quarta-feira, 23 de março de 2016

Na Semana Santa, Papa dedica catequese ao Tríduo Pascal


CATEQUESE Praça São Pedro – Vaticano Quarta-feira, 23 de março de 2016

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

A nossa reflexão sobre misericórdia de Deus nos introduz hoje ao Tríduo Pascal. Viveremos a Quinta, a Sexta e o Sábado santo como momentos fortes que nos permitem entrar sempre mais no grande mistério da nossa fé: a Ressurreição do nosso Senhor Jesus Cristo. Tudo, nestes três dias, fala de misericórdia, porque torna visível até onde pode chegar o amor de Deus. Escutaremos o relato dos últimos dias da vida de Jesus. O evangelista João nos oferece as chaves para compreender o sentido profundo disso: “Tendo amado os seus que estavam nesse mundo, amou-os até o fim” (Jo 13, 1). O amor de Deus não tem limites. Como repetia muitas vezes Santo Agostinho, é um amor que vai “até o fim sem fim”. Deus se oferece verdadeiramente todo para cada um de nós e não economiza em nada. O mistério que adoramos nesta Semana Santa é uma grande história do amor que não conhece obstáculos. A Paixão de Jesus vai até o fim do mundo, porque é uma história de partilha com os sofrimentos de toda a humanidade e uma permanente presença nos acontecimentos da vida pessoal de cada um de nós. Em resumo, o Tríduo Pascal é memorial de um drama de amor que nos dá a certeza de que não seremos nunca abandonados nas provações da vida.

Na Quinta-feira Santa, Jesus institui a Eucaristia, antecipando no banquete pascal o seu sacrifício no Gólgota. Para fazer os discípulos compreenderem o amor que o anima, lava seus pés, oferecendo ainda uma vez mais o exemplo em primeira pessoa de como eles mesmos deveriam agir. A Eucaristia é o amor que se faz serviço. É a presença sublime de Cristo que deseja alimentar cada homem, sobretudo os mais frágeis, para torná-los capazes de um caminho de testemunho entre as dificuldades do mundo. Não somente. Em dar-se a nós como alimento, Jesus atesta que devemos aprender a dividir com os outros este alimento para que se torne uma verdadeira comunhão de vida com quantos estão em necessidade. Ele se doa a nós e nos pede para permanecermos Nele para fazermos o mesmo.

A Quinta-feira santa é o momento culminante do amor. A morte de Jesus, que na cruz se abandona ao Pai para oferecer a salvação ao mundo inteiro, exprime o amor dado até o fim, sem fim. Um amor que pretende abraçar todos, ninguém excluído. Um amor que se estende a todo tempo e a todo lugar: uma fonte inesgotável de salvação a que cada um de nós, pecadores, podemos chegar. Se Deus nos demonstrou o seu amor supremo na morte de Jesus, então também nós, regenerados pelo Espírito Santo, podemos e devemos nos amar uns aos outros.

E enfim, o Sábado Santo é o dia do silêncio de Deus. Deve ser um dia de silêncio e nós devemos fazer de tudo para que para nós seja justamente um dia de silêncio, como foi naquele tempo: o dia do silêncio de Deus. Jesus colocado no sepulcro partilha com toda a humanidade o drama da morte. É um silêncio que fala e exprime o amor como solidariedade com os abandonados de sempre, que o Filho de Deus vem para preencher o vazio que apenas a misericórdia infinita do Deus Pai pode preencher. Deus se cala, mas por amor. Neste dia, o amor – aquele amor silencioso – torna-se espera da vida na ressurreição. Pensemos, o Sábado Santo: nos fará bem pensar no silêncio de Nossa Senhora, a “crente”, que em silêncio estava à espera da Ressurreição. Nossa Senhora deverá ser o ícone, para nós, daquele Sábado Santo. Pensar tanto como Nossa Senhora viveu aquele Sábado Santo; à espera. É o amor que não duvida, mas que espera na palavra do Senhor, para que torne evidente e brilhante o dia da Páscoa.

Homilética: Domingo de Páscoa: "Os sinais da ressurreição de Cristo".


