VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO CHILE E PERU
(15-22 DE JANEIRO DE 2018)
ENCONTRO COM A POPULAÇÃO
DISCURSO DO SANTO PADRE
Puerto Maldonado - Instituto Jorge Basadre
Sexta-feira, 19 de janeiro de 2018
Queridos irmãos e irmãs!
Vejo que viestes não só das diversas regiões desta Amazónia peruana, mas também dos Andes e doutros países vizinhos. Como é linda a imagem da Igreja que não conhece fronteiras e onde todos os povos podem encontrar o seu espaço! Como precisamos destes momentos em que podemos encontrar-nos e, independentemente da proveniência, encorajar-nos a gerar uma cultura do encontro que nos renova na esperança.
Obrigado, D. David, pelas suas palavras de boas-vindas. Obrigado, Arturo e Margarita, por terdes partilhado as vossas experiências com todos nós. Eles disseram-nos: «Visita-nos nesta terra tão esquecida, ferida e marginalizada... mas não somos terra de ninguém». Obrigado por no-lo terdes dito: não somos terra de ninguém. É algo que é preciso dizer com força: vós não sois terra de ninguém. Esta terra tem nomes, tem rostos: tem-vos a vós.
A região é designada com o nome muito belo de «Madre de Dios [Mãe de Deus]». Não posso deixar de fazer menção de Maria, jovem mulher que vivia numa aldeia remota, perdida, considerada também por muitos como «terra de ninguém». Lá recebeu Ela a saudação e o convite maior que uma pessoa possa experimentar: ser a Mãe de Deus; há alegrias que só as podem escutar os pequeninos.[1]
Vós tendes em Maria, não só uma testemunha para quem olhar, mas uma Mãe e, onde houver uma mãe, não existe esse mal terrível de sentir que não pertencemos a ninguém, esse sentimento que nasce quando começa a desaparecer a certeza de pertencer a uma família, a um povo, a uma terra, ao nosso Deus. Queridos irmãos, a primeira coisa que gostaria de vos transmitir – e quero fazê-lo com força – é que esta não é uma terra órfã, é a terra da Mãe! E, se há uma mãe, há filhos, há família e há comunidade. E onde há mãe, família e comunidade, os problemas poderão não desaparecer, mas certamente encontra-se força para os enfrentar de maneira diferente.
É triste constatar que há alguns que querem apagar esta certeza e tornar a Madre de Dios uma terra anônima, sem filhos, uma terra infecunda. Um lugar que se deixe facilmente vender e explorar. Por isso, faz-nos bem repetir nas nossas casas, nas comunidades, no mais fundo do coração de cada um: esta não é uma terra órfã! Tem uma Mãe! Esta boa notícia é transmitida de geração em geração, graças ao esforço de muitos que partilham este dom de saber que somos filhos de Deus, e ajuda-nos a reconhecer o outro como irmão.
Já, em várias ocasiões, me referi à cultura do descarte. Uma cultura que não se contenta apenas com excluir – como estávamos habituados a pensar –, mas que cresceu silenciando, ignorando e rejeitando tudo o que não serve aos seus interesses; parece que o consumismo alienante de alguns não consegue perceber a dimensão do sofrimento sufocante de outros. A cultura do descarte é uma cultura anônima, sem laços, nem rostos. Uma cultura sem mãe, que só quer consumir. A terra é tratada dentro desta lógica. As florestas, os rios e as torrentes são aproveitados, utilizados até ao último recurso, e depois deixados como baldios e inúteis. As próprias pessoas são tratadas com esta lógica: são usadas até ao exaurimento e depois deixadas como «inúteis». Esta é a cultura do descarte: descartam-se as crianças, descartam-se os idosos. Lá, na saída, quando fiz o percurso, havia uma avó de 97 anos: devemos descartar aquela avó? Não! Porque a avó tem a sabedoria dum povo. Um aplauso para a avó de 97 anos!