sábado, 7 de setembro de 2019

Sínodo da Amazônia pode levar a cisma com Igreja Católica, alertam cardeais


Cardeais e lideranças católicas vêm alertando para o risco de um cisma a partir do Sínodo da Amazônia, que se realizará de 6 a 27 de outubro deste ano, no Vaticano. Os cardeais Walter Brandmüller e Raymond Burke escreveram cada um uma carta, em italiano, a outros membros do Colégio Cardenalicio, fazendo uma grave denúncia de alguns pontos do documento de trabalho do Sínodo (Instrumentum laboris), que caracterizaram de herético.

“Alguns pontos do Instrumentum laboris parecem não só estar em dissonância com o ensino autêntico da Igreja, mas são contrários a ela”, afirmou o Cardeal alemão Walter Brandmüller, em sua carta, no dia 28 de agosto.

O Cardeal também expressou sua preocupação sobre a participação do Cardeal brasileiro Claudio Hummes, em evento de caráter político-partidário contra o governo brasileiro. Dom Hummes preside a Rede Eclesiástica Panamazónica (Repam), instituição que, segundo o Bispo Emérito de Marajó (Brasil), Dom José Luis Azcona, teve um papel protagonista na redação do texto do Sínodo.

“O simples fato de que o Cardeal Hummes seja seu presidente lhe possibilitará uma grave influência no sentido negativo, e, isto nos basta para que nossa preocupação seja fundamentada e realista, de igual maneira no caso da participação dos bispos (Erwin) Kräutler, (Franz-Josef) Overbeck, etc.”, afirma Brandmüller.

Diversos bispos participantes do Sínodo vêm manifestando perigosa postura ideológica, ligada a movimentos e iniciativas políticas revolucionários. É o caso de Dom Overbeck, que em maio deste ano se manifestou a favor da “greve de mulheres” na Alemanha, protesto contra o Papa Francisco devido à negativa à ordenação de diaconisas. Além disso, o Bispo Erwin Kräutler, vice-presidente da Repam, defende a ordenação sacerdotal de homens casados.

Brandmüller advertiu também que “as formulações nebulosas do Instrumentum, como a pretendida criação de novos ministérios eclesiásticos para as mulheres e, sobretudo, a ordenação presbiteral dos chamados viri probati, suscitam a forte suspeita de que será colocado em questão até mesmo o celibato sacerdotal”. De fato, o Instrumentum Laboris propõe, que no caso da Amazônia, a ordenação de homens casados e de comprovada virtude poderá compensar a ausência de sacerdotes em algumas regiões.

Ante esta situação, continuou o Cardeal, “teremos que confrontar sérios ataques à integridade do Depositum fidei (o depósito da fé), à estrutura hierárquico-sacramental e à Tradição Apostólica da Igreja. Com tudo isto se criou uma situação nunca antes vista em toda a história da Igreja, nem sequer durante a crise ariana dos séculos IV e V”. Ario foi um bispo que negava a divindade de Cristo, que logo seria conhecida como a heresia do arrianismo.

Diocese esclarece “banho em padre” diante do Santíssimo Sacramento exposto


Imagem que circula na internet desde esta sexta-feira, dia 6, mostra um jovem despejando balde de água em um padre diante do Santíssimo Sacramento exposto. O vídeo repercutiu bastante e despertou muitas críticas.  O episódio foi esclarecido pela Diocese de Iguatu.



Bispos da Alemanha incentivam polêmica "assembleia sinodal"


Os bispos da Alemanha incentivam um programa polêmico com a criação de uma "assembleia sinodal" em cooperação com o Comitê Central de Católicos Alemães (ZdK, na sigla em alemão), uma organização que, em fevereiro deste ano, solicitou a mudança da moral sexual da igreja.

Essa decisão dos bispos ocorreu apesar da carta que o Papa Francisco escreveu em junho, dirigida ao povo de Deus na Alemanha, na qual solicitou que os católicos do país caminhem de mãos dadas com toda a Igreja.

Em março deste ano, o Cardeal Reinhard Marx, presidente do Episcopado alemão, anunciou o início de um "processo sinodal" para discutir alguns "temas essenciais" relacionados aos abusos sexuais na Igreja: celibato sacerdotal, ensinamentos da Igreja sobre moral sexual e redução do poder clerical.

Por esse motivo, em agosto e durante a assembleia dos bispos alemães, foi apresentado o esboço dos estatutos deste processo, no qual se propõe a formação de uma “assembleia sinodal” para revisar estes temas.

