Recentemente, um jovem espanhol pediu-me que
explicasse a natureza do trabalho que desempenho no Vaticano como prefeito da
Secretaria para a Economia, bem como a situação econômica passada e presente da
Santa Sé.
Por quê? Porque, como membro da Opus Dei e como
estudante universitário de primeiro, ele queria ter condições de responder às
perguntas de seus companheiros estudantes e defender a Igreja.
Um membro de uma delegação parlamentar britânica
colocou a mesma questão de uma forma um pouco diferente: Por que as autoridades
da Santa Sé permitiram que esta situação chegasse a este ponto, desconsiderando
os padrões modernos contábeis, por tantas décadas?
Em minha resposta, comecei observando que esta
pergunta era uma das primeiras que ocorreriam para nós, falantes de língua
inglesa, mas que também era uma pergunta que bem poderia ser a última da lista
para pessoas vindas de uma outra cultura, tal como a italiana.
Estes na Cúria estavam seguindo padrões há muito
tempo estabelecidos. Assim como os reis haviam permitido a seus legisladores,
príncipes e governadores uma liberdade de exercício quase completa para
controlar as suas respectivas terras, desde que equilibrassem as contas, o
mesmo fizeram os papas com os cardeais curiais (tal como eles ainda fazem com
os seus bispos diocesanos).
Por causa do tamanho da comunidade católica, com
cerca de três mil dioceses espalhadas por todos os continentes, o princípio de
subsidiariedade – quer dizer, a gestão local da diocese e as finanças das
ordens religiosas – é a única opção.
As responsabilidades da Secretaria para a Economia
limitam-se à Santa Sé, ao Estado da Cidade do Vaticano e às quase 200 entidades
diretamente subordinadas ao Vaticano. Mas alguns cardeais e bispos já se
perguntaram, em voz alta, se o novo conjunto de procedimentos financeiros e
planos de contabilidade, introduzidos em novembro neste ano no Vaticano,
poderiam ser enviados às conferências episcopais nacionais para consideração e
uso. Isso é algo para o futuro.
É importante ressaltar que o Vaticano não está
quebrado. À parte dos fundos de pensão, que precisam ser fortalecidos para as
demandas de 15 a 20 anos, a Santa Sé está com suas contas em dia, possuindo
ativos e investimentos substanciais.
Na verdade, descobrimos que a situação está muito
melhor do que parecia, porque algumas centenas de milhões de euros estavam
escondidas em contas particulares e não apareciam nos balancetes. Uma outra
questão, impossível de se responder, é se o Vaticano deva ter muito mais
reservas.
Certa vez li que o Papa Leão XIII enviou um
visitador apostólico à Irlanda para compor um relatório sobre a Igreja Católica
local. Em sua volta, a primeira pergunta do Santo Padre foi: “Como encontraste
os bispos irlandeses?” O visitador respondeu que não conseguiu encontrar nenhum
bispo, mas apenas 25 papas.
Assim era com as finanças vaticanas. As
congregações, os conselhos e, especialmente, a Secretaria de Estado defendiam e
desfrutavam de uma independência sadia. Os problemas eram mantidos “em casa”
(como era de costume em quase todas as instituições, seculares e religiosas,
até recentemente). Poucos eram tentados a dizer ao mundo o que estava
acontecendo, exceto quando precisavam de ajuda externa.
Muitos vão se lembrar dos escândalos no Banco
Vaticano (IOR) no começo da década de 1980, com Dom Paul Marcinkus e os
banqueiros leigos Michele Sindona e Roberto Calvi (quem foi encontrado
enforcado sob a ponte Blackfriars [aqui na Inglaterra]), e com o Vaticano sendo
obrigado a pagar 406 milhões de dólares em indenização. Uma calmaria relativa
em seguida se sucedeu, até que as leis internacionais contra a lavagem de
dinheiro precisaram ser aplicadas dentro do Vaticano.
As autoridades que supervisionavam o Banco Vaticano
não se moveram rápido o suficiente, e algumas dezenas de milhões de euros foram
congeladas pelo Banco da Itália, com muitos bancos europeus se recusando a
negociar com o Vaticano. Foi uma situação dificílima, onde o pior foi evitado
por pouco. Foi apenas neste mês de novembro, após anos de diálogo e muito
trabalho, que os 23 milhões de euros foram liberados.