É com grande amor e grande alegria que nós anunciamos aos quatro cantos da Terra que o Cristo está vivo e ressuscitado! Essa é a razão da nossa fé, é o motivo da nossa alegria, é a esperança para a vida de cada um de nós! É no Cristo em quem nós cremos, no Cristo que está vivo e que morreu pelos nossos pecados e está vivo para a glória de Deus.

A ressurreição do Senhor é ao mesmo tempo um fato histórico que transcende a mesma história. A sobriedade das narrações da ressurreição fala por si mesma. Não busquemos uma explicação racionalista para esse mistério, simplesmente adoremos o mistério! Diante do sepulcro vazio e de testemunhas tão qualificadas, nós renderemos a nossa inteligência. Nós cremos porque doze homens – brutos, sem cultura, simples pescadores – nos disseram: “Cristo ressuscitou e nós o vimos”. Tal afirmação poderia escandalizar o orgulho intelectual de alguns; nós, ao contrário, acreditamos com fé firme, rija e robusta: o Senhor ressuscitou! Mas, também é preciso pensar: como estar alegres nesta noite si há guerras, sofrimentos e até dificuldades em nossa vida? Será que nós vivemos no mundo da utopia? Tenhamos presente que o fato de existir mais uma pessoa triste não resolve o problema do mundo atual; ao contrário, aumentariam os problemas. É preciso que nós, os cristãos, estejamos contentes, que sejamos otimistas. Sê-lo-emos com aquela alegria que não é a alegria do “animal sadio”: do que não tem nem fome nem frio, tampouco fome ou qualquer dor. Esse tipo de alegria passa! A alegria do cristão vem de dentro, do mais profundo do seu coração, da paz que tem com o seu Senhor, da vida em graça, por tratar intimamente o Pai e o Filho e o Espírito Santo na oração.

Quebrou-se o silêncio de Deus, pois ele falou-nos tudo no seu Filho. Também nós precisamos quebrar o nosso silêncio: falemos com o nosso Pai do céu tudo o que está acontecendo conosco. Deveríamos até mesmo ter um desejo ardente de falar com o nosso Deus. Não podemos ficar sempre no cumprimento, que as vezes é “cumpro-e-minto”, dos preceitos da religião. Caso amemos a Deus de verdade, procuraremos estar com ele, conversar intimamente com ele, desejaremos estar perto dele. A religião não tem tão somente que fazer parte de nós, mas tem que ser um “outro eu”, “eu mesmo”, isto é, nós temos que ser ponte, meio de re-ligação das outras pessoas com Deus… Esse é o apostolado de quem reza, e reza bem. É preciso, então, que estejamos ligados, conectados, online, com o Senhor. Do contrário, não conseguiremos ser canais de conexão para que os outros falem com Deus e por ele se apaixonem.

Nas Sagradas Escrituras, um sinal não é simplesmente um evento milagroso, mas algo que aponta para uma realidade de significado mais amplo. Por analogia, é como um sinal de trânsito, que serve para orientar os viajantes na estrada, de sorte que ninguém erre o caminho ou corra risco de acidentes. Um sinal na estrada faz-nos chegar a nosso destino sem incorrer em nenhum dano. Nos textos bíblicos, os sinais indicam que Deus está realizando algo que não é percebido por quem não fez a experiência de fé e amor. Os sinais não servem como provas ou argumentos lógicos para convencer ninguém, porque somente podem ser percebidos por quem faz a experiência de fé e amor. É esta que indica que um acontecimento comum é sinal da ação de Deus.

Que todos estejam alegres neste dia composto por todo o tempo pascal! Nós queremos e propomo-nos a busca do trato com Deus na oração porque desejamos que essa noite da ressurreição seja também a noite da nossa ressurreição espiritual para coisas mais altas: hoje nos levantamos também da nossa preguiça espiritual e começaremos a vida nova de vibração junto ao Senhor ressuscitado que de nós teve compaixão. Saudaremos também a Nossa Senhora: “alegra-te, Virgem Maria, porque o Senhor ressuscitou!”

