VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA
FRANCISCO
A MOÇAMBIQUE, MADAGASCAR E MAURÍCIO
(4 - 10 DE SETEMBRO DE
2019)
SANTA MISSA PELO PROGRESSO DOS POVOS
HOMILIA DO SANTO PADRE
Estádio de Zimpeto de
Maputo, Moçambique
Sexta-feira, 6 de
setembro de 2019
Amados irmãos e irmãs!
Ouvimos no Evangelho de Lucas uma passagem do
Sermão da Planície. Depois de escolher os seus discípulos e ter proclamado as
Bem-aventuranças, Jesus acrescenta: «Digo-vos a vós que Me escutais: “Amai os
vossos inimigos”» (Lc 6, 27). Uma palavra dirigida hoje também a nós, que O
escutamos neste Estádio.
Di-lo com clareza, simplicidade e firmeza
traçando uma senda, um caminho estreito que requer algumas virtudes. Porque
Jesus não é um idealista, que ignora a realidade; está a falar do inimigo concreto,
do inimigo real, que descrevera na Bem-aventurança anterior (6, 22): aquele que
nos odeia, expulsa, insulta e rejeita como infame.
Muitos de vós podem ainda contar, em primeira
pessoa, histórias de violência, ódio e discórdias; alguns, em sua própria
carne; outros, de alguém conhecido que já cá não está; e outros ainda pelo
temor de que feridas do passado se repitam e tentem apagar o caminho de paz já
percorrido, como em Cabo Delgado.
Jesus não nos convida a um amor abstrato,
etéreo ou teórico, redigido em escrivaninhas para discursos. O caminho que nos
propõe é o que Ele percorreu primeiro, o caminho que O fez amar aqueles que O
traíram, julgaram injustamente, aqueles que O matariam.
É difícil falar de reconciliação, quando ainda
estão vivas as feridas causadas durante tantos anos de discórdia, ou convidar a
dar um passo de perdão que não signifique ignorar o sofrimento nem pedir que se
cancele a memória ou os ideais (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium,
100). Mesmo assim, Jesus convida a amar e a fazer o bem. E isto é muito mais do
que ignorar a pessoa que nos prejudicou ou esforçar-se por que não se cruzem as
nossas vidas: é um mandato que visa uma benevolência ativa, desinteressada e
extraordinária para com aqueles que nos feriram. Mas Jesus não fica por aí;
pede-nos também que os abençoemos e rezemos por eles; isto é, que o nosso falar
deles seja um bendizer, gerador de vida e não de morte, que pronunciemos os
seus nomes não para insulto ou vingança, mas para inaugurar um novo vínculo que
leve à paz. Alta é a medida que o Mestre nos propõe!
Com tal convite, Jesus quer encerrar para
sempre a prática tão usual – ontem como hoje – de ser cristão e viver sob a lei
de talião. Não se pode pensar o futuro, construir uma nação, uma sociedade
sustentada na «equidade» da violência. Não posso seguir Jesus, se a ordem que
promovo e vivo é «olho por olho, dente por dente».
Nenhuma família, nenhum grupo de vizinhos ou
uma etnia e menos ainda um país tem futuro, se o motor que os une, congrega e
cobre as diferenças é a vingança e o ódio. Não podemos pôr-nos de acordo e
unir-nos para nos vingarmos, para fazermos àquele que foi violento o mesmo que
ele nos fez, para planearmos ocasiões de retaliação sob formatos aparentemente
legais. «As armas e a repressão violenta, mais do que dar solução, criam novos
e piores conflitos» (Ibid., 60). A «equidade» da violência é sempre uma espiral
sem saída; e o seu custo, muito alto. Há outro caminho possível, porque é
crucial não esquecer que os nossos povos têm direito à paz. Vós tendes direito
à paz.
Para tornar o seu convite mais concreto e
aplicável no dia-a-dia, Jesus propõe uma primeira regra de ouro ao alcance de
todos – «como quereis que os outros vos façam, fazei-lho vós também» (Lc 6, 31)
– e ajuda-nos a descobrir o que é mais importante nesta reciprocidade de trato:
amar-nos, ajudar-nos e emprestar sem esperar nada em troca.
«Amar-nos»: diz-nos Jesus. E Paulo traduz isso
como «revestir-nos de sentimentos de misericórdia e de bondade» (Col 3, 12). O
mundo desconhecia – e continua sem conhecer – a virtude da misericórdia, da
compaixão, matando ou abandonando deficientes e idosos, eliminando feridos e
enfermos, ou divertindo-se com os sofrimentos dos animais. Também não praticava
a bondade, a amabilidade, que nos move a considerar o bem do próximo tão
querido como o próprio.