Um fator importante nesta normalização foi o
estabelecimento da Autoridade de Informação Financeira – AIF dentro do
Vaticano, agência, como aquelas em todos os países ocidentais, dedicada a
prevenir e erradicar a lavagem de dinheiro.
O leigo suíço René Brülhart há pouco se tornou o
primeiro presidente leigo da AIF. O seu conselho compõe-se, principalmente, por
especialistas (leigos) internacionais. As irregularidades ou crimes suspeitos
são informados às autoridades vaticanas quando ocorrem dentro do Vaticano e são
relatados a outras autoridades nacionais, tais como as autoridades italianas,
quando for o caso.
Quando nos reportamos aos últimos anos do
pontificado de Bento XVI, sabemos que estes problemas retornaram ao Banco
Vaticano. O diretor do banco, Ettore Gotti Tedeschi, foi demitido pelo conselho
formado por leigos e uma luta de poder no Vaticano resultou no vazamento
regular de informações. O escândalo explodiu quando Paolo Gabriele, o mordomo
papal, divulgou à imprensa milhares de páginas de documentos privados
fotocopiados do Vaticano.
A minha primeira reação foi perguntar como um
mordomo pôde ter desfrutado de um acesso assim, a documentos tão sensíveis.
Parte da resposta é que ele partilhava de um grande escritório sem divisórias
com os dois secretários papais.
Tudo isso foi severamente prejudicial à reputação
da Santa Sé e constituiu uma cruz pesada para o Papa Bento, quem pediu a três
destacados cardeais eméritos para investigarem a situação. Eles assim fizeram,
presenteando este pontífice com um relatório confidencial. Ele, então, passou
este relatório ao seu sucessor, o Papa Francisco, após sua decisão de renunciar
– a primeira desde a renúncia do Papa Celestino em 1294.
Nos encontros pré-conclaves, antes da eleição do
Papa Francisco, houve um consenso quase unânime entre os cardeais de que os
mundos curial e financeiro no Vaticano precisavam ser reformados e
normalizados.
Desde a sua eleição, o Papa Francisco tem
explicitamente apoiado o programa de reformas financeiras, reformas que estão
bem encaminhadas e já passam do ponto onde seria possível um retorno aos “maus
velhos tempos”. Muito resta a ser feito ainda, mas as reformas estruturais
principais já estão em vigor.
Quando o Papa Francisco percebeu que os sistemas
financeiros do Vaticano haviam evoluído de tal forma que era impossível que
alguém soubesse, precisamente, o que estava acontecendo no geral, nomeou um
organismo internacional de leigos especialistas para analisar a situação e
propor um programa de reformas.
O grupo veio a ser conhecido como a Organização da
Estrutura Econômico-Administrativa da Santa Sé – COSEA (na sigla em inglês), e
foi liderada por Joseph Zahra, um experiente banqueiro maltês. Os altos
executivos não cobraram nada pelos serviços prestados aqui; eles se reuniram
regularmente durante 10 meses e construíram o pacote de reformas que está
sendo, agora, implementado. Para as gerações vindouras, a Igreja deverá muito a
eles. Três princípios básicos encontram-se no cerne do trabalho realizado. Eles
não são originais – e não são exatamente inacessíveis.
O primeiro princípio era que o Vaticano deveria
adotar os padrões financeiros internacionais contemporâneos, como em grande
parte do mundo. Até recentemente, o Vaticano não possuía procedimentos
contáveis prescritos e padronizados.
O segundo princípio significava que as políticas e
os procedimentos vaticanos deveriam ser transparentes, com relatórios
financeiros muito semelhantes aos dos demais países, e as demonstrações
financeiras anuais consolidadas deveriam ser revisadas por uma das “Big Four”
empresas de auditoria, ou seja, por uma das quatro maiores empresas mundiais do
ramo.
O terceiro e importante princípio dentro do
Vaticano era que deveria haver algo semelhante a uma separação de poderes e
que, dentro do setor financeiro, deveriam existir múltiplas fontes de
autoridade. Estas organizações seriam coordenadas, mas teriam, cada uma delas,
uma liderança leiga, especialista internacional, exercendo um controle
substancial.
