Recordei, hoje, de uma ocasião em que apreciava algumas obras de arte. Alguém me perguntou, diante de algumas pinturas de várias escolas, estilos e épocas, de qual eu mais gostava. Apontei uma, que decepcionou meu interlocutor: “O senhor, tão jovem, com um gosto tão acadêmico?!”
Não! Não é gosto acadêmico! É sede do simplesmente belo, sereno reflexo da beleza que Deus escondeu em todas as coisas!
Segundo Joseph Ratzinger, a arte cristã, hoje, encontra-se num dilema: por um lado, deve opor-se ao culto da feiura, que diz que tudo o que é belo é uma ilusão e que só a representação do cruel, baixo e vulgar é a verdade, a verdadeira luz do conhecimento, que exprime a crua e verdadeira realidade. Nesta linha, pense-se na grosseria das novelas e filmes, pense-se em certa arte que se compraz no bizarro, no exótico e hermético e até mesmo, em nome de certo tipo de denúncia, no simplesmente grotesco... No fundo, tal arte exprime o não-sentido, o absurdo de uma realidade que não é fruto de um Logos, de um Amor eterno e, portanto, de um Sentido que preenche toda a realidade. No fundo, trata-se de uma arte ateia...
Por outro, deve a sensibilidade artística cristã contrapor-se à beleza fraudulenta, que faz com que o ser humano se rebaixe ao invés de fazê-lo grande, e que, por essa razão, é falsa. Aqui, nesta falsa beleza, temos a arte do culto da forma sem conteúdo, como, por exemplo, a exposição do corpo humano, reduzido a objeto de sedução e incitação ao erotismo claro ou implícito... Nesta linha, a realidade aparece desprovida de consistência: tudo é reduzido a consumo e satisfação dos próprios sentidos: fica-se na casca, na aparência das coisas, sem a capacidade de contemplar realmente o ser em toda a sua beleza e em todo o seu mistério! Nunca deveríamos esquecer que o ser, pelo simples fato de ser, de ter escapado do nada, é digno de admiração e profundo respeito, afinal ele, por ser, torna-se gramática de um Criador, do Criador, Daquele que, sendo o próprio Ser, fonte de todo ser, chamou tudo do nada e conferiu-lhe um sentido!
Ratzinger invoca a famosa a frase do grande escritor russo, Dostoievsky: “A beleza salvará o mundo”. A que beleza alude o ilustre pensador? Refere-se ele àquela Beleza de que fala Santa Teresa d’Ávila: “Formosura que excedeis a toda formosura, sem ferir dor fazeis e sem dor desfazeis o amor da criatura!” Sim, a Beleza suprema que nos é dada a contemplar neste mundo, a Beleza, critério de toda outra beleza, a norma de toda estética realmente libertadora, é a Beleza redentora de Cristo, o Crucificado e Ressuscitado!
Precisamos aprender a contemplá-Lo, contemplar a beleza do Cristo – insiste Ratzinger. Contemplar significa entrar em simpatia, em sintonia com a estupenda realidade que Ele representa e produz no mundo: um Amor que Se doa totalmente para nos redimir, para nos divinizar! Um Amor que revela o sentido último de toda a realidade, mesmo a mais dolorosa e aparentemente absurda! Sem este Amor, o mundo morre sufocado pela banalidade e a feiura! Se nós O conhecermos, não apenas nas palavras, mas se formos trespassados pela flecha da Sua beleza paradoxal, - e só então O conheceremos verdadeiramente -, e não apenas porque ouvimos outras pessoas falando a Seu respeito, então teremos encontrado a beleza da Verdade, da Verdade que redime e seremos Suas felizes e entusiasmadas testemunhas!
Mas, precisamente aqui encontramo-nos na profunda crise do cristianismo atual, da Igreja dos nossos dias: perdemos o sentido da Beleza, do gozo de contemplar desinteressadamente! Nossa fé, nossa liturgia, nossa teologia tornaram-se demasiadamente conceituais, cartesianas!