Superar os tempos de divisão e violência supõe
não só um ato de reconciliação ou a paz entendida como ausência de conflito,
implica também o compromisso diário de cada um de nós ter um olhar atento e
ativo que nos leva a tratar os outros com aquela misericórdia e bondade com que
queremos ser tratados; misericórdia e bondade sobretudo com aqueles que, pela
sua condição, rapidamente acabam rejeitados e excluídos. Trata-se de uma atitude,
não de débeis, mas de fortes, uma atitude de homens e mulheres que descobrem
que não é necessário maltratar, denegrir ou esmagar para se sentirem
importantes; antes pelo contrário... E esta atitude é a força profética que o
próprio Jesus Cristo nos ensinou ao querer identificar-Se com eles (cf. Mt 25,
35-45) e ao mostrar-nos que o serviço é o caminho.
Moçambique possui um território cheio de
riquezas naturais e culturais, mas paradoxalmente com uma quantidade enorme da
sua população abaixo do nível de pobreza. E por vezes parece que aqueles que se
aproximam com o suposto desejo de ajudar, têm outros interesses. E é triste
quando isto se verifica entre irmãos da mesma terra, que se deixam corromper; é
muito perigoso aceitar que a corrupção seja o preço que temos de pagar pela
ajuda externa.
«Não seja assim entre vós» (Mt 20, 26; cf. vv.
26-28). Com as suas palavras, Jesus impele-nos a ser protagonistas de outro
trato: o do seu Reino. Aqui e agora, sementes de alegria e esperança, paz e
reconciliação. O que o Espírito vem impelir não é um ativismo transbordante,
mas, antes de tudo, uma atenção prestada ao outro, reconhecendo-o e
valorizando-o como irmão até sentir a sua vida e a sua dor como a nossa vida e
a nossa dor. Este é o melhor termómetro para descobrir as ideologias de todo e
qualquer tipo que tentam manipular os pobres e as situações de injustiça ao
serviço de interesses políticos ou pessoais (cf. Evangelii gaudium, 199). Só
assim poderemos ser, no lugar onde nos encontrarmos, sementes e instrumentos de
paz e reconciliação.
Queremos que reine a paz nos nossos corações e
no palpitar do nosso povo. Queremos um futuro de paz. Queremos que «reine em
vossos corações a paz de Cristo» (Col 3, 15), como justamente dizia a carta de
São Paulo. Ele usa um verbo que vem do mundo do desporto e faz referência ao
árbitro que decide as coisas discutíveis: «que a paz de Cristo seja o árbitro
em vossos corações». Se a paz de Cristo é o árbitro nos nossos corações, então
quando os sentimentos estão em conflito e nos achamos indecisos entre dois
sentidos opostos, «façamos o jogo» de Cristo. A decisão de Cristo manter-nos-á
no caminho do amor, na senda da misericórdia, na opção pelos mais pobres, na
salvaguarda da natureza. No caminho da paz. Se Jesus for o árbitro entre as
emoções em conflito do nosso coração, entre as decisões complexas do nosso
país, então Moçambique tem garantido um futuro de esperança; então o vosso país
cantará «a Deus, com gratidão e de todo o coração, salmos, hinos e cânticos
inspirados» (Col 3, 16).
Agradecimento do Santo Padre no final da Santa Missa
No termo desta minha visita, quero dizer
«obrigado» a todas as pessoas e entidades que colaboraram para a sua
realização; a começar por esta arquidiocese de Maputo e seu Pastor, Dom
Francisco Chimoio, a quem agradeço a fraterna hospitalidade e também a
venturosa saudação que acaba de me dirigir, em nome dos irmãos bispos e de todo
o povo de Deus. Uma palavra de particular gratidão vai para o senhor Presidente
Filipe Nyusi pelo trato rico de atenções que recebi, tanto a nível pessoal como
através das várias instituições governamentais e das forças de segurança da
nação. Agradeço o trabalho sacrificado e silencioso dos membros da comissão
organizadora e de tantos voluntários. O meu reconhecimento aos jornalistas e a
todo este bom povo que saiu de casa para me saudar.
Irmãs e irmãos, sei do sacrifício que tivestes
de fazer para participar nas celebrações e encontros e sei também que se
molharam todos – espero – com água abençoada. Aprecio-o e agradeço-o de
coração. E agradeço também a quantos não o puderam fazer, em consequência dos
recentes ciclones: Queridos irmãos, senti de igual modo o vosso apoio! E digo a
todos: tendes tantos motivos para esperar! Vi-o, toquei-o com a mão nestes
dias. Por favor, guardai a esperança; não deixeis que vo-la roubem. E não há
melhor maneira de guardar a esperança do que permanecer unidos, para que todos
aqueles motivos que a sustentam se consolidem sempre mais num futuro de
reconciliação e de paz em Moçambique. Assim Deus vos abençoe e a Virgem Mãe vos
proteja! E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado.
_______________________
Santa Sé
Nenhum comentário:
Postar um comentário