quinta-feira, 22 de março de 2018

Semana Santa, a Semana Maior



A semana santa é para os cristãos a Semana maior. E diz-se assim não porque seja cronologicamente maior do que as outras, como se tivesse mais dias, mas porque nela os cristãos celebram com intensidade o mistério mais profundo e mais importante a partir do qual toda a realidade adquire sentido. Mais ainda: cada dia da semana santa, e muito especialmente o tríduo pascal, tem uma tal densidade que concentra em si todo o sentido da história.

1. Quinta-feira santa: a última Ceia e a agonia de Jesus no jardim da Oliveiras

Na quinta-feira santa, na celebração da Ceia do Senhor, Jesus interpreta o sentido da sua vida e da sua morte, como Corpo entregue e sangue derramado, donde surgem dois grandes sacramentos que serão um o memorial e o outro o serviço deste memorial, a Eucaristia e a Ordem: Estes dois sacramentos constituem a síntese de todos os dons que Deus jamais podia fazer ao homem, porque são o sinal do amor como entrega e como serviço até ao fim. Depois à noite, na vigília de oração, a Igreja contempla a agonia de Jesus no jardim das oliveiras e a prisão, com o sinal tremendo do beijo de Judas. O que se celebra na quinta-feira santa é o que há de mais profundo na existência humana…

2. Sexta-feira santa: amou-nos e entregou-se por nós, morrendo de amor

Na sexta-feira santa, é a condenação de Jesus pelo tribunal judaico, o Sinédrio, e pelos romanos, na pessoa do Procurador Romano, Pôncio Pilatos. A multidão prefere Barrabás e Pilatos lava as mãos, entregando o inocente. A Paixão de Jesus é para nós cristãos o centro e o ponto final para onde tende todo o sentido da história da humanidade, a hora que Deus pensou desde toda a eternidade, na qual manifestou a sua glória, que é o seu amor, que quer que o pecador se converta e viva; a glória de Deus que é que o homem viva, sendo que a vida do homem está na contemplação desta hora, de que tanto fala o Evangelho de S. João: Deus amou de tal modo o homem… levou até ao fim o seu amor por eles… Chegou a hora! Glorifica, Pai, o teu Nome!… São expressões que encontramos em S. João… 

quarta-feira, 21 de março de 2018

4ª Pregação da Quaresma 2018: "Cada qual seja submisso às autoridades constituídas".



"CADA QUAL SEJA SUBMISSO ÀS AUTORIDADES CONSTITUÍDAS”

 A obediência a Deus na vida cristã.

1. O fio do alto

 

Ao delinear os traços, ou as virtudes, que devem resplandecer na vida dos renascidos do Espírito, depois de ter falado da caridade e da humildade, São Paulo, no capítulo 13 da Carta aos Romanos, também fala da obediência:

"Cada qual seja submisso às autoridades constituídas, porque não há autoridade que não venha de Deus; as que existem foram instituídas por Deus. Assim, aquele que resiste à autoridade, opõe-se à ordem estabelecida por Deus" (Rm, 13,1 ss).

O restante da passagem, que fala da espada e dos tributos, bem como a comparação com outros textos do Novo Testamento sobre o mesmo assunto (cf. Tt 3, 1; 1 Pd 2, 13-15), indicam claramente que o Apóstolo não fala aqui da autoridade em geral e de qualquer autoridade, mas apenas da autoridade civil e estatal. São Paulo trata de um aspecto particular da obediência que era particularmente sentido quando ele escrevia e, talvez, também pela comunidade à qual ele escrevia.

Era o momento em que estava amadurecendo, dentro do judaísmo palestino, a revolta zelota contra Roma que terminará, alguns anos depois, com a destruição de Jerusalém. O cristianismo nasceu do judaísmo; muitos membros da comunidade cristã, também de Roma, eram judeus convertidos. O problema de obedecer ou não ao Estado romano colocava-se, indiretamente, também para os cristãos.

