Na primeira (e longa) entrevista que o papa
Francisco concedeu a um meio de comunicação de Israel, ele abriu um pouco mais
da sua vida pessoal, das suas frustrações e esperanças e da sua visão sobre o
sacerdócio e o papado.
A entrevista foi realizada em partes, que, juntas,
totalizaram 10 horas de conversa entre o papa e Henrique Cymerman, da Israel
News. O jornalista ainda fez vários telefonemas ao papa: um deles logo após o
ataque contra uma sinagoga de Jerusalém, no qual cinco pessoas foram mortas.
"Eu condeno com veemência qualquer tipo de
violência em nome de Deus", disse Francisco ao jornalista. "Estou
acompanhando a escalada preocupante da violência em Jerusalém e em outras
comunidades da Terra Santa e rezo pelas vítimas e por todos os que sofrem com
essa violência inaceitável, que não poupa nem os locais de culto. Do fundo do
meu coração, eu exorto todas as partes envolvidas a renunciarem ao ódio e à
violência e a trabalharem pela reconciliação e pela paz. É difícil construir a
paz; mas viver sem paz é um pesadelo absoluto".
Refletindo sobre a sua visita deste ano à Terra
Santa, viagem que, segundo ele, abriu os seus olhos para muitas coisas,
Francisco revelou que estar na terra da Encarnação foi um momento de profundo
impacto espiritual. “Quando eu experimento emoções fortes”, disse ele, “eu fico
introvertido; e isso vai se intensificando aos poucos até ficar evidente para
quem vê de fora”.
Cymerman perguntou ao papa sobre a possibilidade de
abertura dos arquivos do Vaticano a fim de se lançar mais luz sobre o papel
desempenhado pela Igreja durante a Segunda Guerra Mundial e, especialmente,
sobre a postura adotada pelo papa Pio XII. Francisco defendeu com força o seu
antecessor, lembrando ao entrevistador que, antes da obra “O Deputado”, de Rolf
Hochhuth, em 1963, Pio XII era quase universalmente aclamado pela ajuda que
tinha prestado aos judeus perseguidos pelos nazistas alemães.
“Durante o Holocausto, Pio XII abrigou muitos
judeus em mosteiros da Itália. Na cama do próprio papa em Castel Gandolfo,
nasceram 42 bebês, filhos de casais estavam lá escondidos dos nazistas. Estas
coisas as pessoas não sabem”, disse Francisco. “Eu não estou dizendo que ele
não tenha cometido erros. Mas quando você interpreta a história, tem que
interpretá-la a partir do modo de pensar da época em questão. Eu não posso
julgar eventos históricos só da perspectiva moderna. Não funciona. Nunca vou
chegar à verdade assim”.
O papa também destacou que há mais perseguição
contra os cristãos hoje do que nos primeiros tempos da Igreja. Ele reconheceu
os riscos que existem para a sua própria pessoa, particularmente com a ameaça
do grupo terrorista Estado Islâmico, mas manifestou uma postura de aceitação da
mortalidade: "Na minha idade, eu não tenho muito a perder".
Mais importante, para ele, é poder estar perto de
pessoas como um sacerdote do tipo “pastor das ovelhas”. Na Jornada Mundial da
Juventude no Rio, por exemplo, ele insistiu em deixar de lado o papamóvel
blindado. "Eu disse a eles [à equipe responsável pela organização e pela
segurança] que não ia abençoar os fiéis e dizer que os amo de dentro de uma
lata de sardinhas, mesmo que ela fosse de vidro", declarou o papa.
"Afinal, até onde eu entendo, aquilo é uma parede".
Francisco afirmou ainda que, na volta da viagem
pastoral à Coreia do Sul, realizada este ano, ele queria fazer uma parada no
Iraque, onde o grupo Estado Islâmico obrigou milhares de cristãos e membros de
outras minorias étnicas e religiosas a abandonar as próprias casas. Mas sua
equipe de segurança “não me deixou”, relata.
O papa contou a Cymerman que assina regularmente um
documento assumindo a responsabilidade “por qualquer coisa que possa acontecer”
com ele em público, principalmente nas viagens ao exterior.
Perguntado se ainda se sente um “simples sacerdote”
ou se já “se acostumou” com o fato de ocupar “a posição mais alta da Igreja
católica”, Francisco respondeu:
“O papel do sacerdote reflete melhor as minhas
aspirações. Servir às pessoas é algo natural para mim. Desligar a luz para
evitar o desperdício de energia elétrica... Enfim, estes são os hábitos de um
padre. Mas eu me sinto papa, sim, e isso me ajuda a levar as coisas a sério. Eu
não estou tentando desempenhar o papel do papa-padre. Seria infantil de minha
parte. A abordagem sacerdotal é antes de tudo uma coisa interna, e, às vezes, é
manifestada em gestos que você faz. Mas, em última análise, eu tenho
responsabilidades como papa e há compromissos que eu devo cumprir”.
Francisco disse que o conclave que o elegeu fez uma
série de recomendações de mudanças e que, agora, ele está colocando muitas
delas em prática, tais como o Conselho de Cardeais, com o qual ele se reúne uma
vez a cada dois ou três meses para discutir as reformas do Vaticano.
Uma mudança, no entanto, pode ser atribuída ao seu
antecessor imediato, e Francisco, mais uma vez, falou em seguir os passos do
papa emérito Bento XVI no sentido de anunciar uma eventual renúncia ao papado
se achar que esta é a vontade de Deus. Em tal hipótese, porém, Francisco
provavelmente não ficaria no Vaticano. Ele falou de planos que tinha feito
antes de ser eleito papa, quando pensava em se retirar numa casa para
sacerdotes aposentados na Argentina e trabalhar como “um sacerdote soldado
raso”, “ajudando as comunidades”.
E há uma coisa que aparentemente não mudou para
Jorge Mario Bergoglio depois que ele se mudou para Roma. De acordo com
Cymerman, o papa Francisco sempre carrega consigo, em suas vestes brancas, uma
foto do seu time do coração, o San Lorenzo de Almagro.
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Fonte: Aleteia
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