Fontes próximas à liderança católica alemã disseram à CNA – agência em inglês do Grupo ACI – que o processo sinodal já está em andamento com "certeza absoluta".

Papa Francisco nomeia três Presidentes Delegados do Sínodo sobre a Amazônia




O Papa Francisco nomeou os Presidentes Delegados da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-amazônica, a ser realizada no Vaticano de 6 a 27 de outubro, com o tema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”.

Os presidentes delegados são o Cardeal Baltazar Enrique Porras Cardozo, Administrador Apostólico de Caracas e Arcebispo de Mérida (Venezuela); Cardeal Pedro Ricardo Barreto Jimeno, Arcebispo de Huancayo, Peru, e Vice-Presidente da Rede Eclesial Pan-amazônica (REPAM); e o Cardeal João Braz de Aviz, Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica.

A nomeação dos três Presidentes Delegados foi divulgada neste sábado, 7 de setembro, através de um comunicado da Sala de Imprensa do Vaticano.

Verdadeiros pastores não devem ser “pretensiosos”, diz o Papa aos bispos em Madagascar


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 A MOÇAMBIQUE, MADAGASCAR E MAURÍCIO
(4 - 10 DE SETEMBRO DE 2019)

 ENCONTRO COM OS BISPOS DE MADAGASCAR
DISCURSO DO SANTO PADRE

Catedral de Andohalo, Antananarivo
Sábado, 7 de setembro de 2019

Amados irmãos no episcopado!

Obrigado, Senhor Cardeal, pelas suas palavras de boas-vindas em nome de todos os irmãos. Agradeço também por ter querido, com as mesmas palavras, mostrar como a missão que abraçamos se desenrola no meio de contradições: uma terra rica e tanta pobreza; uma cultura e uma sabedoria herdadas dos antepassados, que nos fazem valorizar a vida e a dignidade da pessoa humana, mas temos também de constatar a desigualdade e a corrupção. Nestas circunstâncias, é difícil a tarefa do pastor.

«Semeador de paz e de esperança» é o tema escolhido para esta visita, mas nele pode ecoar também a missão que nos foi confiada. De facto, somos semeadores, e aquele que semeia fá-lo na esperança; fá-lo contando com o seu esforço e empenho pessoal, mas sabendo que há muitos fatores que têm de concorrer para que a semente germine, cresça, se torne espiga e, por fim, grão abundante.

O semeador cansado e preocupado não desanima, não desiste, nem pega fogo ao seu campo quando algo corre mal. Sabe esperar, confia, assume as decepções da sua sementeira. Mas nunca cessa de amar este campo confiado aos seus cuidados. E embora às vezes lhe venha a tentação de o fazer, não o abandona nem confia a outrem. O semeador conhece a sua terra, «palpa-a», «sente-a» e prepara-a para que possa dar o melhor de si mesma. Como o Semeador, nós, bispos, somos chamados a lançar as sementes da fé e da esperança nesta terra. Para isso, devemos desenvolver este «olfato» que nos permite conhecer melhor e também descobrir o que compromete, dificulta ou arruína a sementeira.

Assim, «os pastores, acolhendo as contribuições das diversas ciências, têm o direito de exprimir opiniões sobre tudo aquilo que diz respeito à vida das pessoas, dado que a tarefa da evangelização implica e exige uma promoção integral de cada ser humano. Já não se pode afirmar que a religião deve limitar-se ao âmbito privado e serve apenas para preparar as almas para o céu. Sabemos que Deus deseja a felicidade dos seus filhos também nesta terra, embora estejam chamados à plenitude eterna, porque Ele criou todas as coisas “para nosso usufruto” (1 Tm 6, 17), para que todos possam usufruir delas. Por isso, a conversão cristã exige rever especialmente tudo o que diz respeito à ordem social e consecução do bem comum. Por conseguinte, ninguém pode exigir-nos que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos» (FRANCISCO, Exort. ap. Evangelii gaudium, 182-183).

Sei que não faltam motivos de preocupação e que, entre outras coisas, carregais no coração a responsabilidade de velar pela dignidade dos vossos irmãos, que pedem para se construir uma nação cada vez mais solidária e próspera, dotada de instituições sólidas e estáveis. Pode um pastor digno deste nome ficar indiferente aos desafios que enfrentam os seus compatriotas de todas as categorias sociais, independentemente da sua pertença religiosa? Pode um pastor segundo o estilo de Jesus ser indiferente às vidas que lhe estão confiadas?