Erguem-se, juntos, os reis da terra, e os príncipes se unem para conspirar contra o Senhor e contra seu Cristo

 
Em tempos de guerra, como os nossos, onde os corações dos homens bons se inflamam pela busca da justiça e dos homens maus pela busca do proveito próprio e da perpetuação no poder… existe algo mais importante para se pensar?

Em tempos de manipulação da linguagem, de construções de discursos para justificar perante os mais simples as atitudes orgulhosas, psicopatas e de domínio de populações inteiras… existe algo mais importante para se pensar?

Em tempos de perseguição da Verdade, de juízo e condenação da Honestidade, de crucificação da seriedade… existe algo mais importante para se pensar?

Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. (Jo 3, 16)

Sim! Existe algo mais importante para se pensar. E tal pensamento não requer, contudo, abandonar a realidade de cada um, nem as suas preocupações mais urgentes; não requer sequer o abandono da luta, ou a procura por uma “falsa paz”, que deixa ao ímpio o caminho livre para atuar.

Acompanhar a Cristo que escolhe morrer por puro amor nos convida a continuar em pé de guerra, mas com a certeza da vitória de Deus, com a certeza da vitória da Verdade sobre todas as mentiras do coração humano. E, também, com a certeza da cruz.

Lembrai-vos da palavra que vos disse: O servo não é maior do que o seu senhor. Se me perseguiram, também vos hão de perseguir. Se guardaram a minha palavra, hão de guardar também a vossa. (Jo 15, 20)

A todos os nossos leitores, benfeitores e colaboradores desejamos, com essa mensagem, um Santo Tríduo Sacro e uma feliz Páscoa da Ressurreição!

Via-Sacra: 11ª Estação: “Jesus é pregado na Cruz” (S. Mateus 27,37-42).


“Este é Jesus, o Rei dos Judeus”.

Jesus crucificado está no centro; a inscrição real, lá no alto da Cruz, desvenda as profundidades do mistério: Jesus é o Rei, e a Cruz o seu trono. A realeza de Jesus, escrita em três línguas, é uma mensagem universal: para o simples e o sábio, para o pobre e o poderoso, para quem se abandona à Lei divina e para quem confia no poder político. A imagem do Crucificado, que nenhuma sentença humana poderá jamais remover das paredes do nosso coração, permanecerá para sempre a Palavra real da Verdade: «Luz crucificada que ilumina os cegos», «tesouro oculto que só a oração pode descerrar», coração do mundo. Jesus não reina dominando com um poder deste mundo, Ele «não dispõe de nenhuma legião». «Jesus reina, atraindo»: o seu íman é o amor do Pai que n’Ele se entrega por nós «até ao fim sem confins». «Nada escapa ao seu calor»!

Olhar para cruz sem experimentar o sentido profundo do Amor de Deus é loucura. Limite do amor é amar sem medida, Ele tomou sobre si as nossas dores e graças a suas chagas fomos sarados. A medida do amor de Deus em Jesus é a vida, foi por você! Não importa se hoje você esta vivendo em situação de morte, pois o amor é mais forte do que a morte. Olhe pra cruz, foi por ti porque te amo. Olhe pra cruz essa é a minha grande prova, ninguém te ama como Eu!

“Salva-Te a Ti mesmo, se és Filho de Deus, e desce da cruz!”

