Caríssima Thammy Miranda, no uso da minha liberdade religiosa e do ofício sacerdotal que desempenho, e tendo visto seu pronunciamento público veiculado pelo Jornal Extra no dia de ontem, 8 de março, sobre o seu desejo de ser madrinha de batismo, quero expressar a minha orientação. Julgo ser necessário manifestar-me, pois trata-se da fé da minha Igreja e isso gerou dúvidas entre muitos católicos, que inclusive a senhorita talvez possa ter também. Antes de tudo, isso está muito aquém de ser uma questão de preconceito e acolhida, trata-se de matéria de fé. A religião goza de liberdade perante o estado democrático para determinar as regras internas de sua vida moral correspondente ao seu credo. E mesmo que uma constituição não o reconhecesse, isso permaneceria um direito próprio do ato de crer do ser humano enquanto um ente dotado de consciência.
Não sei se sabe, assim como muitos católicos às vezes não o sabem, mas a Igreja tem uma espécie de “constituição” com as normas de fé as quais os bispos e padres devem obedecer sem hesitação, pois eles não estão acima das normas da fé, uma vez que são servos dela. Este conjunto normativo chama-se Código de Direito Canônico. Numa breve pesquisa pela internet até se consegue este livro em PDF para download. E o que diz lá sobre os padrinhos de batismo!? Cânon 872 – Ao batizando, enquanto possível, seja dado um padrinho, a quem cabe acompanhar o batizando adulto na iniciação cristã e, junto com os pais, apresentar ao batismo o batizando criança. Cabe também a ele ajudar que o batizado leve uma vida de acordo com o batismo e cumpra com fidelidade as obrigações inerentes.
Cânon 874 – § 1. Para que alguém seja admitido para assumir o encargo de padrinho, é necessário que: 1° – seja designado pelo batizando, por seus pais ou por quem lhes faz as vezes, ou, na falta deles, pelo próprio pároco ou ministro, e tenha aptidão e intenção de cumprir esse encargo; O pároco local de acordo com a lei canônica deverá julgar cada caso. Note-se o uso da palavra “aptidão” no final do 1° parágrafo do inciso 1. O que significa? Que há critérios de fé a serem julgados pelo sacerdote antes de admitir padrinhos para o batismo. Ademais, diz que eles “devem ter a intenção de cumprir esse encargo”, que é a missão de ensinar a fé integralmente com todas as suas exigências. Observe ainda que é dito no final do Cânon 872 que o padrinho “deve levar o batizado a ter uma vida de acordo com o batismo“, isto é, dando o padrinho ou madrinha testemunho ao viver de fato a fé e ajudando o batizado “a cumprir com fidelidade as obrigações inerentes“, que em outras palavras significa ensinar o que pede a Igreja para uma vida de cristão-católico. É com base nesses dados que o sacerdote irá julgar a aptidão de ser padrinho ou madrinha. Ele poderá negar o direito de sê-lo ou permitir segundo a lei da Igreja. Portanto, não se trata de uma mera questão documental de seu nome social como disse na reportagem. Pois essa é uma das questões menos relevantes ao processo, embora importante documentalmente. E não! A Igreja não tem obrigação de aceitar você como madrinha de batismo. A fé é da Igreja, o sacramento é católico e supõe leis católicas, e não se pode confundir de modo algum com direitos civis.
Como pároco, diversas vezes por obrigação de fé que tenho, tive que negar o direito até mesmo de casais heterossexuais de serem padrinhos pois viviam maritalmente sem estarem casados na Igreja, o que para a Igreja é um estado de pecado grave. O que quero dizer é que não tem nada a ver com preconceito, pois nem mesmo casais tradicionais que estejam em pecado têm direito de achar que a Igreja seja obrigada a aceitá-los como padrinhos. Um casal heterossexual, mesmo em pecado de fornicação, poderia pedir o batismo do seu filho(a), mas não poderia ser padrinho de uma criança enquanto não regularizar sua situação. Um casal homossexual pode pedir o batismo de seu filho(a) adotivo, mas também não pode ser padrinho de uma criança à semelhança do primeiro caso. Por que pode uma coisa e não pode outra? Porque o batismo é direito da criança em si, e não dos pais, por isso independente dos pais estarem numa condição de pecado, a criança tem seu direito preservado. E para ser padrinho ou madrinha o direito é reservado à autoridade da Igreja que tem total liberdade de escolher quem vai participar de sua missão evangelizadora e catequética. Ser padrinho significa dar testemunho de vida, e alguém numa vida de pecado, segundo à doutrina da Igreja, fica incapacitado de dar aos demais um exemplo de vida cristã. Pois a fé não é só um sentimento ou uma idéia bonita das coisas, e sim um modo de viver conforme os mandamentos revelados por Deus. Ao menos que eu esteja enganado e desatualizado de qualquer informação, sabemos publicamente pela mídia que você tem um relacionamento com outra mulher, chamada Andressa Ferreira. Respeitamos o seu livre arbítrio e a senhorita tem o direito de fazer o que quiser de sua vida. Só que frente a doutrina da Igreja, com base naquilo que está revelado nas Escrituras e pelo que devemos de obediência à doutrina apostólica, a sua condição atual configura-se um pecado. Ora insisto e reitero: de acordo com as nossas obrigações de fé.
Não entenda-se aqui minhas colocações como algo pessoal, ou como acusação e julgamento, e sim como mera constatação objetiva como representante da fé. Eu não tenho poder e autoridade para me opôr a esses elementos do credo, simplesmente posso aplicá-los e orientar os fiéis em suas dúvidas. Ora, dada essa condição, a senhorita estaria impedida de exercer o encargo de ser madrinha até regularizar a sua situação de vida mediante às obrigações de fé da Igreja. Isto é, não significa que você nunca poderá ser madrinha de ninguém, mas que nesta condição atual há um impedimento objetivo, assim como muitos casais heterossexuais em pecado também estão impedidos desse encargo. Lembramos que as portas da Igreja estão abertas a todos e que ela acolhe sem fazer acepção de pessoas, como Cristo. Já quanto a participar de sua missão, como é o caso dos padrinhos, exige muito mais das pessoas do que o simples desejo de ser acolhido e compreendido, demanda uma conversão profunda de fé que leva a radicais mudanças de paradigmas para corresponder integralmente ao credo católico. E para insistir nesse ponto, repito: a Igreja tem o direito de escolher quem participará de sua missão e quem ainda não está apto para isso. Creio que a senhorita compreenderá positivamente minhas palavras como pessoa de bem que é, uma vez que sei que ama a defesa dos direitos e da liberdade, e a Igreja tem o direito a sua liberdade religiosa. É saudável num estado democrático prestar vênia à liberdade religiosa e ao uso pleno das faculdades que tem de iniciar, admitir, e até mesmo negar determinadas demandas a alguém quando está em jogo a integridade do credo e verdadeira compreensão da fé. Termino dizendo que meu intento foi unicamente dar a orientação segundo o que ensina nossa fé Católica Apostólica Romana com a finalidade de dar ciência a senhorita e aos fiéis que levantaram durante todo dia de ontem numerosos questionamentos em nossas mídias católicas. Creio que essa orientação servirá para todos os outros casos em que se possam aplicar estes princípios normativos.
Eu rezo por você e pelos seus. E desejo-lhe a paz de Cristo.
Com estima fraterna,
Padre Augusto Bezerra
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