro dos Direitos Humanos.


“Felizes sereis quando os homens vos odiarem, expulsarem, insultarem e amaldiçoarem o vosso nome por causa do Filho do Homem. (…) pois era assim que os seus antepassados tratavam os profetas. (…) Ai de vós quando todos falarem bem de vós, pois era assim que seus antepassados tratavam os falsos profetas” (Lc 6, 22- 23 e 26).

Queridos irmãos e irmãs de nossa arquidiocese,

Todos nós fomos surpreendidos pela Lei n. 13581, de 26 de dezembro de 2017, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República Michel Temer. Declara Dom Helder Camara patrono brasileiro dos direitos humanos. 

Todos os brasileiros conscientes e que amam a justiça e o direito concordam que Dom Helder é nosso patrono em toda a luta pacífica pela justiça, pela paz e pelos direitos humanos, tanto individuais, como coletivos das minorias fragilizadas pela sociedade dominante. No entanto, nos surpreendemos pela ambiguidade desse decreto, sentimento já expresso por amigos de Dom Helder, inclusive, Marcelo Barros que escreveu uma profética carta dirigida ao Dom da Paz. O texto dessa lei é sucinto e não explicita motivações, nem consequências. No entanto, nenhum ato dessa natureza é neutro ou sem repercussões.

Em seu tempo, o profeta Jeremias adverte os governantes do seu povo: “Sem responsabilidade, querem curar as feridas do meu povo dizendo apenas Paz, Paz, quando paz verdadeira não existe. Deveriam envergonhar-se, pois o que fizeram foi horrível, mas não se acanham, mesmo eles não sabem o que é ter vergonha” (Jer 8, 11- 12).

É nossa responsabilidade de cidadãos e de cristãos dar peso às palavras e exigir dos poderes públicos coerência em seus posicionamentos. Se a Política que deveria ser um exercício nobre do serviço ao bem comum está tão desacreditada é porque os políticos não primam pela coerência entre o seu falar e o seu agir. 

sábado, 20 de janeiro de 2018

Pabllo Vittar e a roupa invisível do rei nu

Sua música é péssima, lidem com isso. Porém, criticá-lo nestes aspectos meramente musicais faz do crítico um criminoso, preconceituoso, invejoso e homofóbico

Eis que chegamos ao tempo em que se faz necessário provar às pessoas que a grama é verde e a água é molhada.

Antes de embarcar na insólita investida de argumentar sobre os porquês de a música de Pabllo Vittar ser tão ruim – fato que deveria ser captado menos pelo intelecto do que pela própria experiência sensorial não racional –, serei obrigado a esclarecer dois pontos.

Primeiro, e mais importante: aqui nessas paragens, a discussão é adulta e civilizada. Qualquer acusação de “homofobia” ou correlatos será rechaçada com vigor, porque injusta com quem, como eu, cresceu ouvindo Freddie Mercury, Ney Matogrosso, Tchaikovsky, Bernstein, enfim, a lista é longa, e nunca o fato de serem homossexuais nem sequer ofuscou minha admiração e respeito a eles. O segundo aspecto é que, apesar de estudar música há mais de 30 anos, de ser regente profissional há 17, professor há 25 e de ter ajudado a fundar uma das maiores orquestras jovens do Brasil, a qual dirijo há 12 anos, falarei menos sobre música e seus aspectos técnicos do que sobre ideologia porque, afinal, é disso que o fenômeno se trata.

O que vemos em Pabllo é o grotesco alçado à condição de algo sacrossanto e imune às críticas, 
por justificativas ideológicas
Pabllo Vittar é a roupa invisível do rei. Sua música é péssima, lidem com isso. Falta-lhe afinação, técnica, noções básicas de harmonia e ritmo, etc. Coisas que são exigidas de qualquer estudante rudimentar de música. Porém, criticá-lo nestes aspectos meramente musicais, na loucura do neocoletivismo identitário em voga atualmente, faz do crítico um criminoso, preconceituoso, invejoso e homofóbico. Por outro lado, as portas se abrem a quem exalta as finas vestes do rei nu, como ocorreu com Ed Motta recentemente.

Vítimas da “espiral do silêncio”, as pessoas deixam de falar aquilo que pensam, com medo da calúnia e do isolamento. Enquanto isso, o objeto da crítica e, mais do que isso, a ideologia da qual esse objeto é símbolo, avança livre. 

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Chile: "Estejamos atentos às situações de injustiça", pede Papa


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO CHILE E PERU
(15-22 DE JANEIRO DE 2018)

MISSA DA VIRGEM DO CARMO E ORAÇÃO PELO CHILE
Iquique - Campus Lobito
Quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

HOMILIA DO SANTO PADRE

«Em Caná da Galileia, Jesus realizou o primeiro dos seus sinais miraculosos» (Jo 2, 11).