Jesus é pregado na cruz. O sudário de Turim permite formar uma idéia da crueldade incrível deste processo. Jesus não toma a bebida anestesiante que Lhe fora oferecida: conscientemente assume todo o sofrimento da crucifixão. Todo o seu corpo é martirizado; cumpriram-se as palavras do Salmo: «Eu, porém, sou um verme e não um homem, o opróbrio dos homens e a abjeção da plebe» (Sal 22/21, 7). «Como um homem (…) diante do qual se tapa o rosto, menosprezado e desestimado. Na verdade Ele tomou sobre Si as nossas doenças, carregou as nossas dores» (Is 53, 3-4). Detenhamo-nos diante desta imagem de sofrimento, diante do Filho de Deus sofredor. Olhemos para Ele nos momentos de presunção e de prazer, para aprendermos a respeitar os limites e a ver a superficialidade de todos os bens puramente materiais. Olhemos para Ele nos momentos de calamidade e de angústia, para reconhecermos que precisamente assim estamos perto de Deus. Procuremos reconhecer o seu rosto naqueles que tendemos a desprezar. Diante do Senhor condenado, que não quer usar o seu poder para descer da cruz, mas antes suportou o sofrimento da cruz até ao fim, pode assomar ainda outro pensamento. Inácio de Antioquia, ele mesmo preso com cadeias pela sua fé no Senhor, elogiou os cristãos de Esmirna pela sua fé inabalável: afirma que estavam, por assim dizer, pregados com a carne e o sangue à cruz do Senhor Jesus Cristo (1 1). Deixemo-nos pregar a Ele, sem ceder a qualquer tentação de nos separarmos nem ceder às zombarias que pretendem levar-nos a fazê-lo.

Senhor Jesus Cristo, fizestes-Vos pregar na cruz, aceitando a crueldade terrível deste tormento, a destruição do vosso corpo e da vossa dignidade. Fizestes-Vos pregar, sofrestes sem evasões nem descontos. Ajudai-nos a não fugir perante o que somos chamados a realizar. Ajudai-nos a fazermo-nos ligar estreitamente a Vós. Ajudai-nos a desmascarar a falsa liberdade que nos quer afastar de Vós. Ajudai-nos a aceitar a vossa liberdade «ligada» e a encontrar nesta estreita ligação convosco a verdadeira liberdade.

Agora crucificam o Senhor e, junto d'Ele, dois ladrões, um à direita e outro à esquerda. Entretanto, Jesus diz:

- Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem (Lc XXIII, 34).

Foi o Amor que levou Jesus ao Calvário. E, já na Cruz, todos os Seus gestos e todas as Suas palavras são de amor, de amor sereno e forte.

Com gesto de Sacerdote Eterno, sem pai nem mãe, sem genealogia (cfr. Heb VII, 3), abre os Seus braços à humanidade inteira.

Juntamente com as marteladas que pregam Jesus, ressoam as palavras proféticas da Escritura Santa: trespassaram as Minhas mãos e os Meus pés, contaram todos os Meus ossos. E eles mesmos olham para Mim e contemplam (SI XXI, 17-18).

- Ó Meu Povo! Que te fiz Eu ou em que te contristei? Responde-Me (Miq VI, 3) !

E nós, despedaçada a alma pela dor, dizemos sinceramente a Jesus: sou Teu e entrego-me a Ti e cravo-me na Cruz gostosamente, sendo, nas encruzilhadas do mundo, uma alma entregue a Ti, à Tua glória, à Redenção, à co-redenção da humanidade inteira. 

O que temia São Pedro ao negar Jesus na noite da Quinta-feira Santa?


"Prometeu morrer por ele, quando não era capaz nem de morrer com ele..."
(Santo Agostinho, Sermão 296, 1).

No Domingo de Ramos, e de novo na Sexta-feira Santa, nós ouvimos e participamos de uma das cenas mais infames da história cristã. Faz-se a leitura do Evangelho (dos Sinóticos no Domingo de Ramos e do Evangelho de São João, como de costume, na Sexta-feira da Paixão) da noite em que Jesus Cristo foi traído por Seus amigos, preso e condenado por autoridades tanto religiosas quanto seculares, torturado e executado como um traidor e revolucionário. Os fiéis participam no desenrolar da história, assumindo os papéis: dos soldados romanos que bateram em Jesus; do povo judeu que O acusou ante Pilatos ("Achamos este homem fazendo subversão entre o nosso povo", "Ele agita o povo"); e — na parte mais condenatória do drama — da multidão ainda maior reunida no pretório ("Fora com ele! Solta-nos Barrabás!", "Crucifica-o! Crucifica-o!"). Essas são umas das mais difíceis palavras que temos que pronunciar em toda a liturgia católica, "mea culpa, mea maxima culpa" incluídas.