A dimensão profética ligada à missão da Igreja requer, sempre e em toda parte, um discernimento que em geral não é fácil. Neste sentido, a colaboração madura e independente entre a Igreja e o Estado é um desafio permanente, disse colaboração madura e independente entre a Igreja e o Estado. Esse é o desafio: que seja madura e independente. Porque o perigo de conluio nunca está longe, sobretudo se chegamos a perder o ardor evangélico. Escutando sempre aquilo que o Espírito diz sem cessar às Igrejas (cf. Ap 2, 7), seremos capazes de escapar às ciladas, libertar o fermento do Evangelho para uma colaboração frutuosa com a sociedade civil na busca do bem comum.

A marca distintiva deste discernimento será a vossa preocupação por que a proclamação do Evangelho inclua todas as formas de pobreza: não apenas «garantir a comida ou um decoroso “sustento” para todos, mas prosperidade e civilização em seus múltiplos aspetos. Isto engloba educação, acesso aos cuidados de saúde e especialmente trabalho, porque, no trabalho livre, criativo, participativo e solidário, o ser humano exprime e engrandece a dignidade da sua vida. O salário justo permite o acesso adequado aos outros bens que estão destinados ao uso comum» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 192).

A defesa da pessoa humana é outra dimensão do nosso empenho pastoral. Para ser pastores segundo o coração de Deus, devemos ser os primeiros na opção de anunciar o Evangelho aos pobres. Os primeiro na opção por proclamar o Evangelho aos pobres: «Não devem subsistir dúvidas nem explicações que debilitem esta mensagem claríssima. Hoje e sempre, os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho, e a evangelização dirigida gratuitamente a eles é sinal do Reino que Jesus veio trazer. Há que afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Não os deixemos jamais sozinhos!» (Ibid., 48).

Por outras palavras, temos um dever particular de proximidade e proteção para com os pobres, os marginalizados e os pequeninos, para com as crianças e as pessoas mais vulneráveis, vítimas de exploração e abusos. Vítimas hoje desta cultura do descarte. Hoje, a mundanidade nos levou a introduzir nos programas sociais, nos programas de desenvolvimento, o descarte como possibilidade. O descarte do que está por nascer e o descarte do que está por morrer para acelerar a partida.

Este vasto campo não é desbravado e arroteado apenas pelo espírito profético, mas espera também a semente lançada à terra com paciência cristã, cientes ainda de que não temos o controle nem a responsabilidade de todo o processo. Não se pode. O semeador não vai cada dia escavar a terra para ver como a semente cresce.

Um pastor que semeia evita de controlar tudo. Os pastores controladores não deixam crescer. O pastor que semeia dá azo às iniciativas, deixa crescer segundo etapas diferentes, nem todos têm o mesmo tempo de crescimento, e não procura a uniformidade.

O verdadeiro pastor não tem pretensões irrazoáveis, não despreza os resultados aparentemente mais mingados. “Nesta ocasião foi assim... adiante, tranquilo. Na próxima vez, irá melhor”. Mas sempre sabe vender os resultados como vêm. Permitam-me que lhes diga como concebo em algumas ocasiões, qual imagem me vem à mente quando penso na vida do pastor. O pastor deve tomar a vida de onde vem, com os resultados que vierem.

O pastor é como o goleiro do time de futebol: ele pega a bola de onde é jogada. Sabe se mover, sabe tomar a liberdade de onde vem. E então corrige. Mas, no momento, toma a vida como vem. Esse é o amor do pastor. Esta fidelidade ao Evangelho faz de nós pastores próximos também do povo de Deus, a começar pelos nossos irmãos sacerdotes – são eles os nossos irmãos mais próximos – que devem beneficiar de um cuidado especial da nossa parte.

Aqui, permito-me sair do texto para falar da proximidade do pastor. O pastor deve ser próximo de Deus, próximo de seus sacerdotes e próximo do povo. As três proximidades do pastor. O pastor que se afasta do povo, que perde o cheiro do povo... É como um funcionário de corte, de corte Pontifícia, isso é importante, mas de corte, ao final. E isso não serve.

