Bispos de todo o Brasil, mais de trezentos, reunidos em Aparecida para a 51ª Assembleia Geral da CNBB, tiveram como tema principal das discussões “Comunidade de Comunidades: uma nova Paróquia”. A expressão “comunidade de comunidades” é mais antiga, mas ganhou força no Documento de Aparecida, em 2007 (DAp, 309), para descrever o que é a Igreja. Em 2011, os Bispos do Brasil incluíram essa expressão como uma das urgências da ação evangelizadora, expressas nas Diretrizes Gerais para o Brasil. Nesta assembleia, os Bispos juntaram a essa expressão “Comunidade de Comunidades” uma outra ideia, a de renovar as paróquias para que se tornem mais adequadas à realidade do mundo de hoje.
Renovar as Paróquias
As paróquias existem desde os primeiros séculos do cristianismo, e persistem até hoje como ponto de referência mais próximo e visível para o povo cristão encontrar-se com Deus. Todos identificam a Paróquia com um determinado território, que tem como centro a Igreja paroquial, e as comunidades que fazem parte dela são as Capelas, espalhadas por esse território. Os fiéis que residem nesse território fazem parte da mesma paróquia, e ali buscam os serviços religiosos de que necessitam, sobretudo a missa dominical, as orações, e os sacramentos em geral. Esse quadro simples, porem, não descreve mais a Paróquia de hoje.
A vida urbana e as grandes mudanças na cultura atual questionam a instituição paroquial. Nas cidades, já não há essa delimitação territorial nem pertença a uma paróquia. A facilidade de locomoção leva os fiéis a procurarem o seu ambiente de fé independente do território paroquial. Muitos já não têm mais o sentido de pertença a uma comunidade definida. Os meios de comunicação colocam dentro de casa a missa da Canção Nova, do Santuário de Aparecida ou do Pai Eterno, e é possível se associar a essas comunidades mais intensamente que à Igreja local. Muitos até questionam se não estaria na hora de extinguir a paróquia, e partir para outras formas de organização da vida religiosa. Mas quais seriam essas outras formas?
Os bispos da América Latina, em Aparecida, reafirmaram a importância da paróquia, e pediram que fosse renovada. Na continuação do Documento de Aparecida, também as Diretrizes Gerais afirmam essa necessidade. Renovar a Paróquia tem sido a prioridade do nosso Regional Sul 2, do Paraná, nesses últimos anos. Mas como fazer isso? Uma possível resposta está sendo proposta agora pelos Bispos do Brasil, na última Assembleia Geral, acontecida em Aparecida, de 10 a 19 de abril. O documento de estudos, aprovado pela CNBB se chama “Comunidade de Comunidades: uma nova Paróquia”, e nós precisamos conhecer essa proposta.
Por que recuperar a Comunidade
Hoje se fala muito em comunidade. Comunidade paroquial, comunidade escolar, comunidade econômica, comunidade familiar, e até comunidades virtuais, espalhadas pelas redes de computadores. Fala-se muito, mas, na realidade, vivemos num mundo onde cada um vive para si. Um mundo cada vez mais anônimo, pessoas isoladas pela competição e fechadas no individualismo, uma solidão de doer. As famílias que deveriam ser a comunidade mais próxima, e de íntima convivência, desintegram-se. Os meios de comunicação, que deviam aproximar as pessoas, acabam distanciando: não é difícil ver uma família na sala, onde alguns olham calados para a TV, enquanto outros estão entretidos, cada um com seu celular ou computador... São os tempos de hoje.
Guardadas as proporções, o mesmo aconteceu no tempo de Jesus: O Império Romano havia transformado rapidamente as estruturas da sociedade. O povo de Israel, que tinha por tradição uma forte experiência familiar, estava em grande decomposição, for força da nova cultura romana que misturava diversos povos. As “tradições paternas” do judaísmo se quebravam na maré forte de novos costumes. Nesse contexto Jesus começa a reconstruir o sentido de “comunidade”. Primeiro, convida os apóstolos, forma com eles uma pequena comunidade bem unida. Depois começa a conquistar discípulos formando uma nova família. Quem é minha mãe, quem são meus irmãos? – pergunta Jesus. “São aqueles que fazem a vontade do Pai, esses são meus irmãos” (cf. Mc 3, 34-35). Na nova comunidade de Jesus, a lei maior é o amor, a autoridade é serviço, a reconciliação é a prática diária, a partilha dos bens é a regra. Essa nova comunidade de Jesus, com a pregação dos primeiros discípulos, se espalhou rapidamente pela Galileia. E depois da ressurreição mais ainda, quando “o Senhor ia ajuntando à comunidade dos discípulos milhares de outros que deviam ser salvos” (cf. At 2,47). É muito claro que sem comunidade não há como viver nesta nova família fundada por Jesus.