A Igreja apostólica estava diante de uma escolha decisiva. São Paulo, como também todo o Novo Testamento, resolve o problema à luz da atitude e das palavras de Jesus, especialmente da palavra sobre o tributo a César (cf. Mc 12, 17). O Reino pregado por Cristo "não é deste mundo", não é, isto é, de natureza nacional e política. Pode, por conseguinte, viver sob qualquer regime político, aceitando suas vantagens (como era a cidadania romana), mas também as suas leis. O problema é, em suma, resolvido no sentido de obediência ao Estado.

A obediência ao Estado é uma conseqüência e um aspecto de uma obediência muito mais importante e abrangente que o Apóstolo chama de "obediência ao Evangelho" (cf. Rm 10, 16). A severa advertência do Apóstolo mostra que pagar impostos e, em geral, cumprir o próprio dever com a sociedade não é apenas um dever civil, mas também um dever moral. Aqueles que o transgridem não só enfrentarão o juízo do Estado, mas também o de Deus.

Tudo isso é muito atual, mas nós não podemos limitar o discurso sobre a obediência somente a este aspecto de obediência ao Estado. São Paulo nos mostra o lugar onde se coloca o discurso cristão sobre a obediência, mas não nos diz, neste único texto, tudo o que se pode dizer sobre essa virtude. Ele traça aqui as consequências de princípios anteriores, na mesma Carta aos Romanos e em outros lugares, e devemos buscar esses princípios para fazer um discurso sobre a obediência que seja útil e atual para nós hoje.

Devemos ir à descoberta da obediência "essencial", a partir da qual surgem todas as obediências particulares, inclusive aquela às autoridades civis. De fato, há uma obediência que diz respeito a todos - superiores e súditos, religiosos e leigos - , que é a mais importante de todas, que governa e vivifica todas as outras, e esta obediência não é a obediência do homem ao homem, mas a obediência do homem a Deus.

Depois do Concílio Vaticano II, alguém escreveu: "Se há um problema de obediência hoje, não é o da docilidade direta ao Espírito Santo - ao qual, pelo contrário, todos mostram aderir-se voluntariamente - mas sim a submissão a uma hierarquia, a uma lei e a uma autoridade humanamente expressadas". Estou convencido de que este é o caso. Mas é precisamente para tornar possível de novo esta obediência concreta à lei e à autoridade visível que devemos recomeçar da obediência a Deus e ao Seu Espírito.

A obediência a Deus é como "o fio do alto” que mantém a esplêndida teia da aranha pendurada em uma sebe. Descendo do alto por meio do fio que ela própria produz, a aranha constrói a sua teia, perfeita e tensa em cada canto. No entanto, aquele fio do alto que foi usado para construir a teia não é cortado, uma vez interrompida a obra, mas permanece. Pelo contrário, é ele que, do centro, sustenta todo o enredo; sem ele tudo colapsa. Caso se rompa um dos fios laterais (uma vez testei isso), a aranha aparece e repara velozmente a sua teia, mas uma vez cortado aquele fio do alto ela vai embora: não há mais nada a se fazer.

Algo parecido acontece com o enredo das autoridades e das obediências em uma sociedade, em uma ordem religiosa e na Igreja. Cada um de nós vive em uma espessa teia de dependências: das autoridades civis, das eclesiásticas; nestas últimas, do superior local, do bispo, da Congregação do clero ou dos religiosos, do Papa. A obediência a Deus é o fio do alto: tudo é construído sobre ela, mas ela não pode ser esquecida nem mesmo após a conclusão da construção. Pelo contrário, tudo recai sobre si mesmo e não se entende mais por que é preciso obedecer. 

3ª Pregação da Quaresma 2018: "Não façam de si próprios uma opinião maior do que convém”.



"NÃO FAÇAM DE SI PRÓPRIOS
UMA OPINIÃO MAIOR DO QUE CONVÉM”

A exortação à caridade que recolhemos da boca do Apóstolo, na meditação anterior, está encerrada entre duas breves exortações à humildade que se recordam de forma proeminente entre si, de modo a formar uma espécie de marco para o discurso sobre a caridade. Lidas uma atrás da outra, omitindo o que está no meio, as duas exortações soam assim:

"Não façam de si próprios uma opinião maior do que convém, mas um conceito razoavelmente modesto [...] Não aspirem a coisas muito elevadas, mas curvem-se perante às humildes. Não tenham uma ideia muito alta de vocês mesmos” (Rm 12,3.16).

