Sem entrar no mérito da questão ou emitir qualquer juízo de valor a respeito das condutas dos clérigos, acompanho com grande dor e preocupação o desdobramento dos fatos.
Isso porque não gosto de ver o avanço do Estado sobre as religiões, especialmente a Igreja Católica.
Por mais delicada que seja a questão e por mais que aparentemente as condutas em destaque tenham sido mesmo graves, o “modus operandi” do Ministério Público não foi correto.
Uma Diocese não é uma pessoa jurídica de Direito Civil, mas de Direito Canônico. Isso faz toda a diferença no que diz respeito à interferência do Estado.
Vale lembrar que existe um tratado internacional entre o Brasil e a Santa Sé que determina que a invasão do patrimônio da Igreja ou a prisão de um Bispo têm que ser acompanhadas pelo Núncio Apostólico ou representante seu.
Não é exagero buscar simetria e equidade entre as bases físicas da Igreja e as Embaixadas.
Desde a antiguidade o Estado tenta invadir moral e fisicamente a Igreja. Não lutaram Santo Ambrósio de Milão e Santo Agostinho de Hipona contra as investidas dos imperadores romanos, promotores de heresias como o arinismo e o donatismo?
Na Idade Média não lutaram Papas e santos, como o grande Bernardo de Claraval, contra o desejo de reis e imperadores de ordenar Bispos, a chamada “querela das investiduras”?
E nos tempos recentes? O caso dos “Cristeros” no México e os dos sacerdotes e fiéis perseguidos, presos e mortos por regimes absolutistas na antiga União Soviética, em Cuba, na Polônia e outros lugares são memórias vivas desse arraigado e perpétuo desejo de o Estado controlar de algum modo a Igreja.
Vivemos tempos de ditadura do relativismo moral e de desconstrução da presença de Deus no tecido social. O ataque sistêmico à Igreja faz parte desse contexto terrível.
Não desejo de modo algum abrandar condutas nem me deixar guiar por “corporativismo”, mas é preciso separar o joio do trigo.
Desde Judas Iscariotes sabemos que dentro do seio da Igreja, entre aqueles escolhidos, sempre haverá traidores de Deus e do povo fiel, mas precisamos saber tratar as situações adversas que se nos apresentam da forma correta, não com vulgar sentimentalismo ou sob a influência dos afetos desordenados tão comum aos dias de hoje.
Que meu comentário-desabafo não seja indevidamente interpretado como salvo-conduto ao erro, mas como busca da razão e a preocupação com algo maior: a liberdade de crença religiosa.