À luz da experiência dos primeiros discípulos, o que seria, hoje, recuperar a comunidade? Como fazer das nossas paróquias o lugar da experiência de Cristo vivo, o lugar da fraternidade e da comunhão de vida? Na grande comunidade paroquial onde as pessoas não se conhecem, não se relacionam como irmãos, não partilham suas esperanças, suas dificuldades e angústias, não celebram concretamente a vida e ao amor, isso não é possível. Já uma paróquia formada de pequenas comunidades que favoreçam a partilha de vida, onde há proximidade afetiva, onde se formam discípulos missionários, esse encontro com Cristo, é possível. Nas pequenas comunidades, é possível a leitura orante da Palavra de Deus, o acompanhamento dos enlutados, a inserção dos novos cristãos, a preocupação com os pobres, a transmissão da fé pelo testemunho junto às crianças, adolescentes e jovens, a espiritualidade própria e variada dos movimentos e grupos, com suas vertentes de espiritualidade. Nos setores formados por vizinhança, por núcleos de interesses, grupos profissionais, por faixas etárias, ambiente de convivência, e muitas outras modalidades, Cristo vivo se faz presente, segundo a fórmula que ele mesmo ditou: “onde dois ou mais estão reunidos em meu nome, eu estou no meio deles” (Mt 18,20).
Uma nova Paróquia
Uma nova paróquia, comunidade de comunidades, não é apenas uma estratégia para as necessidades espirituais do momento. Nem pode ser uma tentativa de estancar a diminuição do número de fieis que frequentam a Igreja. Trata-se de redescobrir as raízes da experiência cristã, refazer o caminho proposto por Cristo aos discípulos, juntar-se a ele, que continua vivo e presente na sua Igreja. A nova paróquia não é, em primeiro lugar, uma estrutura, um território, um edifício, mas é, sobretudo, a família de Deus. Enquanto espaço da comunidade, a Paróquia reúne cristãos em grupos que se comprometem em viver a fé e o evangelho de forma comunitária, garante a esses grupos a vida eucarística, a formação missionária, se abre para acolher os mais afastados, vai ao encontro dos necessitados. As pequenas comunidades que formam uma paróquia renovada não se fecham em si mesmas. Não são pequenos mundos isolados. Encontram na paróquia o seu ponto de integração e união. O pároco, como animador de toda a vida paroquial, há de estar presente, em todas as comunidades, mas isso não significa um aumento de trabalho do padre, antes a urgência de um verdadeiro protagonismo de leigos e leigas, como já foi pedido pelo Concilio, cinquenta anos atrás. Igualmente a Paróquia renovada estará necessariamente ligada à vida diocesana. Esta unidade é essencial e se expressa na oração, nos vínculos de pertença, na pastoral orgânica e de conjunto. O planejamento diocesano permite novas inspirações para a ação, e permite que cada comunidade mantenha a unidade na diversidade das realidades. O olhar aberto das comunidades, para a realidade paroquial, para as demais paróquias, especialmente as que estão em áreas pastorais mais carentes, para a diocese, e mesmo para a as áreas de missão além das fronteiras da diocese, deverá ser sinal de vida “sadia” de uma comunidade de comunidades. Vamos lembrar o que disse o Papa Francisco recentemente: “Uma Igreja que se fecha em si mesma, mais cedo ou mais tarde adoece na atmosfera viciada de seu confinamento. Também é verdade que uma Igreja que sai, pode acontecer o mesmo que a uma pessoa quando vai para a rua: sofrer um acidente. Diante desta alternativa, quero lhes dizer, francamente, que prefiro mil vezes uma Igreja acidentada a uma Igreja doente”. (Carta aos bispos argentinos, 18 de abril).
Proposições
O texto de estudos “Comunidade de Comunidades: uma nova Paróquia”, já está nas mãos dos párocos e, através deles, deverá chegar ao conhecimento de todas as comunidades. Deve ser objeto de estudo dos Conselhos Pastorais. O texto termina com algumas proposições bem concretas. A CNBB pede que durante este ano, a reflexão atenta, a criatividade, a multiplicação dos grupos, a formação dos leigos, o envolvimento dos movimentos de espiritualidade, as novas experiências de vida e missão, enriqueçam o texto com modelos vivos de paróquias renovadas. A partir do mês de outubro deste ano, o grupo que trabalhou na redação deste estudo começará a recolher essas experiências, que deverão iluminar um novo e definitivo documento da CNBB. Convido os nossas paróquias, clero e leigos, como fruto concreto deste “Ano da Fé” que se encerra em outubro, a abraçar com gosto e coragem a tarefa proposta. Não me digam que será uma tarefa fácil. O próprio Documento de Aparecida já reconhecia ser difícil, porém necessária a renovação. Nas Diretrizes Gerais lemos assim: “O caminho para que a Paróquia se torne verdadeiramente uma comunidade de comunidades é inevitável, desafiando a criatividade, o respeito mútuo, a sensibilidade para o momento histórico e a capacidade de agir com rapidez.”(DGAE, 63).
Dom João Bosco
Bispo de União da Vitória (SC)