Em uma espécie de história paralela à principal, somos levados a uma narrativa secreta envolvendo Pedro. Enquanto o processo formal de Jesus acontece, Pedro é submetido a um processo informal. Não estou certo do que os estudiosos têm a dizer sobre isso, mas parece-me que essa história só podia vir à tona por uma acusação do próprio apóstolo, uma confissão que Pedro provavelmente fez aos seus irmãos e que foi obrigado a reviver mais e mais vezes pelo resto de sua vida. Pedro — a pedra! — tinha se quebrado de medo no momento de sua prova.

Mas Pedro estava com medo de quê? Obviamente, diríamos nós, ele estava com medo dos romanos, dos seus soldados, das suas espadas, das suas lanças e das suas cruzes. Estava com medo de que defender o seu amigo lhe custasse a vida. Estava com medo de que os judeus, por meio dos romanos, lhe tirassem a vida, assim como tinham conspirado para tirar a vida de seu mestre.

Mas não era este o mesmo homem que, apenas algumas horas antes, quando Jesus fora confrontado por Judas e por um bando de soldados, "puxou uma espada e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a ponta da orelha direita" (Jo 18, 10)? Nós geralmente pensamos que esse grupo consistia apenas de alguns homens, mas alguns comentaristas especulam que esse bando de soldados, na verdade, era um batalhão de 200 sob o seu comandante (cf. Jo 18, 12), ou talvez uma legião tão grande quanto 600. O ataque de Pedro ao servo do sumo sacerdote teria exigido dele alguma presença de espírito, para dizer o mínimo. Não acredito que muitos dos que puxaram espadas contra uma legião romana tenham sobrevivido para contar a história.

Se ele não estava com medo de entregar a sua vida, então, do que estava com medo? Por que não correu em defesa de Jesus no pátio, assim como havia feito no horto? No segundo livro de sua trilogia biográfica Jesus de Nazaré, o Papa Bento XVI provê o seguinte comentário:

"A sua vontade de passar às vias de fato, o seu heroísmo, acaba na renegação. Para assegurar-se um lugar perto da fogueira no átrio do palácio do Sumo Sacerdote e possivelmente informar-se sobre os últimos desenvolvimentos do caso de Jesus, Pedro assevera que não o conhece. O seu heroísmo descambou numa mesquinha forma de tática. Deve aprender a esperar a sua hora; tem de aprender a expectativa, a perseverança." [1]

Na perspectiva de Ratzinger, o pecado de Pedro não foi uma falta de coragem, mas um desejo de heroísmo. Ele não temia uma morte violenta per se, mas o tipo de fatalidade que estava, com cada vez mais claridade, para se abater sobre Jesus; uma fatalidade que incluiria não apenas a morte violenta, mas que seria precedida pelo escárnio público e por uma espera prolongada nas mãos de seus apreensores. Não lhe faltou a coragem para tomar iniciativa própria, mas para entregar-se ao auto-abandono e permitir que Deus agisse em seu lugar. Ele queria ser bem sucedido de modo ativo, não passivamente. Ele sabia que tinha a coragem para um momento bem determinado e escolhido de bravata, mas faltavam-lhe a confiança e a perseverança requeridas para lançar a sua sorte, houvesse o que houvesse, no momento que se lhe apresentava.

Um modo óbvio de identificar-se com Pedro e aprender de seu fracasso é refletir sobre a nossa própria tendência de negar a nossa identidade cristã quando somos confrontados com alguma oposição. Talvez no trabalho. Talvez entre os nossos amigos. Talvez quando menos esperamos ser apontados como um deles, ou onde mais somos tentados a negá-lo. Mas outra forma, talvez mais adequada, de nos identificarmos com essa história, é vê-la como uma cartografia bíblica dos desafios concretos que existem em uma vida simultaneamente física e espiritual.

Homilética: Vigília Pascal na Noite Santa - Ano C: "Esta é a Noite!"