Assim, termina o Evangelho que ouvimos e que nos mostra a primeira aparição pública de Jesus: nada mais, nada menos que numa festa. Não poderia ser doutra forma, pois o Evangelho é um convite constante à alegria. Logo no início, o anjo diz a Maria: «Alegra-te» (Lc 1, 28). Anuncio-vos uma grande alegria: foi dito aos pastores (cf. Lc 2, 10). O menino saltou de alegria no seio de Isabel, mulher idosa e estéril (cf. Lc 1, 41). Alegra-te – fez Jesus sentir ao ladrão –, porque hoje estarás comigo no paraíso (cf. Lc 23, 43).

A mensagem do Evangelho é fonte de alegria: «Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa» (Jo 15, 11). Uma alegria que se propaga de geração em geração, e da qual somos herdeiros. Porque somos cristãos.

Disto, bem vos entendeis vós, queridos irmãos do norte chileno. Sabeis viver a fé e a vida em clima de festa! Venho, como peregrino, celebrar convosco esta maneira linda de viver a fé. As vossas festas patronais, as vossas danças religiosas (que chegam a durar uma semana), a vossa música, os vossos vestidos fazem desta região um santuário de piedade e de espiritualidade popular. De facto, não é uma festa que fica fechada dentro do templo, mas conseguis vestir de festa toda a aldeia. Sabeis celebrar cantando e dançando «a paternidade, a providência, a presença amorosa e constante de Deus; e deste modo gerais atitudes interiores que raramente se observam no mesmo grau em quem não possui esta religiosidade: paciência, sentido da cruz na vida quotidiana, desapego, aceitação dos outros, dedicação, devoção.[1] Ganham vida as palavras do profeta Isaías: «Então o deserto se converterá em pomar, e o pomar será como uma floresta» (32, 15). Esta terra, abraçada pelo deserto mais seco do mundo, sabe vestir-se de festa.

Neste clima de festa, o Evangelho apresenta-nos a ação de Maria, para que a alegria prevaleça. Está atenta a tudo o que acontece ao redor d’Ela e, como boa mãe, não fica parada e assim consegue dar-se conta de que na festa, na alegria geral, acontecera algo: algo que estava para arruinar a festa. E, aproximando-Se do seu Filho, as únicas palavras que Lhe ouvimos dizer são: «Não têm vinho» (Jo 2, 3).

E de igual modo vai Maria pelas nossas aldeias, ruas, praças, casas, hospitais. Maria é a Virgem da Tirana, a Virgem Ayquina em Calama, a Virgem das Penhas em Arica, que passa por todos os nossos problemas familiares, aqueles que parecem sufocar-nos o coração, para Se aproximar de Jesus e dizer-Lhe ao ouvido: «Olha! Não têm vinho».

E não Se fica calada, mas logo Se aproxima dos que serviam na festa e disse-lhes: «Fazei o que Ele vos disser» (Jo 2, 5). Maria, mulher de poucas palavras mas muito concreta, também Se aproxima de cada um de nós para nos dizer apenas isto: «Fazei o que Ele vos disser». E assim se abre o caminho ao primeiro milagre de Jesus: fazer sentir aos seus amigos que eles também participam do milagre. Porque Cristo «veio a este mundo, não para fazer a sua obra sozinho mas connosco; o milagre fá-lo connosco, com todos nós, por ser a cabeça dum grande corpo cujas células vivas somos nós, células livres e ativas».[2] É assim que Jesus faz o milagre: connosco.

O milagre começa quando os serventes aproximam as vasilhas de pedra com água que se destinavam à purificação. Do mesmo modo também cada um de nós pode começar o milagre; mais ainda, cada um de nós é convidado a participar do milagre para os outros.

"Universidade é laboratório para o futuro do país", diz Papa a acadêmicos


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO CHILE E PERU

(15-22 DE JANEIRO DE 2018)


VISITA À PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO CHILE
DISCURSO DO SANTO PADRE
Santiago

Quarta-feira, 17 de janeiro de 2018



Grão-Chanceler, Cardeal Ricardo Ezzati,
Irmãos no Episcopado,
Magnífico Reitor, Doutor Ignacio Sánchez,
Distintas autoridades universitárias,
Amados professores, funcionários, pessoal da Universidade,
Queridos alunos!

Estou contente por me encontrar convosco nesta Casa de Estudo, que, nos seus quase 130 anos de vida, ofereceu ao país um serviço inestimável. Agradeço ao senhor Reitor as suas palavras de boas-vindas, em nome de todos. E também lhe agradeço, senhor Reitor, pelo bem que faz com o seu estilo «sapiencial» no governo da Universidade e na corajosa defesa da identidade da universidade católica. Obrigado!

