Em momentos de crise, a sensação de insegurança se
espalha com muita rapidez. E estamos vivendo um momento de crise: não somente
de crise econômica, embora esta também se faça evidente, mas principalmente de
crise ética, religiosa e, porque não dizer, civilizacional.
Em situações assim, não é incomum que aqueles que
estão no poder procurem razões – fora de si mesmos – as quais imputar a
responsabilidade pelo fato de que as coisas não estão indo bem. Uma estratégia
muito comum de governantes que desacreditam na alternância de poder como
princípio democrático é a de afirmar que as atuais estruturas políticas e
sociais não são suficientes para que ele possa exercer o poder necessário para
levar o povo para fora da crise. O governante grita por mais poder; presume-se
legítimo não apenas para conduzir o povo para a prosperidade, mas ao paraíso na
terra, o que só não aconteceria, alegam, porque sua capacidade de fazer o
necessário para isto está atada por princípios e estruturas que o restringem, e
o impedem de redimir o povo da crise.
Este é um fenômeno que parece estar se desenhando
no Brasil: vê-se o partido do governo propondo uma reforma política logo após
quase sofrer uma grande derrota eleitoral, e defendendo a extinção de
estruturas políticas multicentenárias como o Senado da República, ou tentando
bloquear o que vê como canais de possíveis derrotas para si em votações no
congresso e em futuras eleições, que são a imprensa livre e a possibilidade de
financiamento privado (aberto e contabilizado) de campanhas.
Ora, os princípios são criados e mantidos
exatamente para nos guiar nas crises. Na prosperidade, ninguém discute
princípios. No entanto, a ideia de que são os princípios, as estruturas
democráticas, a liberdade de expressão ou a participação de agentes privados em
campanhas eleitorais os verdadeiros responsáveis pela crise escamoteia o fato
principal: isto não é verdade. As crises nascem e algum outro lugar, não das
estruturas democráticas e sociais, e desconstruir estruturas democráticas e
sociais nunca foi caminho para solução de crise, senão para, como parece óbvio,
criar um governo autoritário e acabar com a democracia.