Não é uma questão de pequenas recomendações à moderação e à modéstia; através destas poucas palavras, a parênese apostólica nos abre diante de todo o vasto horizonte da humildade. Ao lado da caridade, São Paulo encontra na humildade o segundo valor fundamental, a segunda direção em que se deve trabalhar para renovar, no Espírito, a própria vida e construir a comunidade.

Nunca, como neste campo, as virtudes cristãs nos aparecem como um fazer próprios "os sentimentos que estavam em Cristo Jesus". Ele, recorda em outro lugar o Apóstolo, embora sendo de natureza divina, "se humilhou fazendo-se obediente até a morte" (Fl 2, 5-8) e aos próprios discípulos, ele disse: "Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração" (Mt 11, 29). Podemos falar da humildade de diferentes pontos de vista, como veremos que o Apóstolo fará, mas em seu significado mais profundo, a humildade é apenas a de Cristo. É verdadeiramente humilde quem se esforça para ter o coração de Cristo. 

2ª Pregação da Quaresma 2018: “Que vossa caridade não seja fingida"


“QUE VOSSA CARIDADE NÃO SEJA FINGIDA”

O amor cristão


1. Indo às fontes da santidade cristã

 

Juntamente com a chamada universal à santidade, o Concílio Vaticano II também deu indicações precisas sobre o que se entende por santidade, no que consiste. Na Lumen gentium se lê: 

"Jesus, mestre e modelo divino de toda a perfeição, pregou a santidade de vida, de que Ele é autor e consumador, a todos e a cada um dos seus discípulos, de qualquer condição: «sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito» (Mt. 5,48) (121). A todos enviou o Espírito Santo, que os move interiormente a amarem a Deus com todo o coração, com toda a alma, com todo o espírito e com todas as forças (cfr. Mc. 12,30) e a amarem-se uns aos outros como Cristo os amou (cfr. Jo. 13,34; 15,12). Os seguidores de Cristo, chamados por Deus e justificados no Senhor Jesus, não por merecimento próprio mas pela vontade e graça de Deus, são feitos, pelo Batismo da fé, verdadeiramente filhos e participantes da natureza divina e, por conseguinte, realmente santos. É necessário, portanto, que, com o auxílio divino, conservem e aperfeiçoem, vivendo-a, esta santidade que receberam."(LG 40).

Tudo isso está resumido na fórmula: "a santidade é a união perfeita com Cristo" (LG, 50). Esta visão reflete a preocupação geral do Concílio de voltar às fontes bíblicas e patrísticas, superando, também neste campo, a postura escolástica dominante durante séculos. Agora é uma questão de tomar consciência dessa renovada visão de santidade e fazê-la passar na prática da Igreja, isto é, na pregação, na catequese, na formação espiritual dos candidatos ao sacerdócio e à vida religiosa e - por que não? - também na visão teológica que inspira a prática da Congregação dos Santos[1].

Uma das principais diferenças entre a visão bíblica da santidade e a da escolástica reside no fato de que as virtudes não se fundamentam tanto na "reta razão" (a recta ratio aristotélica), mas no Querigma; ser santo não significa seguir a razão (muitas vezes, é o contrário!), mas seguir a Cristo. A santidade cristã é essencialmente cristológica: consiste na imitação de Cristo e, no seu cume - como diz o Concílio - na "perfeita união com Cristo".

A síntese bíblica mais completa e mais compacta de uma santidade fundada no Querigma é aquela descrita por São Paulo na parte parenética da Carta aos Romanos (capítulos 12-15). No início, o Apóstolo dá uma visão resumida do caminho de santificação do crente, do seu conteúdo essencial e do seu propósito:

"Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual. Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito" (Rm 12,1-2).

Na última pregação, nós meditamos estes versículos. Nas próximas meditações, partindo do que se segue no texto paulino e completando-o com o que o Apóstolo diz em outro lugar sobre o mesmo argumento, tentaremos destacar os traços salientes da santidade, aqueles que hoje são chamados de "virtudes cristãs" e que o Novo Testamento define como os "frutos do Espírito", as "obras da luz", ou também "os sentimentos que estavam em Cristo Jesus" (Fl 2, 5).

