quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Desmentindo equívocos históricos: Lutero, Sagrada Escritura e Igreja

O erro do protestantismo é pensar que a Igreja se acha dona, 
e não servidora da Palavra de Deus, 
explica Dom De Gasperín nesta entrevista

O hoje bispo emérito de Querétaro (México), Dom Mario De Gasperín, viveu o Concílio Vaticano II como sacerdote recém-ordenado e como estudante de Bíblia na Universidade Gregoriana de Roma. Ao longo da sua vida sacerdotal e episcopal, foi um constante incentivador do estudo da Palavra de Deus, e uma das mentes mais brilhantes da Conferência Episcopal Mexicana.
 
Nos últimos anos, ele vem escrevendo uma série de mais de 30 reflexões sobre o Concílio Vaticano II e o Ano da Fé no El Observador, recordando aquele encontro da Igreja com a mudança de época, e sobre o Ano da Fé lançado por Bento XVI para recolher os frutos do Concílio – sendo um deles precisamente o encontro com as confissões protestantes.
 
Qual foi a reflexão do Concílio sobre a reforma protestante?
 
Entre as tarefas do Concílio Vaticano II, estava o diálogo com os irmãos protestantes, como parte integrante do movimento ecumênico. Lutero tinha tentado reformar a Igreja da sua época. Segundo ele, a Igreja se colocou atrás de três muralhas: a supremacia do poder eclesiástico sobre o secular; a superioridade do concílio sobre os fiéis; e a interpretação da Bíblia submetida à Igreja.
 
Nestes três campos, a Igreja hierárquica tinha a faca e o queijo na mão e ninguém podia alçar a voz, muito menos para reformá-la. Esta "tripla muralha" era a que ele pretendia derrubar; dedicou sua vida a isso e não poupou esforços nem meios para consegui-lo, recorrendo inclusive ao poder secular.


No centro de tudo está a interpretação da Bíblia, não é?

 
Daqui surge a acusação protestante à Igreja Católica, de querer submeter a Bíblia ao seu domínio e à sua vontade. Com isso, ela se declara – diziam os reformadores – superior à Sagrada Escritura e dona da Palavra de Deus, o que é inaceitável.
 
Lutero pretendia libertar a Bíblia desta escravidão. Por isso, propôs e declarou, como princípio interpretativo da Bíblia, o livre exame, ou seja, a interpretação individual da Escritura. Cada um deve lê-la e interpretá-la segundo a inspiração do Espírito Santo. O cristão deve se guiar somente pela Bíblia. A expressão latina sola Scriptura significa que "a Sagrada Escritura se interpreta por si mesma" e não está submetida ao magistério da Igreja.
 
Isso, evidentemente, não era o sentido da Igreja...
 
A Sagrada Escritura é o livro da Igreja e para a Igreja; portanto, deve ser lida em sintonia com a Igreja, sob a guia dos seus pastores. A estes, diz São Paulo, Deus confiou a tarefa de "conservar o depósito da fé" e transmiti-lo íntegro às novas gerações.
 
Dessa maneira, o magistério da Igreja não se proclama superior ou manipulador da Palavra de Deus, e sim seu servidor.
 
Então, a ideia do Concílio era colocar as coisas em ordem: primeiro a Palavra, depois o magistério?
 
O magistério eclesiástico serve a Palavra de Deus, interpretando-a de acordo com a tradição eclesial, recebida dos apóstolos e do próprio Jesus Cristo. É dessa forma, diz o Concílio, que o povo cristão inteiro, unido aos seus pastores, persevera sempre na doutrina apostólica, na união, na Eucaristia e na oração, como fazia a primeira comunidade cristã. É um serviço à unidade e à verdade, e evita o individualismo e a fragmentação.
 
Qual é a missão da Igreja, neste sentido?
 
A primeira atitude da Igreja, especialmente dos pastores, é a de escutar com atenção e respeito a santa Palavra de Deus.
 
E obedecê-la...
 
Com esta atitude humilde, o Concílio começa a falar sobre a Revelação Divina. Diz que o Concílio escuta com devoção a Palavra de Deus e a proclama com valentia, obedecendo as palavras de João: o que vimos e ouvimos, nós lhes anunciamos, para que também vocês vivam nesta nossa união com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo.
 
Dá a impressão de um Concílio que, mais que escutar a si mesmo, esteve atento ao que Deus lhe dizia...
 
A primeira coisa que o Concílio faz é escutar a Palavra de Deus. E o faz com devoção e obediência. Não tem medo de proclamar esta Palavra ao mundo inteiro, para que, quem a escutar e acreditar, tenha a vida eterna.
 
Lutero se equivocou?


A Igreja não é dona, mas fiel servidora da Palavra de Deus.
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Disponível em: Aleteia

Deixam a Igreja e vão para as seitas. Será que voltam sozinhos?

Uma visão ingênua do êxodo de católicos rumo às seitas na América Latina

Há sacerdotes e agentes de pastoral que têm uma visão extremamente ingênua do problema pastoral que representa o êxodo dos católicos às mais variadas seitas e grupos proselitistas.

Costumam compará-lo com o fenômeno das ondas marítimas, que vão e vêm constantemente: "A apologética já não está na moda; é uma perda de tempo. É verdade que muitos abandonam a Igreja, mas depois de quatro ou cinco anos, percebem seu erro e voltam".

 
Por que dizemos que esta é uma visão ingênua? Porque parece ignorar as tendências manifestadas por diversas pesquisas e confirmadas pelos mais variados censos populacionais em todo o continente americano.


Quais são estas tendências?
 
- Crescem exponencialmente os grupos proselitistas pela chegada de novos integrantes procedentes do catolicismo.

 
- Cresce o número dos que se dizem católicos, mas que já não têm senso de pertença à Igreja e cultivam poucos vínculos com ela. É fácil constatar isso na participação na Missa dominical.

 
- Cresce o número dos que se declaram sem religião.

 
- O catolicismo diminui proporcionalmente.



Retorno espontâneo?

 
É verdade que existem ex-católicos que voltam à Igreja. Mas vale a pena lembrar que aqueles que voltam não o fazem sem motivo. Eles voltam porque encontraram sites, livros, folhetos e material didático impresso ou audiovisual que lhes ajudaram a esclarecer as inúmeras dúvidas semeadas em suas mentes e corações pelo proselitismo sistemático dos grupos não católicos.

 
Voltam porque conheceram alguém com formação adequada para resolver seus interrogantes e inquietudes sobre a Igreja Católica e a Sagrada Escritura. Em muitos casos, não se trata, portanto, de uma volta espontânea, no estilo do filho pródigo (Lc 15, 11-31). O mais comum é que seja o resultado do esforço contínuo que diversas pessoas e instituições fazem no âmbito bíblico e apologético, em uma perspectiva evangelizadora.
 
