sexta-feira, 20 de novembro de 2020

"Querides alunes" - Militância, ideologia e ignorância

“A realidade está definida com palavras. Portanto, quem controla as palavras controla a realidade.” – Antonio Gramsci

Nos últimos meses tem feito barulho uma nova loucura moderna que militantes ideólogos estão se esforçando para fazer soar como algo natural, bom e justo: o suposto uso do gênero neutro/linguagem neutra para uma linguagem dita inclusiva e não sexista.

Segundo a perspectiva desses militantes, a língua portuguesa seria machista por usar um “gênero masculino” para generalizar a linguagem e fazer referência seja ao sexo masculino, seja ao sexo feminino. Esse uso machista seria um impedimento não apenas do reconhecimento do papel da mulher na sociedade, mas também uma exclusão às diferentes percepções de “identidade de gênero” – que, na verdade, é uma ideologia; infelizmente, o espaço de nossa discussão impede um aprofundamento sobre a ideologia de gênero.

Ainda mais recentemente, ganhou destaque a notícia de que o Colégio Franco-Brasileiro passaria a adotar uma linguagem neutra. Nas palavras da direção pedagógica, em nota divulgada, “a neutralização de gênero gramatical consiste em um conjunto de operações linguísticas voltadas tanto ao enfrentamento do machismo e do sexismo no discurso quanto à inclusão de pessoas não identificadas com o sistema binário de gênero.”


Premissas, ações, justificativas: tudo está errado na decisão do Colégio Franco-Brasileiro – decisão que, sejamos justos, não é exclusiva deles – e precisa ser devidamente exposta e combatida. Comentamos a seguir, utilizando trechos da própria nota, os motivos segundo os quais a decisão do colégio é catastrófica, antinatural, esquizofrênica e ignorante, fruto imediato de uma militância desconectada da realidade.

a) “nosso compromisso com a promoção do respeito à diversidade e da valorização das diferenças no ambiente escolar”

O único compromisso aqui existente por parte da direção da escola é com a militância ideológica e a promoção de uma agenda política. Respeito à diversidade e valorização das diferenças são apenas nomes falsos para a ideologia de gênero propriamente dita, já combatida e rejeitada em todas as instâncias políticas, jurídicas e sociais. É em nome dessa suposta valorização que ações político-ideológicas são tomadas, como a construção de banheiros em que meninos e meninas estão juntos, a criação de leis com base no sexo e a segregação e criação de fissuras na relação social entre homens e mulheres. O caso do uso do “querides alunes” por parte da escola é somente mais uma face da militância de grupos de esquerda que tenta, através da linguagem, transformar e modificar a realidade para fazê-la se encaixar em seus propósitos.

b) “A neutralização de gênero gramatical consiste em um conjunto de operações linguísticas voltadas tanto ao enfrentamento do machismo e do sexismo no discurso quanto à inclusão de pessoas não identificadas com o sistema binário de gênero.”

Falso. Em primeiro lugar, é necessário dizer que NÃO EXISTE DESINÊNCIA DE GÊNERO MASCULINO NA LÍNGUA PORTUGUESA. Existe apenas a desinência feminina, usada em oposição a palavras que fazem referência a objetos, seres e pessoas masculinos. Isso quer dizer que quando falamos “menino”, não temos esse “o” como uma desinência masculina, mas temos uma ausência de desinência, um marcador de desinência inexistente. Apenas quando falamos menina é que o “a” se configura como uma desinência de gênero feminino. Dito de outra forma, o masculino não é marcado gramaticalmente, mas apenas o feminino.

Essa confusão – que, na maioria dos casos é intencional, embora também possa ser fruto de ignorância – acontece pelo fato de a maioria das palavras masculinas serem terminadas em “o” e a maioria das palavras femininas serem terminadas em “a”. Sucede, porém, que isso não é regra absoluta, como nos casos “a modelo”, “a foto”, “a moto” e muitos outros. Fosse essa marcação de gênero gramatical uma correspondência imediata do sexo, não existiriam o motorista nem o poeta. Trata-se de uma confusão entre o gênero gramatical de uma palavra e o seu sexo (perceba que aqui não falamos em gênero) ou representação no caso dos objetos.