A partir do capítulo 12 da Carta aos Romanos, todas as principais virtudes cristãs, ou frutos do Espírito, estão listadas: o serviço, a caridade, a humildade, a obediência, a pureza. Não como virtudes a serem cultivadas por si mesmo, mas como necessárias consequências da obra de Cristo e do batismo. A seção começa com uma conjunção que por si só vale um tratado: “Vos exorto, portanto...”. Aquele "portanto" significa que tudo o que o Apóstolo dirá desse momento em diante é a consequência do que escreveu nos capítulos precedentes sobre a fé em Cristo e sobre a obra do Espírito. Refletiremos sobre quatro destas virtudes: caridade, humildade, obediência e pureza, começando com a primeira. 

1ª Pregação da Quaresma 2018: "Não vos conformeis com a mentalidade deste mundo” (Rm 12,2)


"NÃO VOS CONFORMEIS COM A MENTALIDADE DESTE MUNDO”
(RM 12,2)


"Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito." (Rom 12, 2).

Numa sociedade em que todos se sentem investidos da tarefa de transformar o mundo e a Igreja, cai esta palavra de Deus que nos convida a transformar-nos a nós mesmos. "Não vos conformeis com este mundo”: depois dessas palavras, esperávamos ouvir: "mas transformai-o!"; Em vez disso, se diz: “mas transformai-vos!”. Transformar, sim, o mundo, mas o mundo que está dentro de vós, antes de pensar em transformar o mundo que está fora de vós.

Será esta palavra de Deus, tirada da Carta aos Romanos, que nos introduzirá este ano no espírito da Quaresma. Como fazemos há alguns anos, dedicamos a primeira meditação a uma introdução geral à Quaresma, sem entrar no tema específico do programa, até mesmo por causa da ausência de parte do auditório envolvido nos Exercícios Espirituais.

1. Os cristãos e o mundo

Em primeiro lugar, vejamos como esse ideal de desapego do mundo foi compreendido e vivido desde o Evangelho até nossos dias. É sempre útil ter em conta experiências passadas se quisermos entender as necessidades do presente.

Nos evangelhos sinóticos, a palavra "mundo" (kosmos) é quase sempre compreendida num sentido moralmente neutro. Tomado no sentido espacial,  mundo indica a terra e o universo ("ide ao mundo inteiro"), tomado em um sentido temporal, indica o tempo ou o “século” (aion) presente. É com Paulo e ainda mais com João que a palavra "mundo", é preenchida com um valor moral e significa, na maioria das vezes, o mundo depois do pecado e sob o domínio de Satanás, “o deus deste mundo” (2 Cor 4, 4). Daí a exortação de Paulo da qual nós partimos e, aquela, quase idêntica, de João na sua Primeira Carta:

"Não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai. Porque tudo o que há no mundo - a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida - não procede do Pai, mas do mundo."(1 Jo 2, 15-16).

Essas coisas não nos fazem perder de vista que o mundo em si mesmo, apesar de tudo, é e permanece, a boa realidade criada por Deus, que Deus ama e que veio para salvar, não para julgar: "Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3, 16).

A atitude em relação ao mundo que Jesus propõe a seus discípulos encerra-se em duas preposições: estar no mundo, mas não ser do mundo:  “Já não estou no mundo – diz dirigindo-se ao Pai – ; eles, pelo contrário, ainda estão no mundo [...]. Eles não são do mundo, como também eu não sou do mundo" (Jo 17,11. 16).

Nos primeiros três séculos, os discípulos estão bem cientes de sua posição única. A Carta a Diogneto, um escrito anônimo do final do segundo século, descreve dessa forma o sentimento que os cristãos tinham de si mesmos no mundo:

"Os cristãos não diferem do resto dos homens nem pelo território, nem pela língua, nem pelos hábitos de vida. De fato, não moram em cidades particulares, não usam de uma linguagem estranha, não levam um tipo de vida especial [...]. Moram tanto na cidade grega como na bárbara, como acontece, e apesar de iguais nas roupas, na comida e no resto da vida segundo os costumes do lugar, se propõem uma forma de vida maravilhosa e, segundo todos, paradoxal. Cada um mora na própria pátria, mas como forasteiros; participam de todas as atividades de bons cidadãos e aceitam todos os encargos como convidados passageiros. Toda terra estrangeira é uma pátria para eles, enquanto toda pátria é, para eles, terra estrangeira. Como todos, se casam e têm filhos, mas não expõem seus filhos. Eles têm em comum a mesa, mas não a cama. Vivem na carne, mas não segundo a carne"[1].