No geral, são iniciativas feitas a título pessoal, sem o apoio concreto das estruturas eclesiais e muitas vezes nadando contra a corrente, entre a indiferença, a rejeição e a oposição.

 
O que aconteceria se implementássemos uma pastoral específica com estas características, com o apoio decidido das dioceses, decanatos, paróquias, seminários, centros de formação para leigos e outras instituições eclesiais?
 
O que aconteceria se, além desta necessária pastoral de retorno, se implementasse uma pastoral preventiva, que freasse desde já o êxodo massivo de católicos, aproveitando ao máximo as estruturas eclesiais, especialmente a catequese pré-sacramental? Porque "é melhor prevenir que remediar".

 
Por outro lado, é necessário passar de uma pastoral meramente cultual e de conservação a uma pastoral de busca e conquista, segundo o modelo que Jesus nos apresenta na parábola da ovelha perdida (Mt 18, 10-14; Lc 15, 1-7) e no grande mandamento da missão que nos deixou antes de voltar ao Pai (Mt 28, 18-20; Mc 16, 15).

 
O êxodo de católicos às mais variadas propostas religiosas não é um assunto sem importância. Da resposta que dermos a esta problemática pode depender o futuro da fé católica no nosso continente.


 
Então, vamos trabalhar, conscientes de que o que fazemos é algo transcendente para a vida de toda a Igreja.
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Fonte: Aleteia

10º Mandamento: "Não cobiçar as coisas alheias".


O DÉCIMO MANDAMENTO

Não cobiçarás... coisa alguma que pertença a teu próximo (Ex 20,17).

Tu não desejarás para ti a casa de teu próximo, nem seu campo, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu boi, nem seu jumento, qualquer coisa que pertença a teu próximo (Dt 5,21).

Onde está o teu tesouro, aí estará também teu coração (Mt 6,21).

§2534 O décimo mandamento desdobra e completa o nono, que se refere à concupiscência da carne. Proíbe a cobiça dos bens dos outros, raiz do roubo, da rapina e da fraude, que o sétimo mandamento proíbe. A "concupiscência dos olhos" (1 Jo 2,16) leva à violência e à injustiça, proibidas pelo quinto preceito. A cupidez tem sua origem, como a fornicação, na idolatria proibida nas três primeiras prescrições da 1ei. O décimo mandamento se refere à intenção do intenção do coração e resume, junto com o nono, todos os preceitos da Lei.

A desordem das concupiscências 

§2535 O apetite sensível nos faz desejar as coisas agradáveis que não temos. Por exemplo, desejar comer quando temos fome, ou aquecer-nos quando estamos com frio. Esses desejos são bons em si mesmos, mas muitas vezes não respeitam a medida da razão e nos levam a cobiçar injustamente o que não nos cabe e pertence, ou é devido a outra pessoa.

§2536 O décimo mandamento proíbe a avidez e o desejo de uma apropriação desmedida dos bens terrenos; proíbe a cupidez desmedida nascida da paixão imoderada das riquezas e de seu poder. Proíbe ainda o desejo de cometer uma injustiça pela qual se prejudicaria o próximo em seus bens temporais:

Quando a Lei nos diz: "Não cobiçarás", ordena-nos, em outros termos, que afastemos nossos desejos de tudo aquilo que não nos pertence. Pois a sede dos bens do próximo é imensa, infinita e nunca saciada, como está escrito: "Quem ama o dinheiro nunca se de dinheiro" (Ecl 5,9).

§2537 Não é violar este mandamento desejar obter coisas que pertencem ao próximo, contanto que seja por meios justos. A catequese tradicional indica com realismo "aqueles que mais devem lutar contra suas concupiscências criminosas e, portanto, que e preciso "exortar o mais possível à observância deste preceito":

São os . comerciantes que desejam a carestia ou os preços excessivos das mercadorias, que vêem com pesar que não são os únicos a comprar e a vender, o que lhes permitiria vender mais caro e comprar ao preço mínimo; os que desejam que seus semelhantes fiquem na miséria, para tirarem lucro, quer vendendo para eles, quer comprando deles... Os médicos que desejam que haja doentes, os legistas que desejam causas e processos importantes e numerosos....

§2538 O décimo mandamento exige banir a inveja do coração humano. Quando o profeta Natã quis estimular o arrependimento do rei Davi, contou-lhe a história do pobre que possuía uma única ovelha, tratada como sua própria filha, e do rico que, apesar da multidão de seus rebanhos, invejava o primeiro e acabou roubando-lhe a ovelha. A inveja pode levar às piores ações. E pela inveja do demônio que a morte entrou no mundo:

Nós nos combatemos mutuamente, e é a inveja que nos arma uns contra os outros... Se todos procuram por todos os meios abalar o Corpo onde acabaremos? Nós estamos enfraquecendo o Corpo de Cristo... Declaramo-nos membros de um mesmo organismo e nos devoramos como feras.


§2539 A inveja é um vício capital. Designa a tristeza sentida diante do bem do outro e do desejo imoderado de sua apropriação, mesmo indevida. Quando deseja um grave mal ao próximo, é um pecado mortal:

Sto. Agostinho via na inveja "o pecado diabólico por excelência". "Da inveja nascem o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria causada pela desgraça do próximo e o desprazer causado por sua prosperidade."

§2540 A inveja representa uma das formas de tristeza e, portanto, uma recusa da caridade; o batizado lutará contra ela mediante a benevolência. A inveja provém muitas vezes do orgulho o batizado se exercitará no caminho da humildade:

Quereríeis ver Deus glorificado por vós?

Pois bem, alegrai-vos com os progressos de vosso irmão e imediatamente Deus será glorificado por vós. Deus será louvado dirão, porque seu servo soube vencer a inveja, colocando alegria nos méritos dos outros.

§2541 Os desejos do espírito A economia da lei e da graça desvia o coração dos homens ambição e da inveja e o inicia no desejo do Sumo Bem; instrui-o nos desejos do Espírito Santo, que sacia o coração do homem.

O Deus das promessas desde sempre advertiu o homem contra a sedução daquilo que, desde as origens, aparece como "bom ao apetite, agradável aos olhos, desejável para adquirir ciência" (cf. Gn 3,6).

§2542 A Lei confiada a Israel jamais bastou para justificar aqueles que lhe eram sujeitos; antes, tomou-se mesmo o instrumento da "cobiça". A inadequação entre o querer e o fazer indica o conflito entre a lei de Deus, que é a "lei da razão", e outra lei, "que me acorrenta à lei do pecado que existe em meus membros" (Rm 7,23).

§2543 "Agora, porém, independentemente da Lei, se manifestou a justiça de Deus, testemunhada pela lei e pelos profetas, justiça de Deus que opera pela fé em Jesus Cristo em favor de todos os crêem" (Rm 3,21-22). Por isso os fiéis de Cristo "crucificaram a carne com suas paixões e concupiscências" (Gl 5,24); eles conduzidos pelo Espírito e seguem os desejos do Espírito.