Papa Francisco visita mosteiro de clausura Carmelita em Madagascar




VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 A MOÇAMBIQUE, MADAGASCAR E MAURÍCIO
(4 - 10 DE SETEMBRO DE 2019)

ENCONTRO COM AS RELIGIOSAS CONTEMPLATIVAS
HOMILIA DO SANTO PADRE

Mosteiro das Carmelitas Descalças, Antananarivo, Madagascar
Sábado, 7 de setembro de 2019

DISCURSO PREPARADO PELO SANTO PADRE
E ENTREGUE DURANTE O ENCONTRO

Dileta Madre Madalena da Anunciação,
Irmãs muito amadas!

Agradeço-vos a receção calorosa e as palavras da Madre que dão voz a todas as monjas contemplativas dos diferentes mosteiros deste país. Obrigado a todas e cada uma de vós, queridas Irmãs, por terdes deixado brevemente a clausura para manifestar a vossa comunhão comigo e com a vida e a missão de toda a Igreja, especialmente a de Madagáscar.

Agradeço a vossa presença, a vossa fidelidade, o testemunho luminoso de Jesus Cristo que ofereceis à comunidade. Neste país, há pobreza; é verdade, mas existe também tanta riqueza! É rico de belezas naturais, humanas e espirituais. Também vós, Irmãs, fazeis parte desta beleza de Madagáscar, do seu povo e da Igreja, pois é a beleza de Cristo que resplandece nos vossos rostos e nas vossas vidas. Graças a vós, a Igreja em Madagáscar é ainda mais bela aos olhos do Senhor e também aos olhos do mundo inteiro.

Os três salmos da Liturgia de hoje expressam a angústia do salmista num momento de provação e perigo. Permiti que me detenha no primeiro salmo, ou seja, numa seção do Salmo 119, o mais longo do Saltério, composto de oito versículos por cada letra do alfabeto hebraico. O autor é, sem dúvida, um homem de contemplação, alguém que sabe dedicar longos e maravilhosos momentos à oração. Na estrofe de hoje (Sal 119/118, 81-88), a palavra que aparece mais vezes e dá o tom ao conjunto é «suspirar», usada principalmente em dois sentidos.

O orante suspira pelo encontro com Deus. Vós sois o testemunho vivo deste anseio inextinguível que habita no coração de todos os homens. No meio das múltiplas ofertas que pretendem – mas não conseguem – satisfazer o coração, a vida contemplativa é a tocha que conduz ao único braseiro eterno, «a chama viva de amor que docemente fere» (São João da Cruz). Vós representais «visivelmente a meta para onde caminha a comunidade eclesial inteira, que avança pelas estradas do tempo com o olhar fixo na futura recapitulação de tudo em Cristo, preanunciando assim a glória celeste» (Francisco, Const. ap. Vultum Dei quaerere, 2).

Somos sempre tentados a satisfazer o anseio de eternidade com coisas efémeras. Estamos expostos aos mares revoltos que acabam apenas por afogar a vida e o espírito: «Como o marinheiro no mar alto precisa do farol que indique a rota para chegar ao porto, assim o mundo tem necessidade de vós. Sede faróis para os que estão perto e sobretudo para os afastados. Sede tochas que acompanham o caminho dos homens e mulheres na noite escura do tempo. Sede sentinelas da manhã (cf. Is 21, 11-12) que anunciam o nascer do sol (cf. Lc 1, 78). Com a vossa vida transfigurada e com palavras simples ruminadas no silêncio, indicai-nos Aquele que é caminho, verdade e vida (cf. Jo 14, 6), o único Senhor que oferece plenitude à nossa existência e dá vida em abundância (cf. Jo 10, 10). Gritai-nos como André a Simão: “Encontramos o Messias” (cf. Jo 1, 40); anunciai, como Maria de Magdala na manhã da ressurreição: “Vi o Senhor!” (Jo 20, 18)» (Ibid., 6).

Em discurso, Papa pede que povo de Madagascar lute contra a corrupção

 
VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 A MOÇAMBIQUE, MADAGASCAR E MAURÍCIO
(4 - 10 DE SETEMBRO DE 2019)

ENCONTRO COM AS AUTORIDADES,
O CORPO DIPLOMÁTICO E VÁRIOS REPRESENTANTES
DA SOCIEDADE CIVIL

DISCURSO DO SANTO PADRE

Ceremony Building, Antananarivo, Madagascar
Sábado, 7 de setembro de 2019


Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-Ministro,
Ilustres membros do Governo e do Corpo Diplomático,
Distintas Autoridades,
Representantes das Confissões religiosas e da sociedade civil,
Senhoras e Senhores!