A história desta Universidade está, de certa forma, entrançada com a história do Chile. São milhares os homens e as mulheres que, tendo-se formado aqui, desempenharam tarefas importantes em prol do desenvolvimento do país. Apraz-me recordar especialmente a figura de Santo Alberto Hurtado, neste ano em que se celebra o centenário do início dos seus estudos aqui. A sua vida é um claro testemunho de como a inteligência, a excelência académica e o profissionalismo na atividade, harmonizados com a fé, a justiça e a caridade, longe de se debilitar, adquirem uma força que é profecia, capaz de abrir horizontes e iluminar o caminho, especialmente para as pessoas descartadas da sociedade, sobretudo nos dias de hoje em que está em voga esta cultura do descarte.

A propósito quero retomar as suas palavras, senhor Reitor, quando afirmava: «Temos importantes desafios para o nosso país, que estão relacionados com a convivência nacional e com a capacidade de progredir em comunidade».

1. Convivência nacional

Falar de desafios é admitir que há situações que chegaram a um ponto que requer serem repensadas. O que até ontem podia ser um fator de unidade e coesão, hoje exige novas respostas. O ritmo acelerado e a implementação quase vertiginosa de alguns processos e mudanças, que se impõem nas nossas sociedades, convidam-nos, de maneira serena mas sem demora, a uma reflexão que não seja ingénua, utopista e menos ainda voluntarista. Isto não significa frenar o desenvolvimento do conhecimento, mas fazer da Universidade um espaço privilegiado para «praticar a gramática do diálogo que forma encontro».[1] Pois «a verdadeira sabedoria [é] fruto da reflexão, do diálogo e do encontro generoso entre as pessoas».[2]

A convivência nacional é possível na medida em que, para além do mais, dermos vida a processos educativos que sejam simultaneamente transformadores, inclusivos e de convivência. Educar para a convivência não significa apenas acrescentar valores ao trabalho educativo, mas gerar uma dinâmica de convivência dentro do próprio sistema educativo. Não é tanto uma questão de conteúdos, como sobretudo de ensinar a pensar e raciocinar de modo integrante: aquilo que os clássicos chamavam forma mentis.

E, para se alcançar isto, é necessário desenvolver uma alfabetização integral que saiba adaptar os processos de transformação que se estão a verificar no seio das nossas sociedades.

Tal processo de alfabetização requer que se trabalhe, de maneira simultânea, na integração das diferentes linguagens que nos constituem como pessoas. Ou seja, uma educação (alfabetização) que integre e harmonize o intelecto, os afetos e a ação, concretamente a cabeça, o coração e as mãos. Isto proporcionará e possibilitará aos alunos crescer de maneira harmoniosa não só a nível pessoal, mas também e simultaneamente a nível social. É urgente criar espaços onde a fragmentação não seja o esquema dominante, mesmo do pensamento; para isso, é necessário ensinar a pensar o que se sente e faz; a sentir o que se pensa e faz; a fazer o que se pensa e sente. Um dinamismo de capacidades ao serviço da pessoa e da sociedade.

A alfabetização, baseada na integração das diferentes linguagens que nos constituem, envolverá os alunos no seu processo educativo; processo voltado para os desafios que o futuro próximo lhes apresentará. A única coisa que consegue o «divórcio» dos saberes e das linguagens, o analfabetismo sobre como integrar as diferentes dimensões da vida, é fragmentação e rutura social.

Nesta sociedade líquida[3] ou volátil,[4] como a definiram alguns pensadores, vão desaparecendo os pontos de referência a partir dos quais se possam construir, individual e socialmente, as pessoas. Parece que hoje a «nuvem» seja o novo ponto de encontro, que se carateriza pela falta de estabilidade, já que tudo se volatiliza e, consequentemente, perde consistência.

E tal falta de consistência poderia ser uma das razões para a perda de consciência do espaço público. Um espaço que exige um mínimo de transcendência sobre os interesses privados (viver mais e melhor) para construir sobre bases que revelem aquela dimensão tão importante da nossa vida que é o «nós». Sem esta consciência, mas sobretudo sem este sentimento e, por conseguinte, sem esta experiência é, e será, muito difícil construir a nação. Neste caso, pareceria que a única coisa importante e válida fosse o que diz respeito ao indivíduo e, tudo o que ficasse fora desta jurisdição, torna-se-ia obsoleto. Semelhante cultura perdeu a memória, perdeu os vínculos que sustentam e tornam possível a vida. Sem o «nós» dum povo, duma família, duma nação e, ao mesmo tempo, sem o «nós» do futuro, dos filhos e do amanhã; sem o «nós» duma cidade que «me» transcenda e seja mais rica do que os interesses individuais, a vida será não só cada vez mais fragmentada, mas também mais conflituosa e violenta.

Neste sentido, a universidade tem o desafio de gerar, dentro do seu próprio claustro, as novas dinâmicas que superem toda a fragmentação do saber e estimulem a uma verdadeira universitas.