§2544 A pobreza de oração Jesus ordena a seus discípulos que O prefiram a tudo e dos e lhes propõe que "renunciem a todos os bens" por causa dele e do Evangelho. Pouco antes de sua paixão, deu-lhes como exemplo a pobre viúva de Jerusalém que, de sua indigência, deu tudo o que possuía para viver. O preceito do desprendimento das riquezas é obrigatório para se entrar no Reino dos céus.

§2545 Todos os fiéis de Cristo "devem dirigir retamente seus afetos para que, por causa do uso das coisas mundanas, por causa do apego às riquezas contra o espírito da pobreza evangélica, não sejam impedidos de tender à perfeição da caridade".

§2546 "Bem-aventurados os pobres em espírito" (Mt 5,3). As bem-aventuranças revelam uma ordem de felicidade e de graça, de beleza e de paz. Jesus celebra a alegria dos pobres, a quem já pertence o Reino:

O Verbo chama "pobreza em espírito" â humildade voluntária de um espírito humano e sua renúncia; o Apóstolo nos dá como exemplo a pobreza de Deus quando diz: "Ele se fez pobre por nós" (2 Cor 8,9).

§2547 O Senhor se queixa dos ricos porque encontram na profusão dos bens o seu consolo (Lc 6,24). "O orgulhoso procura o poder terreno, ao passo que o pobre em espírito busca o Reino dos Céus." O abandono nas mãos da Providência do Pai do Céu liberta da preocupação do amanhã. A confiança em Deus predispõe para a bem-aventurança dos pobres. Eles verão a Deus.

§2548 "Quero ver a Deus" O desejo da felicidade verdadeira liberta o homem do apego imoderado aos bens deste mundo, (felicidade) que se realizará na visão e na bem-aventurança de Deus. "A promessa de ver a Deus ultrapassa todas as bem-aventuranças. Na Escritura, ver é possuir. Aquele que Vê a Deus obteve todos os bens que podemos imaginar.

§2549 Ao povo santo de Deus resta lutar, com a graça do Alto, para alcançar os bens que Deus promete. Para possuir e contemplar a Deus, os fiéis de Cristo mortificam sua concupiscência e superam, com a graça de Deus, as seduções do gozo e do poder.

§2550 Por esse caminho da perfeição, o Espírito e a Esposa chamam aquele que os ouve à comunhão perfeita com Deus.

Aí haverá a verdadeira glória; ninguém será louvado então por engano ou bajulação; as verdadeiras honras não serão recusadas àqueles que as merecem, nem concedidas aos indignos; aliás, nenhum indigno terá tal pretensão, pois só quem é digno será admitido. Aí reinará a verdadeira paz, onde ninguém será sujeito à oposição nem de si mesmo nem dos outros. Da virtude, o próprio Deus será a recompensa, Ele que deu a virtude e se prometeu a si mesmo como a recompensa (para ela) melhor e maior que possa existir: "Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo" (Lv 26,12)... É também o sentido das palavras do Apóstolo: "Para que Deus seja tudo em todos" (1 Cor 15,12). Ele mesmo será o fim de nossos desejos, aquele que contemplaremos sem fim, amaremos sem sociedade, louvaremos sem cansaço. E esse dom, essa afeição, essa ocupação serão certamente como a vida eterna, comuns a todos.

§2551 "Onde está teu tesouro, aí estará teu coração" (Mt 6,21).

§2552 O décimo mandamento proíbe a ambição desregrada, nascida paixão imoderada das riquezas e de seu poder.

§2553 A inveja é a tristeza sentida diante do bem de outrem e o desejo imoderado de dele se apropriar. E um vício capital.

§2554 O batizado combate a inveja pela benevolência, pela humildade e pelo abandono nas mãos da Providência divina.

§2555 Os fiéis de Cristo "crucificaram a carne com suas paixões concupiscências" (Gl 5,24); são conduzidos pelo Espírito e seguem os desejos dele.

§2556 O desapego das riquezas é necessário para entrar no Reino dos Céus. "Bem-aventurados os pobres de coração."

§2557 Eis o verdadeiro desejo do homem: "Quero ver a Deus A sede de Deus é saciada pela água da Vida Eterna.

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As oposições ao Papa Francisco

Naturalmente, o Papa Francisco não tem só opositores 
à direita, mas também à esquerda

Depois das tentativas desajeitadas das primeiras semanas, ninguém agora ousa dizer que nada realmente aconteceu na Igreja Católica depois do conclave de março de 2013. Bergoglio é papa há pouco menos do que sete meses, e no horizonte já se delineia uma variada geografia das oposições às novidades do Papa Francisco.

Como se sabe, a Igreja não é uma democracia, e muito menos uma democracia de alternância, em que forças diferentes se alternam no governo em uma dinâmica maioria-oposição. Mas o início de Francisco representou um vento de novidade, tanto de estilo quanto de substância, e a resistência às novidades é perceptível, e seria redutivo catalogá-las segundo uma dialética entre reformadores e conservadores.


Em primeiro lugar, há os nostálgicos de Bento XVI, aqueles que, no dia 19 de abril de 2005, festejaram como uma vitória pessoal a eleição do papa teólogo, ex-prefeito do ex-Santo Ofício: desde o dia 11 de fevereiro de 2013, eles se sentem, muito mais do que outros, órfãos de Joseph Ratzinger, agora papa emérito. A nostalgia é pelo papa elevado por eles a porta-estandarte da tradição tradicionalista, antiprogressista e conservador, contrária aos excessos do pós-Concílio (como a "inculturação" da teologia católica nas culturas não europeias) e flagelo do modernismo cultural na Igreja.

Todos esses motivos fazem de Bento XVI uma papa incompreendido, isolado e marginalizado na Igreja justamente por causa das suas tentativas de limpar a corrupção, moral e cultural: o órgão semioficial é o blog Papa Ratzinger. Outros grupos, como o Rorate Caeli, são diversamente "nostálgicos", no sentido de que manifestam uma reação anti-Bergoglio especialmente pela questão litúrgica, por causa da acolhida sem meios termos reservada à reforma litúrgica do Vaticano II pelo novo papa – contrariamente a Bento XVI que, em 2007, tinha reabilitado a missa pré-conciliar e em latim.


A nostalgia não é só pelo latim e pelo canto gregoriano, mas também pelas capas magnas e pelos arminhos, pelas cerimônias barrocas e pelo fausto de outros tempos – em suma, por aqueles aspectos de "corte" que o Papa Francisco chamou de "lepra da Igreja" na sua entrevista-diálogo com Eugenio Scalfari.