Hoje é o segundo dia do Tríduo Pascal. O Senhor Jesus que se entregou até a morte na Ceia de modo ritual e entregou-se na cruz de modo histórico-existencial, agora encontra-se na morte, no reino do nada, do não-ser, da impotência: “desceu à mansão dos mortos” – professa a Igreja todos os domingos.

Este é o ponto mais baixo do Tríduo! O Sábado Santo, também chamado de Grande Sábado, é díade profundo silêncio. O Senhor Jesus desceu ao mais baixo, à região dos sem-vida, dos sem-Deus, da humanidade na sua última miséria: Jesus experimentou realmente o derrota terrível da morte, morte ligada ao pecado – Ele, que não tem pecado – morte como distanciamento do Deus da Vida.

Hoje é dia manter-se em silêncio, em oração. Devemos pensar no sentido de nossa vida, na nossa morte, unida à morte de Cristo como caminho para a Ressurreição. Hoje também devemos dirigir nosso afeto à Virgem Maria, que, em tremenda solidão, esperou firmemente a vitória do Cristo. Com Maria Virgem, no dia de hoje, a Igreja espera em oração porque desejamos que essa noite da ressurreição seja também a noite da nossa ressurreição espiritual para coisas mais altas: hoje nos levantamos também da nossa preguiça espiritual e começaremos a vida nova de vibração junto ao Senhor ressuscitado que de nós teve compaixão. Saudaremos também a Nossa Senhora: “alegra-te, Virgem Maria, porque o Senhor ressuscitou!”.

A plenitude do amor


Irmãos caríssimos, o Senhor definiu a plenitude do amor com que devemos amar-nos uns aos outros, quando disse: Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos (Jo 15,13). Daqui se conclui o que o mesmo evangelista João diz em sua epístola: Jesus deu a sua vida por nós. Portanto, também nós devemos dar a vida pelos irmãos (1Jo 3,16), amando-nos verdadeiramente uns aos outros, como ele nos amou até dar a sua vida por nós.

É certamente a mesma coisa que se lê nos Provérbios de Salomão: Quando te sentares à mesa de um poderoso, olha com atenção o que te é oferecido; e estende a tua mão, sabendo que também deves preparar coisas semelhantes (cf. Pr 23,1-2 Vulg.).

Ora, a mesa do poderoso é a mesa em que se recebe o corpo e o sangue daquele que deu a sua vida por nós. Sentar-se à mesa significa aproximar-se com humildade. Olhar com atenção o que é oferecido, é tomar consciência da grandeza desta graça. E estender a mão sabendo que também se devem preparar coisas semelhantes, significa o que já disse antes: assim como Cristo deu a sua vida por nós, também devemos dar a nossa vida pelos irmãos. É o que diz o apóstolo Pedro: Cristo sofreu por nós, deixando-nos um exemplo, a fim de que sigamos os seus passos (cf. 1Pd 2,21). Isto significa preparar coisas semelhantes. Foi o que fizeram, com ardente amor, os santos mártires. Se não quisermos celebrar inutilmente as suas memórias e nos sentarmos sem proveito à mesa do Senhor, no banquete onde eles se saciaram, é preciso que, como eles, preparemos coisas semelhantes.

Por isso, quando nos aproximamos da mesa do Senhor, não recordamos os mártires do mesmo modo como aos outros que dormem o sono da paz, ou seja, não rezamos por eles, mas antes pedimos para que rezem por nós, a fim de seguirmos os seus passos. Pois já alcançaram a plenitude daquele amor acima do qual não pode haver outro maior, conforme disse o Senhor. Eles apresentaram a seus irmãos o mesmo que por sua vez receberam da mesa do Senhor.

Não queremos dizer com isso que possamos nos igualar a Cristo Senhor, mesmo que, por sua causa, soframos o martírio até o derramamento de sangue. Ele teve o poder de dar a sua vida e depois retomá-la; nós, pelo contrário, não vivemos quanto queremos, e morremos mesmo contra a nossa vontade. Ele, morrendo, matou em si a morte; nós, por sua morte, somos libertados da morte. A sua carne não sofreu a corrupção; a nossa, só depois de passar pela corrupção, será por ele revestida de incorruptibilidade, no fim do mundo. Ele não precisou de nós para nos salvar; entretanto, sem ele nós não podemos fazer nada. Ele se apresentou a nós como a videira para os ramos; nós não podemos ter a vida se nos separarmos dele.