Façamos um breve resumo da história. Quando o cristianismo se torna tolerado e depois, em seguida, religião protegida e favorecida, a tensão entre o cristianismo e o mundo tende, inevitavelmente, a diminuir, porque o mundo se tornou, ou pelo menos, é considerado "um mundo cristão". Ocorre, assim, um duplo fenômeno. De uma parte, grupos de cristãos desejosos de permanecerem o sal da terra e não perderem o sabor, fogem, também fisicamente, do mundo e se retiram no deserto. Nasce o monaquismo sob a bandeira do monge Arsênio: “Fuge, tace, quiesce”, “Fuja, cale, viva retirado[2]”

Ao mesmo tempo, os pastores da Igreja e os espíritos mais iluminados tentam adaptar o ideal de desapego do mundo a todos os crentes, propondo uma fuga não-material, mas espiritual, do mundo. São Basílio no Oriente e Santo Agostinho no Ocidente conhecem o pensamento de Platão, especialmente na versão ascética que ele havia tomado com o discípulo Plotino. Neste ambiente cultural, estava vivo o ideal da fuga do mundo. Mas era uma fuga, por assim dizer, vertical, não horizontal, para cima, não para o deserto. Consiste em elevar-se por acima da multiplicidade das coisas materiais e das paixões humanas, para unir-se ao que é divino, incorruptível e eterno.

Os Padres da Igreja - os Capadócios em primeiro lugar - propõem uma ascética cristã que responde a essa exigência religiosa e adota a sua linguagem, sem, contudo, sacrificar os valores próprios do Evangelho. Para começar, a fuga do mundo inculcada por eles é trabalho da Graça mais do que esforço humano. O ato fundamental não está no final do caminho, mas no seu começo, no batismo. Portanto, não é reservada a poucos cultos, mas aberta a todos. Santo Ambrósio escreverá um breve tratado “Sobre a fuga do mundo”, dirigindo-o a todos os neófitos[3]. A separação do mundo que ele propõe é sobretudo afetiva: “A fuga – diz – não consiste no abandonar a terra, mas, permanecendo na terra, em observar a justiça e a sobriedade, em renunciar aos vícios e não ao uso dos alimentos” [4].

Este ideal de desapego e de fuga do mundo acompanhará, em formas diferentes, toda a história da espiritualidade cristã. Uma oração da liturgia resume-o no lema: "terrena despicere et amare caelestia", "desprezar as coisas da terra e amar as do céu". 

Nas Tuas mãos, Senhor - A propósito de uma velha história


Meu caro Amigo, há exatamente oito anos, 20 de março de 2009, eu vivia momentos de intensa emoção: experimentei, naquele dia para mim inesquecível, a mão de Deus, que nos guia de modo realmente incompreensível...

Pela manhã tinha viajado a Salvador, pois o Senhor Núncio Apostólico desejava falar-me. O assunto era uma reviravolta na minha vida: o Papa convidava-me a aceitar ser consagrado Bispo Auxiliar de Aracaju. Onde Deus desejava levar-me? O que desejava de mim? Disse “sim” ao Núncio! Não, ao Núncio não: ao Papa através do Núncio! Não, ao Papa não: a Cristo através do Papa! Disse “sim” sem pensar – não se pensa quando o Senhor chama; não se calcula! Simplesmente diz-se “sim”! Foi o que procurei fazer em toda a minha vida, apesar de tantas e tantas infidelidades e covardias... Deus as conhece; você não, caro Amigo!