Há, depois, outro grupo de desfavoráveis ao Papa Francisco enquanto "catolicistas" – católicos por cultura de adoção junto à qual se refugiaram, sem terem sido movidos pelo Evangelho de Jesus Cristo. Esses apologistas de um catolicismo antiliberal e "maurrasiano", reunidos sob o guarda-chuva do jornal Il Foglio, são de extração variadaa: ex-comunistas, intelectuais blasé, ciellini [membros do Comunhão e Libertação], finos literatos, nobres de sangue (como Roberto de Mattei), "inquisidores" dos novos movimentos religiosos (Massimo Introvigne), afiliados ao fascismo católico da Alleanza Cattolica.


O diretor do Il Foglio, Giuliano Ferrara, lançou oficialmente a campanha de outono contra o Papa Francisco. Jornal pequeno, mas muito influente, é a versão convencional e inteligente dos outros órgãos em que os católicos cruzados como De Mattei e Introvigne publicam, como por exemplo o Corrispondenza Romana.


O coletor mais refinado e sofisticado dessas nostalgias ratzingerianas e sentimentos anti-bergoglianos de matriz teológica é o vaticanista do L'Espresso, Sandro Magister, com o seu blog plurilíngue Settimo Cielo (que hospeda não só fofocas da Cúria, mas também alguns contribuidores de referência, dentre os quais se destaca, por frequência e veemência, Pietro de Marco).


Mas também há uma oposição política ao novo papado, aquela que, na imprensa convencional (e, portanto, a partir da costa exatamente oposta à dos ratzingerianos que se sentem desde sempre marginalizados pela cultural corrente) se opõem ao Papa Francisco porque defendem (do lado de fora, que fique claro) um catolicismo naturaliter politicamente centrista, moderado e condescendente diante da grande burguesia, dos poderes fortes e das forças da globalização. Exemplo preclaro dessa atitude é Piero Ostellino no jornal Corriere della Sera do domingo, 6 de outubro de 2013: para eles, o radicalismo social do papa nada mais é do que o populismo de um jesuíta latino-americano.


Do outro lado do oceano Atlântico, há outras oposições conservadoras, teológicas e políticas ao mesmo tempo: diferentes, mas não menos aguerridas, como é típico de um catolicismo fortemente polarizado sobre as questões éticas como o norte-americano. Há os militantes pela civilização do National Catholic Register e da First Things, convencidos de que as palavras do Papa Francisco sobre aborto, contracepção e homossexualidade são o repúdio das batalhas de uma vida inteira pela causa pro-life, e a rendição do catolicismo à cultura liberal.


Naturalmente, o Papa Francisco não tem só opositores à direita, mas também à esquerda, ou seja, entre aqueles que não apreciam a sua moderação com relação às reformas feitas ou anunciadas até agora. Entre eles, alguns colunistas do National Catholic Reporter (especialmente as teólogas feministas) e o órgão mais importante da dissidência católica na Itália, Adista.


No fundo, há uma expectativa de reformas radicais (e por enquanto não anunciadas) por parte do papa: sobre a disciplina dos sacramentos (para os divorciados), o sacerdócio (também para as mulheres), a Igreja e a paz, e finalmente o "sistema Vaticano" como elemento do qual é preciso se desfazer, mais do que reformar.


A lista está apenas no início. Essas são algumas das vozes públicas que, nos primeiros meses do Papa Francisco, manifestaram a sua dissidência, estupor, às vezes confusão e medo diante das novidades trazidas pelo papa jesuíta argentino. Muitas outras vozes não são públicas e são as mais insidiosas, juntamente com aquelas que se converteram ao franciscanismo do Papa Bergoglio um minuto depois da sua eleição, impulsionados por um movimento de aprovação insincera. O salto de corista a solista não é para todos.
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Fonte: Aleteia

Matrimônio, família e cuidado pastoral dos divorciados


O estudo da problemática dos fiéis que contraíram um novo vínculo civil depois de um divórcio não é novo e foi sempre guiado com grande seriedade pela Igreja com o propósito de ajudar as pessoas concernidas, dado que o matrimónio é um sacramento que abrange de modo particularmente profundo a realidade pessoal, social e histórica do homem. Considerando o número crescente de pessoas concernidas nos países de antiga tradição cristã trata-se de um problema pastoral de vasto alcance. Hoje os crentes questionam-se muito seriamente: não pode a Igreja permitir, em determinadas condições, o acesso aos sacramentos aos fiéis divorciados recasados? Em relação a tal questão tem a Igreja as mãos amarradas para sempre? Os teólogos consideraram deveras todas as implicações e consequências em relação a esta matéria?

Questões como estas devem ser tratadas em conformidade com a doutrina católica sobre o matrimónio. Uma pastoral plenamente responsável pressupõe uma teologia que se abandone a Deus que se revela «prestando-lhe o total obséquio do intelecto e da vontade e assentindo voluntariamente à Revelação que ele faz» (Concílio Vaticano II, Constituição dogmática Dei Verbum, 5). Para tornar compreensível o ensinamento autêntico da Igreja devemos proceder a partir da Palavra de Deus que está contida na Sagrada Escritura, ilustrada na Tradição da Igreja e interpretada de modo vinculador pelo Magistério.

O testemunho da Escritura


Não está isento de problemáticas o facto de apresentar imediatamente a nossa questão no âmbito do Antigo Testamento, porque naquela época o matrimónio ainda não era considerado um sacramento. A Palavra de Deus no Antigo Testamento é contudo significativa em relação a isto também para nós, a partir do momento que Jesus se coloca nesta tradição e argumenta a partir dela. Encontra-se no Decálogo o mandamento «Não cometer adultério» (Êx 20, 14), mas noutras partes o divórcio é considerado possível. Segundo Dt 24, 1-4, Moisés estabelece que um homem pode dar à esposa um libelo de repúdio e pode mandá-la embora da sua casa se ela não achar mais graça diante dos seus olhos. Como consequência disto, o homem e a mulher podem voltar a casar. Contudo, em paralelo com a concessão do divórcio no Antigo Testamento encontra-se também um certo constrangimento em relação a esta prática. Assim como o ideal da monogamia, também o ideal da indissolubilidade é entendido no confronto que os profetas instituem entre a aliança de Javé com Israel e o vínculo matrimonial. O profeta Malaquias expressa com clareza tudo isto: «Ninguém atraiçoe a mulher da sua juventude... a mulher a ti vinculada por um pacto» (Ml 2, 14-15).

Foram sobretudo as controvérsias com os fariseus que deram a Jesus a ocasião para se ocupar do tema. Ele distanciou-se expressamente da prática veterotestamentária do divórcio, que Moisés tinha permitido por causa da «dureza do coração» dos homens, e ao contrário indicou a vontade originária de Deus: «Mas no início da criação varão e mulher os criou; por isto o homem deixará seu pai e sua mãe e unir-se-á à sua mulher e os dois serão uma só carne […] Por conseguinte, não separe o homem o que Deus uniu» (Mc 10, 5-9; cf. Mt 19, 4-9; Lc 16, 18). A Igreja católica, no seu ensinamento e na sua prática, referiu-se constantemente às palavras de Jesus sobre a indissolubilidade do matrimônio. O Pacto que une íntima e reciprocamente os dois cônjuges é instituído pelo próprio Deus. Trata-se por conseguinte de uma realidade que vem de Deus e já não está na disponibilidade dos homens.