Saúdo cordialmente o Presidente da República de Madagáscar e agradeço-lhe o amável convite para visitar este país, bem como as palavras de boas-vindas que me dirigiu. O Senhor Presidente, falou com paixão, falou com amor pelo Seu povo. Agradeço-Lhe pelo Seu testemunho de patriota. Saúdo também o Primeiro-Ministro, os membros do governo, do corpo diplomático e os representantes da sociedade civil. Dirijo uma saudação fraterna aos bispos, aos membros da Igreja Católica, aos representantes de outras confissões cristãs e de várias religiões. Agradeço a todas as pessoas e instituições que tornaram possível esta viagem e, de modo particular, ao povo malgaxe que nos acolhe com grande hospitalidade.

No preâmbulo da Constituição da vossa República, quisestes consignar um dos valores fundamentais da cultura malgaxe: o fihavanana, termo que evoca o espírito de partilha, ajuda mútua e solidariedade; mas inclui também a importância dos laços familiares, da amizade e da benevolência entre os homens e para com a natureza. Revelam-se, assim, a «alma» do vosso povo e os traços peculiares que o caraterizam, constituem e lhe permitem resistir, corajosa e abnegadamente, às múltiplas contrariedades e dificuldades que tem de enfrentar diariamente. Se devemos reconhecer, valorizar e apreciar esta terra abençoada pela sua beleza e inestimável riqueza natural, não é menos importante fazê-lo também pela «alma» que vos dá a força de permanecer empenhados com a aina (isto é, com a vida), como bem lembrou o padre António de Pádua Rahajarizafy SJ.

Depois que recuperou a independência, a vossa nação aspira à estabilidade e à paz, implementando uma alternância democrática positiva que testemunha respeito pela complementaridade dos estilos e projetos. Isto demonstra que «a política é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras do homem» (Francisco, Mensagem para o LII Dia Mundial da Paz, 1 de janeiro de 2019), quando é vivida como serviço à coletividade humana. Por isso, é claro que a função e a responsabilidade política constituem um desafio permanente para quantos têm a missão de servir e proteger os seus compatriotas, especialmente os mais vulneráveis, e de promover as condições para um desenvolvimento digno e justo, envolvendo todos os atores da sociedade civil. Porque, como lembrava São Paulo VI, o desenvolvimento de uma nação «não se reduz a um simples crescimento econômico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo» (Carta enc. Populorum progressio, 14).

Nesta perspetiva, encorajo-vos a lutar, vigorosa e decididamente, contra todas as formas endémicas de corrupção e especulação, que aumentam a disparidade social, e a enfrentar as situações de grande precariedade e exclusão que geram sempre condições de pobreza desumana. Daí a necessidade de estabelecer todas as mediações estruturais que possam garantir uma melhor distribuição do rendimento e a promoção integral de todos os habitantes, especialmente dos mais pobres. Tal promoção não se pode limitar a uma mera assistência, mas requer o seu reconhecimento como sujeitos jurídicos chamados a participar plenamente na construção do seu futuro (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 204-205).

Além disso, sabemos que não se pode falar de desenvolvimento integral sem prestar atenção e cuidar da nossa Casa Comum. Não se trata apenas de encontrar os instrumentos para preservar os recursos naturais, mas de procurar «soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. [Porque] não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socio-ambiental» (Francisco, Carta enc. Laudato si’, 139).

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Papa Francisco: Não se pode ser cristão e promover o “olho por olho, dente por dente”



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 A MOÇAMBIQUE, MADAGASCAR E MAURÍCIO
(4 - 10 DE SETEMBRO DE 2019)

SANTA MISSA PELO PROGRESSO DOS POVOS

HOMILIA DO SANTO PADRE

Estádio de Zimpeto de Maputo, Moçambique
Sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Amados irmãos e irmãs!

Ouvimos no Evangelho de Lucas uma passagem do Sermão da Planície. Depois de escolher os seus discípulos e ter proclamado as Bem-aventuranças, Jesus acrescenta: «Digo-vos a vós que Me escutais: “Amai os vossos inimigos”» (Lc 6, 27). Uma palavra dirigida hoje também a nós, que O escutamos neste Estádio.