Os orçamentos das congregações e conselhos teriam
de ser aprovados, e seus custos precisariam ser controlados dentro destes
orçamentos durante o ano. Mas cada um destes organismos seria responsável por
suas despesas e penalizado no ano seguinte, se ocorressem excessos.
No dia 24 de fevereiro, o Papa Francisco criou a
Secretaria para a Economia, que tem autoridade sobre todas as atividades
econômicas e administrativas. Esta não mais se reporta à Secretaria de Estado,
mas diretamente ao papa. Isto representa uma divisão substancial de autoridade.
Igualmente novo é o fato de que esta Secretaria
implementa as políticas determinadas pelo Conselho para a Economia, que tem
oito cardeais ou bispos membros e sete leigos de alto escalão, todos de
diferentes países.
Os membros leigos não são assessores/conselheiros,
mas têm direitos iguais ao voto (uma pessoa, um voto). Ter membros leigos com
poder de decisão neste nível é uma inovação no Vaticano.
Nem a Secretaria de Estado nem eu próprio, como
prefeito da [Secretaria para a] Economia, são membros do Conselho [para a
Economia], cujo papel é parecido com aquele de um senado ou conselho
universitário nos países de língua inglesa, onde o vice-chanceler precisa
persuadir o senado [ou conselho] da sabedoria de suas recomendações.
O Instituto para as Obras de Religião – IOR vai
continuar a ser governado por um conselho de especialistas leigos, estabelecido
por uma comissão de cardeais, mas tecnicamente não será mais o Banco do
Vaticano, já que irá lidar com o dinheiro das dioceses, ordens religiosas e
funcionários do Vaticano.
A Administração do Patrimônio da Sé Apostólica –
APSA tornar-se-á o Tesouro do Vaticano. Continuará vinculado aos bancos
centrais, tais como o Banco da Inglaterra.
Eventualmente, todos os investimentos serão feitos
através da Gestão de Ativos do Vaticano, controlado por um comitê de
especialistas, que irá oferecer um leque de opções de investimentos éticos, com
graus variáveis de risco e retorno, opções a serem escolhidas por agências
individuais, tais como as Congregações. Ser prudente será a primeira
prioridade, em vez de se ter altos retornos arriscados, no intuito de evitar
perdas excessivas em tempos de turbulência.
No Ano Novo um auditor geral será nomeado. Este
será subordinado ao Santo Padre, porém autônomo e capaz de conduzir auditorias
em qualquer agência da Santa Sé a qualquer hora. O auditor geral vai ser um
leigo.
Estas reformas são pensadas para tornar as agências
financeiras vaticanas bem sucedidas, de forma que elas não mereçam tanta
atenção da imprensa. Tais ambições não podem garantir que não encontraremos
problemas nos próximos anos.
Estamos, porém, caminhando na direção certa. Uma
princesa alemã me disse, certa vez, que muitos costumavam pensar do Vaticano
como sendo algo do tipo uma antiga família nobre que se encaminha,
vagarosamente, para a falência. Esperava-se que as pessoas aí sejam
incompetentes, extravagantes e presas fáceis para os ladrões. Este equívoco já
está sendo desfeito.
Os doadores esperam que as suas contribuições sejam
administradas de forma eficiente e honesta, de sorte que os melhores resultados
sejam alcançados para financiar as obras da Igreja, especialmente aquelas que
visam pregar o Evangelho e ajudar os pobres a escaparem da pobreza. Uma Igreja
para os pobres não deve ser pobremente administrada.
Recentemente, uma importante delegação dos EUA,
formada principalmente por evangélicos, veio debater o nosso trabalho. Um
terminou a conversa explicando que estaria rezando para o sucesso das reformas
financeiras, pois queria que o Vaticano fosse um modelo para o mundo, não uma
fonte de escândalos. Este é o nosso objetivo também.
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George Pell, prefeito da Secretaria para a Economia vaticana
Tradução: Isaque Gomes Correa.
Fonte:The Catholic Herald
Disponível em: Instituto Humanitas Unisinos
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