Hoje, alguns exegetas afirmam que estas expressões do Senhor já teriam encontrado nos tempos apostólicos uma certa flexibilidade na aplicação: e precisamente, no caso da porneia/fornicação (cf. Mt 5,32; 19, 9) e no caso da separação entre um cônjuge cristão e outro não cristão (cf. 1 Cor 7, 12-15). As cláusulas sobre a fornicação foram objecto de debate controverso desde o início no campo exegético. Muitos estão convictos de que não se trata de excepções em relação à indissolubilidade do matrimónio, mas antes de vínculos matrimoniais não válidos. Contudo, a Igreja não pode basear a sua doutrina e a sua prática em hipóteses exegéticas controversas. Ela deve ater-se ao ensinamento claro de Cristo.

Paulo estabelece que a proibição de divórcio é uma vontade expressa de Cristo: «Mando aos casados, não eu mas o Senhor, que a mulher se não separe do marido. Se, porém, se separar, que não torne a casar, ou que se reconcilie com o marido; e que o marido não repudie a mulher» (1 Cor 7, 10-11). Ao mesmo tempo, baseando-se na própria autoridade, Paulo concede que um não cristão possa separar-se do seu cônjuge que se tornou cristão. Neste caso o cristão já não está «submetido à escravidão», isto é, já não está obrigado a permanecer não-casado (1 Cor 7, 12-16). A partir desta posição, a Igreja reconheceu que só o matrimónio entre um homem e uma mulher baptizados é sacramento em sentido próprio e só para estes é válida a indissolubilidade incondicional. De facto, o matrimónio dos não-baptizados está subordinado à indissolubilidade, mas pode contudo ser dissolvido em determinadas circunstâncias – devido a um bem maior (Privilegium Paulinum). Não se trata portanto de uma excepção ao ensinamento do Senhor: a indissolubilidade do matrimónio sacramental, do matrimónio no âmbito do Mistério de Cristo, permanece.


De grande significado para o fundamento bíblico da compreensão sacramental do matrimónio é a Carta aos Efésios, na qual se afirma: «Maridos, amai as vossas mulheres como também Cristo amou a Igreja e por ela se entregou» (Ef 5, 25). E mais adiante o apóstolo escreve: «Por isso, o homem deixará pai e mãe, ligar-se-á à mulher e passarão os dois a ser uma só carne. É grande este mistério; digo-o porém, em relação a Cristo e à Igreja» (Ef 5, 31-32). O matrimónio cristão é um sinal eficaz da aliança de Cristo e da Igreja. O matrimónio entre baptizados é um sacramento porque distingue e age como mediador da graça deste pacto.

O testemunho da tradição da Igreja

Os Padres da Igreja e os Concílios constituem sucessivamente um importante testemunho para o desenvolvimento da posição eclesiástica. Segundo os Padres as instruções bíblicas são vinculadoras. Eles não admitem as leis civis sobre o divórcio considerando-as incompatíveis com o pedido de Jesus. A Igreja dos Padres, em obediência ao Evangelho, rejeitam o divórcio e o segundo matrimónio, em relação a esta questão o testemunho dos Padres é inequívoco.

Na época patrística os crentes separados que se tinham voltado a casar civilmente não eram readmitidos aos sacramentos nem sequer depois de um período de penitência. Alguns textos patrísticos deixam entender que os abusos nem sempre eram rigorosamente rejeitados e que por vezes foram procuradas soluções pastorais para raríssimos casos-limite.

Mais tarde nalgumas zonas, sobretudo por causa da crescente interdependência entre Igreja e Estado, chegou-se a compromissos maiores. No Oriente este desenvolvimento prosseguiu o seu curso e levou, sobretudo depois da separação da Cátedra de Pedro, a uma prática cada vez mais liberal. Hoje nas Igrejas ortodoxas existe uma variedade de causas para o divórcio, que normalmente são justificadas com referência à oikonomia, a clemência pastoral para cada um dos casos difíceis, e abrem o caminho a um segundo ou terceiro matrimónio com carácter penitencial. Esta prática não é coerente com a vontade de Deus, claramente expressa pelas palavras de Jesus acerca da indissolubilidade do matrimónio, e isto representa certamente uma questão ecuménica que não deve ser subestimada.

No Ocidente, a reforma gregoriana contrastou as tendências de liberalização e voltou a propor o conceito originário das Escrituras e dos Padres. A Igreja católica defendeu a absoluta indissolubilidade do matrimónio até à custa de grandes sacrifícios e sofrimentos. O cisma da «Igreja da Inglaterra», que se separou do Sucessor de Pedro, aconteceu não por causa de diferenças doutrinais, mas porque o Papa, em obediência à palavra de Jesus, não podia favorecer o pedido do rei Henrique VIII para a dissolução do seu matrimónio.

O Concílio de Trento confirmou a doutrina da indissolubilidade do matrimónio sacramental e esclareceu que ela corresponde ao ensinamento do Evangelho (cf. DH 1807). Por vezes afirma-se que a Igreja tolerou de facto a prática oriental, mas isto não corresponde à verdade. Os canonistas sempre falaram de uma prática abusiva, e há testemunhos acerca de alguns grupos de cristãos ortodoxos que, tendo-se tornado católicos, tiveram que assinar uma confissão de fé na qual era feita referência explícita à impossibilidade da celebração de segundas ou terceiras núpcias.

O Concílio Vaticano II propôs de novo uma doutrina teológica e espiritualmente profunda do matrimónio na Constituição pastoral Gaudium et spes sobre a Igreja no mundo contemporâneo, expondo com clareza também o princípio da sua indissolubilidade. O matrimónio é entendido como uma completa comunhão corporal e espiritual de vida e de amor entre homem e mulher, que se doam e se acolhem um ao outro enquanto pessoas. Através do acto pessoal e livre do consentimento recíproco é fundada por direito divino uma instituição estável, orientada para o bem dos cônjuges e da prole, e não dependente do arbítrio do homem: «Esta união íntima, enquanto mútua doação de duas pessoas, assim como o bem dos filhos, exigem a plena fidelidade dos cônjuges e reclamam a sua unidade indissolúvel» (n. 48). Por meio do sacramento Deus concede aos cônjuges uma graça especial: «Com efeito, como outrora Deus tomou a iniciativa de uma aliança de amor e fidelidade com o seu povo assim agora o Salvador dos homens e esposo da Igreja vem ao encontro dos cônjuges cristãos através do sacramento do matrimónio. Além disso, permanece com eles para que, assim como ele amou a Igreja e se entregou por ela, também os cônjuges possam amar-se um ao outro fielmente, para sempre, com dedicação mútua» (ibid.). Mediante o sacramento a indissolubilidade do matrimónio encerra um significado novo e mais profundo: ela torna-se imagem do amor de Deus pelo seu povo e da fidelidade irrevogável de Cristo à sua Igreja.