Di-lo com clareza, simplicidade e firmeza traçando uma senda, um caminho estreito que requer algumas virtudes. Porque Jesus não é um idealista, que ignora a realidade; está a falar do inimigo concreto, do inimigo real, que descrevera na Bem-aventurança anterior (6, 22): aquele que nos odeia, expulsa, insulta e rejeita como infame.

Muitos de vós podem ainda contar, em primeira pessoa, histórias de violência, ódio e discórdias; alguns, em sua própria carne; outros, de alguém conhecido que já cá não está; e outros ainda pelo temor de que feridas do passado se repitam e tentem apagar o caminho de paz já percorrido, como em Cabo Delgado.

Jesus não nos convida a um amor abstrato, etéreo ou teórico, redigido em escrivaninhas para discursos. O caminho que nos propõe é o que Ele percorreu primeiro, o caminho que O fez amar aqueles que O traíram, julgaram injustamente, aqueles que O matariam.

É difícil falar de reconciliação, quando ainda estão vivas as feridas causadas durante tantos anos de discórdia, ou convidar a dar um passo de perdão que não signifique ignorar o sofrimento nem pedir que se cancele a memória ou os ideais (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 100). Mesmo assim, Jesus convida a amar e a fazer o bem. E isto é muito mais do que ignorar a pessoa que nos prejudicou ou esforçar-se por que não se cruzem as nossas vidas: é um mandato que visa uma benevolência ativa, desinteressada e extraordinária para com aqueles que nos feriram. Mas Jesus não fica por aí; pede-nos também que os abençoemos e rezemos por eles; isto é, que o nosso falar deles seja um bendizer, gerador de vida e não de morte, que pronunciemos os seus nomes não para insulto ou vingança, mas para inaugurar um novo vínculo que leve à paz. Alta é a medida que o Mestre nos propõe!

Com tal convite, Jesus quer encerrar para sempre a prática tão usual – ontem como hoje – de ser cristão e viver sob a lei de talião. Não se pode pensar o futuro, construir uma nação, uma sociedade sustentada na «equidade» da violência. Não posso seguir Jesus, se a ordem que promovo e vivo é «olho por olho, dente por dente».

Nenhuma família, nenhum grupo de vizinhos ou uma etnia e menos ainda um país tem futuro, se o motor que os une, congrega e cobre as diferenças é a vingança e o ódio. Não podemos pôr-nos de acordo e unir-nos para nos vingarmos, para fazermos àquele que foi violento o mesmo que ele nos fez, para planearmos ocasiões de retaliação sob formatos aparentemente legais. «As armas e a repressão violenta, mais do que dar solução, criam novos e piores conflitos» (Ibid., 60). A «equidade» da violência é sempre uma espiral sem saída; e o seu custo, muito alto. Há outro caminho possível, porque é crucial não esquecer que os nossos povos têm direito à paz. Vós tendes direito à paz.

Para tornar o seu convite mais concreto e aplicável no dia-a-dia, Jesus propõe uma primeira regra de ouro ao alcance de todos – «como quereis que os outros vos façam, fazei-lho vós também» (Lc 6, 31) – e ajuda-nos a descobrir o que é mais importante nesta reciprocidade de trato: amar-nos, ajudar-nos e emprestar sem esperar nada em troca.

«Amar-nos»: diz-nos Jesus. E Paulo traduz isso como «revestir-nos de sentimentos de misericórdia e de bondade» (Col 3, 12). O mundo desconhecia – e continua sem conhecer – a virtude da misericórdia, da compaixão, matando ou abandonando deficientes e idosos, eliminando feridos e enfermos, ou divertindo-se com os sofrimentos dos animais. Também não praticava a bondade, a amabilidade, que nos move a considerar o bem do próximo tão querido como o próprio.

Superar os tempos de divisão e violência supõe não só um ato de reconciliação ou a paz entendida como ausência de conflito, implica também o compromisso diário de cada um de nós ter um olhar atento e ativo que nos leva a tratar os outros com aquela misericórdia e bondade com que queremos ser tratados; misericórdia e bondade sobretudo com aqueles que, pela sua condição, rapidamente acabam rejeitados e excluídos. Trata-se de uma atitude, não de débeis, mas de fortes, uma atitude de homens e mulheres que descobrem que não é necessário maltratar, denegrir ou esmagar para se sentirem importantes; antes pelo contrário... E esta atitude é a força profética que o próprio Jesus Cristo nos ensinou ao querer identificar-Se com eles (cf. Mt 25, 35-45) e ao mostrar-nos que o serviço é o caminho.