Mas, disse “sim”. E voltei para Maceió, pois era sexta-feira da Quaresma e eu tinha via-sacra às 16 horas na minha Igreja do Livramento (inesquecível e saudoso Livramento!) e, depois, uma missa no Povoado Poxim, em Coruripe, na Diocese de Penedo... Apressado, sem almoço, fiz a via-sacra e fui para o Poxim. No retorno, pelas 21 – 21:30h, o inesperado, o absurdo, o desígnio de Deus que eu não sei e Ele sabe; não compreendo e Ele vê com clareza: um daqueles automóveis utilitários me trancou; quatro homens de revólveres em punho. Fugi. Perseguiram-me. Atiraram no meu carro; seis balas o perfuraram e esvaziaram os dois pneus dianteiros. Trancaram-me novamente. Tiraram-me do automóvel, espancaram-me gravemente, recolocaram-me no automóvel, levaram-me para o meio do mato. Eu sangrava muito. Disseram-me que me matariam: aqueles seriam meus últimos momentos...

Eu me perguntava todo o tempo qual o sentido daquilo tudo: naquele dia recebera a notícia da nova missão que o Senhor me confiara. Naquele mesmo dia o Senhor permitiria que me tirassem a vida... Disse-lhes que não me matassem, pois tinha ainda uma missão a cumprir. Estava – como sempre estou – de batina, a veste do sacerdote, a veste do bispo, a veste que deve significar que somos de Deus, somos consagrados, que algo em nós rompeu-se na relação com o mundo, de modo que vivemos no mundo, plenamente, mas somos homens de Deus, testemunhas do Absoluto, mensageiros do Infinito. Não sei se tiveram medo ou respeito por um homem de Deus... Não me mataram. Deixaram-me no carro, sangrando, ferido... com o coroinha que me acompanhava e ao qual não fizeram mal algum (Sim: meus queridos coroinhas! Tive mais de quarenta: sempre procurei fazer deles verdadeiros homens e cristãos! Sempre os amei e os amo ainda agora como a filhos no Senhor. Desses, três já são padres e um está a caminho do sacerdócio...) Quando os bandidos foram embora, fui, com meu coroinha, para a estrada e consegui carona até a polícia.

GO: Papa nomeia administrador apostólico para Diocese de Formosa


A Nunciatura Apostólica publicou na manhã desta quarta-feira, 21 de março, um comunicado sobre o processo de acompanhamento da situação atual de pastoral e de governo da Diocese de Formosa (GO).

Confira o Comunicado:

“O Santo Padre ordenou, no dia 3 de março do corrente ano, que se realize uma Visita Apostólica na Diocese de Formosa, com a finalidade de examinar a situação pastoral e de avaliar o governo do Bispo, Sua Excelência Dom José Ronaldo Ribeiro. Sucessivamente, no dia 10 de março, o Arcebispo de Uberaba, Sua Excelência Dom Paulo Mendes Peixoto, foi nomeado Visitador Apostólico.

À luz dos novos fatos que envolvem a Diocese de Formosa, o Santo Padre nomeou Sua Excelência Dom Paulo Mendes Peixoto Administrador Apostólico sede plena da Diocese de Formosa ad nutum Sanctae Sedis, conferindo-lhe todas as faculdades para governar a circunscrição eclesiástica e para realizar, contemporaneamente, a Visita Apostólica, precedentemente ordenada.

Sua Excelência Dom Paulo Mendes Peixoto convida a todos, o Clero e a comunidade diocesana de Formosa, a unirem-se em torno de Cristo, Pastor dos Pastores”. 

terça-feira, 20 de março de 2018

Coleta para a Terra Santa: "Não deixem nossos irmãos sozinhos", pede o Cardeal Sandri



Na próxima Sexta-feira Santa volta a “Colletta pro Terra Sancta”, iniciativa com a qual a Igreja recolhe as ofertas para os Lugares Santos. “É uma ocasião preciosa para estarmos juntos com nossos irmãos”, escreve o cardeal Sandri, em uma carta endereçada aos bispos para motivar a caridade das Igrejas de todo o mundo.

Os cristãos do Oriente Médio

Trata-se, esclarece o cardeal argentino, de pessoas “que perderam tudo, às vezes até mesmo a própria dignidade humana”. O cardeal Sandri recorda em particular da “pequena comunidade cristã do Oriente Médio que continua a sustentar a fé entre os desalojados no Iraque e na Síria ou entre os refugiados na Jordânia e Líbano auxiliados pelos seus pastores, religiosos e voluntários de vários países”.