Só é possível compreender e viver o matrimónio como sacramento no âmbito do Mistério de Cristo. Se se seculariza o matrimónio ou se for considerado uma realidade meramente natural permanece como que impedido o acesso à sua sacramentalidade. O matrimónio sacramental pertence à ordem da graça e é inserido na comunhão definitiva de amor de Cristo com a sua Igreja. Os cristãos estão chamados a viver o seu matrimónio no horizonte escatológico da vinda do Reino de Deus em Jesus Cristo, Verbo de Deus encarnado.

O testemunho do Magistério em época recente

Com o texto ainda hoje fundamental da Exortação apostólica Familiaris consortio, publicada por João Paulo II a 22 de Novembro de 1981 depois do Sínodo dos Bispos sobre a família cristã no mundo contemporâneo, foi expressamente confirmado o ensinamento dogmático da Igreja acerca do matrimónio. Sob o ponto de vista pastoral a Exortação pós-sinodal ocupou-se também da cura dos fiéis recasados com rito civil, mas que ainda estão vinculados por um matrimónio válido para a Igreja. O Papa demonstrou uma medida alta de solicitude e atenção.

No n. 84 («Os divorciados recasados») são expostos os seguintes princípios:

1. Os pastores que cuidam das almas são obrigados por amor à verdade «a discernir bem as diversas situações». Não é possível avaliar tudo e todos do mesmo modo.

2. Os pastores e as comunidades são obrigados a ajudar «com caridade solícita» os fiéis concernidos; com efeito também eles pertencem à Igreja, têm direito à cura pastoral e devem poder participar da vida da Igreja.

3. A admissão à Eucaristia não lhes pode contudo ser concedida. Em relação a isto é aduzido um duplo motivo: a) «o seu estado e condição de vida estão em contraste objectivo com aquela união de amor entre Cristo e a Igreja, significada e realizada pela Eucaristia»; b) «se se admitissem estas pessoas à Eucaristia, os fiéis seriam induzidos em erro e confusão acerca da doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimónio». Uma reconciliação mediante o sacramento da penitência – que abriria o caminho ao sacramento eucarístico – só pode ser concedida com base no arrependimento em relação a quanto aconteceu, e com a disponibilidade «a uma forma de vida já não em contradição com a indissolubilidade do matrimónio». Isto comporta, em concreto, que quando a nova união não pode ser dissolvida por motivos sérios – como, por exemplo, a educação dos filhos – ambos os cônjuges «assumem o compromisso de viver em continência total».

4. Por motivos teológico-sacramentais, e não por uma constrição legal, ao clero é expressamente feita a proibição, enquanto subsiste a validade do primeiro matrimónio, de concretizar «cerimónias de qualquer género» a favor de divorciados que se recasam civilmente.

A Carta da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a recepção da Comunhão eucarística por parte de fiéis divorciados recasados de 14 de Setembro de 1994 confirmou que a prática da Igreja sobre este tema «não pode ser modificada com base nas diferentes situações» (n. 5). Além disso, é esclarecido que os crentes concernidos não devem receber a sagrada Comunhão com base no seu juízo de consciência: «Caso o julgasse possível, os pastores e os confessores […] têm o grave dever de o repreender porque tal juízo de consciência está em aberto contraste com a doutrina da Igreja» (n. 6). No caso de dúvidas acerca da validade de um matrimónio fracassado, elas devem ser verificadas pelos órgãos judiciários competentes em matéria matrimonial (cf. n. 9). Permanece de importância fundamental fazer «com caridade solícita tudo o que pode fortalecer no amor de Cristo e da Igreja os fiéis que se encontram em situação matrimonial irregular. Só assim será possível para eles acolher plenamente a mensagem do matrimónio cristão e suportar na fé o sofrimento da sua situação. Na acção pastoral dever-se-á fazer todos os esforços para que seja bem compreendido que não se trata de discriminação alguma, mas unicamente de fidelidade absoluta à vontade de Cristo que nos voltou a dar e confiou de novo a indissolubilidade do matrimónio como dom do Criador» (n. 10).

Na Exortação pós-sinodal Sacramentum caritatis de 22 de Fevereiro de 2007 Bento XVI retoma e relança o trabalho do precedente Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia. Ele chega a falar da situação dos fiéis divorciados recasados no n. 29, onde não hesita defini-la «um problema pastoral delicado e complexo». Bento XVI reafirma «a prática da Igreja, fundada na Sagrada Escritura (cf. Mc 10, 2-12), de não admitir aos Sacramentos os divorciados recasados», mas chega até a esconjurar os pastores a dedicar «especial atenção» em relação às pessoas concernidas «no desejo de que cultivem, na medida do possível, um estilo cristão de vida através da participação na Santa Missa, mesmo sem receber a Comunhão, da escuta da Palavra de Deus, ad adoração eucarística, da oração, da participação na vida comunitária, do diálogo confidente com um sacerdote ou um mestre de vida espiritual, da dedicação à caridade vivida, das obras de penitência, do compromisso educativo dos filhos». É reafirmado que, em caso de dúvidas acerca da validade da comunhão de vida matrimonial que foi interrompida, elas devem ser examinadas atentamente pelos tribunais competentes em matéria matrimonial.

A mentalidade contemporânea está bastante em contraste com a compreensão cristã do matrimónio, sobretudo em relação à sua indissolubilidade e à abertura à vida. Considerando que muitos cristãos são influenciados por tal contexto cultural, os matrimónios são provavelmente com mais frequência não válidos nos nossos dias de quanto o eram no passado, porque é deficitária a vontade de se casar segundo o sentido da doutrina matrimonial católica e também a pertença a um contexto vital de fé é muito limitada. Portanto, uma verificação da validade do matrimónio é importante e pode levar a uma solução dos problemas. Quando não é possível comprovar uma nulidade do matrimónio, é possível a absolvição e a Comunhão eucarística se for seguida a aprovada prática eclesial que estabelece que se viva juntos «como amigos, como irmão e irmã». As bênçãos de vínculos irregulares devem «ser evitadas em qualquer caso […] para que não surjam entre os fiéis confusões acerca do valor do Matrimónio». A bênção (bene-dictio: aprovação por parte de Deus) de uma relação que se contrapõe à vontade divina deve ser considerada em si uma contradição.