Finalmente, ainda que os irmãos morram pelos irmãos, nenhum mártir derramou o seu sangue pela remissão dos pecados de seus irmãos, como ele fez por nós. Isto, porém, não para que o imitássemos, mas como um motivo para agradecermos. Portanto, na medida em que os mártires derramaram seu sangue pelos irmãos, prepararam o mesmo que tinham recebido da mesa do Senhor. Amemo-nos também a nós uns aos outros, como Cristo nos amou e se entregou por nós. 



Do Tratado sobre o Evangelho de São João, de Santo Agostinho, bispo
(Tract. 84,1-2:CCL36,536-538)

(Séc.V)

Quarta-feira Santa: Judas atraiçoa Jesus.


Na Quarta-Feira Santa recordamos a triste história daquele que foi Apóstolo de Cristo: Judas. Assim conta São Mateus no seu evangelho: “Um dos Doze, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os sumos sacerdotes e disse-lhes: «Quanto me dareis, se eu vo-lo entregar?» Eles garantiram-lhe trinta moedas de prata. E, a partir de então, Judas procurava uma oportunidade para entregar Jesus”.

Por que a Igreja recorda este acontecimento? Para que nos convençamos de que todos podemos comportar-nos como Judas. Para que peçamos ao Senhor que, da nossa parte, não haja traições, nem distanciamentos, nem abandonos. Não somente pelas consequências negativas que isso poderia trazer às nossas vidas pessoais, o que já seria muito; mas porque poderíamos arrastar outros, que necessitam da ajuda do nosso bom exemplo, do nosso ânimo, da nossa amizade.

Em alguns lugares da América, as imagens de Cristo crucificado mostram uma chaga profunda na face esquerda do Senhor. E contam que essa chaga representa o beijo de Judas. Tão grande é a dor que os nossos pecados causam a Jesus! Digamos-lhe que desejamos ser-lhe fiéis: que não queremos vendê-lo – como Judas – por trinta moedas, por uma ninharia, pois isso são todos os pecados: a soberba, a inveja, a impureza, o ódio, o ressentimento... Quando uma tentação ameaça atirar-nos para o chão, pensemos que não vale a pena trocar a felicidade dos filhos de Deus, que é o que somos, por um prazer que logo acaba e deixa o gosto amargo da derrota e da infidelidade.

Temos de sentir o peso da Igreja e de toda a humanidade. Não é admirável saber que qualquer um de nós pode ter influência no mundo inteiro? No lugar onde estamos, realizando bem o nosso trabalho, cuidando da família, servindo os amigos, podemos ajudar a felicidade de tantas pessoas. Como escreve São Josemaria Escrivá, com o cumprimento dos nossos deveres cristãos, temos de ser como a pedra caída no lago. – “Produz, com o teu exemplo e com a tua palavra um primeiro círculo... e este, outro... e outro, e outro... Até chegar aos lugares mais remotos”.

Vamos pedir ao Senhor que não o atraiçoemos mais; que saibamos afastar, com a sua graça, as tentações que o demônio nos apresenta, enganando-nos. Temos de dizer que não, decididamente, a tudo o que nos afaste de Deus. Assim não se repetirá na nossa vida a desgraçada história de Judas.

E se nos sentirmos débeis, corramos ao Santo Sacramento da Penitência! Ali o Senhor nos espera, como o pai da parábola do filho pródigo, para nos dar um abraço e oferecer-nos a sua amizade. Continuamente sai ao nosso encontro, ainda que tenhamos caído baixo, muito baixo. Sempre é tempo de voltar a Deus! Não reajamos com desânimo, nem com pessimismo. Não pensemos: que vou fazer, se sou um cúmulo de misérias? Maior é a misericórdia de Deus! Que vou fazer, se caio uma e outra vez pela minha debilidade? Maior é o poder de Deus, para nos levantar das nossas quedas!