A explicação para esse fenômeno está no latim, língua que possuía os gêneros masculino, feminino e neutro marcados gramaticalmente. Na evolução histórica da língua, por diversas circunstâncias, o masculino e o neutro, em geral, se fundiram. É por isso que quando se fala em alunos, em uma sala composta por homens e mulheres, não se está fazendo referência apenas aos homens, mas a todos.


c) “Nesse sentido, acolhemos ativamente demandas legítimas da sociedade”

            Mais uma mentira. A sociedade, em geral, não reconhece essas demandas e, quando as conhece, rejeita-as. Basta saber que a ideologia de gênero foi rejeitada nos mais de cinco mil municípios do Brasil, na Câmara dos Deputados e no Senado. Não satisfeitos com tantas e tamanhas derrotas, grupos militantes articulados do PSOL entraram com ação no STF para tentar reverter as milhares de derrotas que sua ideologia sofreu.

            Não são, portanto, demandas da sociedade, mas de pequenos grupos revolucionários e militantes. Faça um pequeno teste: converse com dez pessoas ao seu redor e veja quantas delas acreditam que “querides alunes” é algo natural e que deve ser ensinado na escola para as crianças. Quantas não dirão que se trata de uma idiotice que confundirá as crianças e que é algo errado?

c) “permitindo a docentes e estudantes que manifestem livremente sua identidade de gênero e contribuindo para uma representação mais digna e igualitária dos diferentes gêneros”

            Outra mentira. Existem apenas duas identidades de gênero, atreladas imediatamente ao sexo biológico: masculino e feminino. Homem nasce homem e tem identidade de gênero de homem. Mulher nasce mulher e tem identidade de gênero de mulher. Qualquer coisa que saia disso é um indício de uma desordem que a psicologia denomina como disforia de gênero – um dentre os muitos transtornos psicológicos. É esse tipo de coisa que querem que aceitemos e achemos normal, para nós e para nossas crianças.

d) “Assim, a substituição da expressão “queridos alunos” por “querides alunes”, por exemplo, passa a incluir múltiplas identidades sob a marcação de gênero em “e”. Alternativas como “queridos alunos e queridas alunas”, igualmente, mostram-se   viáveis   ao   evitar   a representação de todos os gêneros exclusivamente pelo masculino.”

            Outras duas afirmações completamente equivocadas, já respondidas anteriormente. Ademais, usar “queridos alunos e queridas alunas” é outra forma de desconhecimento da própria língua e de suas possibilidades, além de ser uma redundância cansativa e empobrecedora de uso da língua.

e) “Sendo a língua um organismo vivo e pulsante, suscetível a mudanças históricas, compreendemos que seu uso reflete as transformações pelas quais a sociedade também   passa.”

            Aqui está a única parte verdadeira da nota. Ainda assim, o colégio transformou uma verdade em um pano de fundo para uma mentira. É fato que a língua é um organismo vivo e que muda historicamente. Porém, essas mudanças são naturais, demandam séculos de distanciamento e não acontecem para agradar a grupelhos. Se fosse assim, todos os grupinhos reivindicariam uma mudança na língua com base em seus desejos pessoais e a língua teria de, artificialmente, curvar-se a esses incontáveis caprichos. Dito de outro modo, é claro que a língua muda, mas essa mudança não é motivada por alguns, mas assumida naturalmente dentro do suceder histórico dos povos que a usam.

f) “A compreensão de que o pleno domínio da linguagem faculta ao cidadão crítico a circulação entre os espaços de prestígio implica a responsabilidade de fazer bom uso desse instrumento de poder.”

            Essa é mais uma afirmação que apenas esconde os verdadeiros motivos da direção do colégio com a medida exposta: ganhar poder, mesmo que simbólico, para fazer avançar suas agendas ideológicas tendo como ferramentas a escola, os alunos, os pais e professores. É utilizar toda a comunidade escolar como uma massa de manobra para atingir objetivos próprios, alheios à sociedade e inexistentes na realidade.

            A nota termina dizendo: “no entanto, convidamos a comunidade escolar a refletir sobre a possibilidade de acolhimento dessa proposta nas práticas diárias, a fim de promover uma cultura escolar baseada em princípios de tolerância, inclusão e paz.” Nós terminamos dizendo: senhores pais e responsáveis, não permitam que seus filhos sejam manipulados por revolucionários militantes que tentam, a todo custo, transformar a realidade segundo seus caprichos obscuros. Reajam agora ou não haverá mais tempo. Levantem-se contra essa medida, manifestem-se contra a direção. Exerçam seu papel fundamental de responsáveis pela educação de seus filhos.

            Façam isso ou assistam, inertes, à destruição da sociedade, das relações humanas e da natureza e realidade evidentes a qualquer um. O primeiro ensaio já começou no Colégio Franco-Brasileiro.


Jefferson Evaristo 

é doutor em língua portuguesa e professor da UERJ.

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Centro Dom Bosco

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