Na homilia pronunciada em Milão a 3 de Junho de 2012, por ocasião do VII Encontro mundial das famílias, Bento XVI voltou a falar deste doloroso problema: «Gostaria de dedicar uma palavra também aos fiéis que, mesmo partilhando os ensinamentos da Igreja sobre a família, estão marcados por experiências dolorosas de fracasso ou de separação. Sabei que o Papa e a Igreja vos amparam na vossa fadiga. Encorajo-vos a permanecer unidos às vossas comunidades, enquanto faço votos por que as dioceses realizem iniciativas adequadas de acolhimento e proximidade».

O último Sínodo dos Bispos sobre o tema «A nova Evangelização para a transmissão da fé cristã» (7-28 de Outubro de 2012) ocupou-se de novo da situação dos fiéis que, a seguir ao fracasso da comunhão de vida matrimonial (não a falência do matrimónio, que subsiste enquanto sacramento) iniciou uma nova união e convivem sem o vínculo sacramental do matrimónio. Na mensagem final os Padres sinodais dirigiram-se com estas palavras aos fiéis concernidos: «A todos eles desejamos dizer que o amor do Senhor não abandona ninguém, que também a Igreja os ama e é casa acolhedora para todos, que eles permanecem membros da Igreja mesmo se não podem receber a absolvição sacramental e a Eucaristia. As comunidades católicas sejam acolhedoras em relação a quantos vivem em tais situações e apoiem caminhos de conversão e de reconciliação».

Considerações antropológicas e teológico-sacramentais

A doutrina sobre a indissolubilidade do matrimónio encontra com frequência incompreensão num ambiente secularizado. Onde se perderam as razões fundamentais da fé cristã, uma mera pertença convencional à Igreja já não é capaz de guiar as escolhas de vida importantes e de oferecer apoio algum nas crises do estado matrimonial – como também do sacerdócio e da vida consagrada. Muitos se questionam: como posso vincular-me por toda a vida a uma só mulher/a um só homem? Quem me pode dizer como será daqui a dez, vinte, trinta, quarenta anos de matrimónio? É efectivamente possível um vínculo definitivo com uma só pessoa? As muitas experiências de comunhão matrimonial que hoje se interrompem reforçam o cepticismo dos jovens em relação às decisões definitivas da vida.

Por outro lado, o ideal da fidelidade entre um homem e uma mulher, fundado na ordem da criação, nada perdeu do seu fascínio, como evidenciam os recentes inquéritos entre os jovens. A maior parte deles deseja uma relação estável e duradoura, enquanto isso corresponderia também à natureza espiritual e moral do homem. Além disso, deve recordar-se o valor antropológico do matrimónio indissolúvel: ele subtrai os cônjuges do arbítrio e da tirania dos sentimentos e dos estados de ânimo; ajuda-os a enfrentar as dificuldades pessoais e a superar as experiências dolorosas; protege sobretudo os filhos, que são vítimas do maior sofrimento da interrupção dos matrimónios.

O amor é algo mais do que o sentimento e o instinto; na sua essência é dedicação. No amor conjugal duas pessoas dizem um ao outro consciente e voluntariamente: só tu – e tu para sempre. A palavra do Senhor: «O que Deus uniu...» corresponde à promessa do casal: «Recebo-te como meu esposo... recebo-te como minha esposa... Quero amar-te e honrar-te toda a minha vida, enquanto a morte não nos separar». O sacerdote abençoa o pacto que os cônjuges estabeleceram entre si diante de Deus. Quem tiver dúvidas sobre o facto de que o vínculo matrimonial tenha qualidade ontológica, pode deixar-se instruir pela Palavra de Deus: «No princípio Deus criou o homem e a mulher. Por isso o homem deixará seu pai e sua mãe e unir-se-á à sua esposa e os dois serão uma só carne. De modo que já não são dois, mas uma só carne» (Mt 19, 4-6).

Para os cristãos é válido o facto de que o matrimónio dos baptizados, incorporados no Corpo de Cristo, tem um carácter sacramental e representa, por conseguinte, uma realidade sobrenatural. Um dos problemas pastorais mais graves consiste no facto de que muitos, hoje, julgam o matrimónio exclusivamente segundo critérios mundanos e pragmáticos. Quem pensa segundo o «espírito do mundo» (1 Cor 2, 12) não pode compreender a sacramentalidade do matrimónio. À crescente falta de compreensão acerca da santidade do matrimónio, a Igreja não pode responder com uma adequação pragmática ao que parece inevitável, mas só com a confiança no «Espírito de Deus, para que possamos conhecer o que Deus nos doou» (1 Cor 2, 12). O matrimónio sacramental é um testemunho do poder da graça que transforma o homem e prepara toda a Igreja para a cidade santa, a nova Jerusalém, a própria Igreja, pronta «como uma esposa adornada para o seu esposo» (Ap 21, 2). O Evangelho da santidade do matrimónio deve ser anunciado com audácia profética. Um profeta tíbio procura na adequação ao espírito dos tempos a sua própria salvação, mas não a salvação do mundo em Jesus Cristo. A fidelidade às promessas do matrimónio é um sinal profético da salvação que Deus doa ao mundo: «quem pode compreender, compreenda» (Mt 19, 12).

O amor conjugal é purificado, fortalecido e aumentado pela graça sacramental: «Este amor, ratificado por um compromisso comum e sobretudo consagrado por um sacramento de Cristo, permanece indissoluvelmente fiel na boa e na má sorte, a nível do corpo e do espírito; por conseguinte exclui qualquer adultério e divórcio» (Gaudium et spes, 49). Por conseguinte, os esposos, participando em virtude do sacramento do matrimónio do amor definitivo e irrevogável de Deus, podem em virtude disto ser testemunhas do amor fiel de Deus, nutrindo constantemente o seu amor através de uma vida de fé e de caridade.

Certamente, há situações – cada pastor o sabe – nas quais a convivência matrimonial se torna praticamente impossível por causa de graves motivos, como por exemplo em caso de violência física ou psíquica. Nestas dolorosas situações a Igreja sempre permitiu que os cônjuges se pudessem separar e não vivessem mais juntos. Contudo, deve ser esclarecido que o vínculo conjugal de um matrimónio validamente celebrado permanece estável diante de Deus e ambas as partes não são livres de contrair um novo matrimónio enquanto o outro cônjuge for vivo. Os pastores e as comunidades cristãs devem portanto comprometer-se em promover de todas as formas a reconciliação também nestes casos ou, quando isto não for possível, em ajudar as pessoas concernidas a enfrentar na fé a própria difícil situação.

Anotações teológico-morais

Com sempre maior frequência é sugerido que a decisão de receber ou não a Comunhão eucarística deveria ser deixada à consciência pessoal dos divorciados recasados. Este assunto, que se baseia num conceito problemático de «consciência», já foi rejeitado na carta da Congregação de 1994. Certamente, em cada celebração da Missa os fiéis são obrigados a respeitar na sua consciência se é possível receber a Comunhão, possibilidade à qual a existência de um pecado grave não confessado se opõe sempre. Por conseguinte, eles têm a obrigação de formar a própria consciência e de tender para a verdade; para esta finalidade podem ouvir na obediência o magistério da Igreja, que os ajuda «a não se desviarem da verdade acerca do bem do homem, mas, sobretudo nas questões mais difíceis, a alcançar com segurança a verdade e a permanecer nela» (João Paulo II, Carta encíclica Veritatis splendor, 64).

Se os divorciados recasados estão subjectivamente na convicção de consciência que o precedente matrimónio não era válido, isto deve ser objectivamente demonstrado pela competente autoridade judiciária em matéria matrimonial. O matrimónio não diz respeito só à relação entre duas pessoas e Deus, mas é também uma realidade da Igreja, um sacramento, sobre cuja validade não só o indivíduo para si mesmo, mas a Igreja, na qual ele mediante a fé e o Baptismo está incorporado, deve decidir. «Se o matrimónio precedente de fiéis divorciados recasados era válido, a sua nova união não pode ser considerada de modo algum lícita, pelo facto de que a recepção dos Sacramentos não pode estar baseada em razões interiores. A consciência do indivíduo está vinculada sem excepções a esta norma» (Card. Joseph Ratzinger, A pastoral do matrimónio deve fundar-se na verdade, L'Osservatore Romano, edição italiana de 30 de Novembro de 2011, pp. 4-5).

Também a doutrina da «epiqueia», segundo a qual uma lei é válida em termos gerais, mas nem sempre a acção humana lhe pode corresponder totalmente, não pode ser aplicada neste caso, porque a indissolubilidade do matrimónio sacramental é uma norma de direito divino, que por conseguinte não está na disponibilidade da autoridade da Igreja. Contudo, ela tem o pleno poder – na linha do privilégio paulino – de esclarecer quais condições devem ser satisfeitas antes de poder definir um matrimónio indissolúvel segundo o sentido que Jesus lhe atribuiu. Sobre esta base, a Igreja estabeleceu os impedimentos para o matrimónio que são motivo de nulidade matrimonial e preparou um pormenorizado procedimento processual.

Uma ulterior tendência a favor da admissão dos divorciados recasados aos sacramentos é a que invoca o argumento da misericórdia. Dado que o próprio Jesus solidarizou com os sofredores doando-lhes o seu amor misericordioso, a misericórdia seria por conseguinte um sinal especial da autêntica sequela. Isto é verdade, mas é um argumento débil em matéria teológico-sacramentária, também porque toda a ordem sacramental é precisamente obra da misericórdia divina e não pode ser revogada invocando o mesmo princípio que a sustém. Através daquela que objectivamente ressoa como uma falsa invocação da misericórdia incorre-se no risco da banalização da própria imagem de Deus, segundo a qual Deus mais não poderia fazer do que perdoar. Pertencem ao mistério de Deus, além da misericórdia, também a santidade e a justiça; se se escondem estes atributos de Deus e não se leva seriamente a realidade do pecado, não se pode nem sequer mediar às pessoas a sua misericórdia. Jesus encontrou a mulher adúltera com grande compaixão, mas também lhe disse: «Vai, e doravante não voltes a pecar» (Jo 8, 11). A misericórdia de Deus não é uma dispensa dos mandamentos de Deus e das instruções da Igreja; aliás, ela concede a força da graça para a sua plena realização, para se levantar depois de uma queda e para uma vida de perfeição à imagem do Pai celeste.

A cura pastoral

Mesmo se, por natureza íntima dos sacramentos, a admissão a eles por parte dos divorciados recasados não for possível, os esforços pastorais devem dirigir-se ainda mais a favor destes fiéis, mesmo se eles devem permanecer na dependência das normas derivantes da Revelação e da doutrina da Igreja. O percurso indicado pela Igreja para as pessoas directamente concernidas não é simples, mas elas devem saber e sentir que a Igreja acompanha o seu caminho como uma comunidade de cura e de salvação. Com o seu compromisso a compreender a prática eclesial e a não receber a Comunhão, os cônjuges apresentam-se à sua maneira como testemunhas da indissolubilidade do matrimónio.


A cura para os divorciados recasados certamente não deveria limitar-se à questão da recepção da Eucaristia. Trata-se de uma pastoral global que procura satisfazer o mais possível as exigências das diversas situações. É importante recordar, a este propósito, que além da Comunhão sacramental há outros modos para entrar em comunhão com Deus. A união com Deus alcança-se quando nos dirigimos a ele na fé, na esperança e na caridade, no arrependimento e na oração. Deus pode conceder a sua proximidade e a sua salvação às pessoas por diversos caminhos, mesmo se elas vivem em situações contraditórias. Como frisam constantemente os recentes documentos do Magistério, os pastores e as comunidades cristãs estão chamados a acolher com abertura e cordialidade as pessoas que vivem em situações irregulares, para estar ao seu lado com empatia, com a ajuda concreta e para lhes fazer sentir o amor do Bom Pastor. Uma cura pastoral fundada na verdade e no amor encontrará sempre e novamente neste campo os caminhos a percorrer e as formas mais justas.


Dom Gerhard Ludwig Müller
Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé
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A origem cristã da festa de Halloween


"Conhecerão a verdade, e a verdade os fará livres" (Jo 8, 32). Anunciar o Evangelho envolve anunciar a Verdade que nos salva (Lumen gentium, 17), ou seja, anunciar nosso Senhor Jesus Cristo.
Por isso, no anúncio do Evangelho, um discípulo de Cristo não pode recorrer jamais à mentira, nem sequer às meias verdades. Eis aqui um critério de discernimento que precisamos levar sempre em consideração: o fim nunca justifica os meios. Quando fazemos isso, saímos do âmbito da evangelização e entramos no proselitismo.

Pois bem, acabamos caindo em mentiras e meias verdades frequentemente ao falar da festa de Halloween. Por outro lado, quando se fala de Halloween, também surgem preconceitos e inclusive expressões de xenofobia.

A origem do Halloween é cristã, com uma visão muito norte-americana. É verdade que os celtas da Irlanda e Bretanha celebravam um festival no dia 31 de outubro, assim como faziam quase todos os meses, no último dia de cada mês. No entanto, o Halloween cai no último dia de outubro porque é a véspera da festa católica de Todos os Santos.

Esta festa, em homenagem a todos os santos do céu, costumava ser celebrada no dia 13 de maio, mas o Papa Gregório III, no ano 741, transferiu-a para 1º de novembro, dia em que se dedicou a Capela de Todos os Santos em São Pedro (Roma). No século seguinte, o Papa Gregório IV quis que a festa de Todos os Santos fosse celebrada em todo o mundo cristão, chegando, assim, à Irlanda.