Hoje somos chamados a viver a sabedoria de Deus, a seguir Jesus
Cristo, a sermos santos!
No Evangelho de hoje (Lc 14, 25-33), a palavra “discípulo” aparece
três vezes; em todas elas o discípulo aparece como alguém que deve renunciar
algo ou alguém. Não será uma visão um pouco negativa? Para compreender melhor a
nossa vocação de discípulos do Senhor vale a pena fazer um pequeno passeio pelo
Novo Testamento.
Um primeiro fato que chama a atenção é que não são os discípulos quem
escolhem o seu mestre, mas é Jesus quem escolhe os seus discípulos e lhes dá
uma missão concreta: “Vinde após mim e vos farei pescadores de homens” (Mt
4,19). A primeira coisa que há de notar-se, portanto, na vida do discípulo é
que é uma pessoa chamada por Jesus para cumprir uma missão. Dentro desse
contexto é que podemos entender as renúncias que Jesus pede aos seus
discípulos.
Uma segunda característica do discípulo de Jesus encontra-se no
contexto das bem-aventuranças, cuja clave de interpretação é o mandato de
Cristo para que sejamos santos: “perfeitos como vosso Pai celeste” (Mt 5,48).
Outra maneira de expressar a santidade querida por Jesus é a descrição que S.
Marcos faz da escolha dos Doze: “designou doze dentre eles para ficar em sua
companhia” (Mc 3,14). Santidade é estar na companhia de Jesus, junto a ele e
compartir a sua mesma vida. A renúncia, portanto, é para que possamos viver
essa vida nova à imitação do Divino Mestre.
Noutro momento, quando Jesus dava instruções aos seus discípulos e,
mais em concreto, aos seus apóstolos, lhes diz: “o discípulo não é superior ao
mestre; mas todo discípulo perfeito será como o seu mestre” (Lc 6,40). Ou seja,
o seguidor de Cristo permanece sempre como discípulo, nunca será mestre, mas a
sua imitação do Mestre pode ser perfeita.
O discípulo mantem sempre o desejo de aprender. Conta-se que uma
criança ao voltar da escola um pouco desanimada, foi perguntada pelos pais: “E
aí, foi bem de aula?”. E o menino respondeu: “Não. Vou ter que voltar amanhã”.
Não se pode pretender aprender tudo num só dia nem cansar-se de voltar à escola
do Mestre. Uma experiência que todo cristão tem quando passam os anos no
seguimento de Cristo é a seguinte: a leitura do Evangelho, das mesmas passagens,
recebe sempre distintos coloridos na mente e no coração do que o lê, sempre se
descobre coisas novas ou, ao menos, o antigo já sabido se renova, ganhando
assim todo o frescor da novidade de redescobrir algo já conhecido e, no
entanto, com alguma luz nova.
“Se alguém vem a Mim, mas não odeia o pai, a mãe…”; estas palavras do
Senhor não devem desconcertar ninguém. O amor a Deus e a Jesus Cristo deve
ocupar o primeiro lugar na nossa vida e devemos afastar tudo aquilo que ponha
obstáculos a este amor.
Odiar na linguagem bíblica, ou renunciar, segundo o uso semítico,
significa amar menos, pospor, como se pode apreciar no texto paralelo de Mt 10,
37: “Quem amar o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim”. Só Deus
tem o direito ao primado absoluto no coração e na vida do homem; Jesus é Deus
e, por conseguinte, é lógico que o exija como condição indispensável para ser
Seu discípulo.
“Quem não carrega sua Cruz… não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 27). O
caminho do cristão é a imitação de Jesus Cristo. Não há outro modo de O seguir
senão acompanhá-Lo com a própria Cruz. A experiência mostra-nos a realidade do
sofrimento, e que este leva à infelicidade se não se aceita com sentido
cristão. A Cruz não é uma tragédia, mas pedagogia de Deus que nos santifica por
meio da dor para nos identificarmos com Cristo e nos tornarmos merecedores da
glória. Por isso é tão cristão amar a dor: “Bendita seja a dor. Amada seja a
dor. Santificada seja a dor… Glorificada seja a dor!” (Caminho, 208).
“… Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser
meu discípulo” (Lc 14, 33). Se antes o Senhor falou de “odiar” os pais e até a
própria vida, agora exige com igual vigor o despreendimento total das riquezas.
Esta renúncia das riquezas há de ser efetiva e concreta: o coração deve estar
desembaraçado de todos os bens matérias para poder seguir os passos do Senhor.
Pois, é impossível “servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16, 13). Dizia São
Josemaria Escrivá: “Se és homem de Deus, põe em desprezar as riquezas o mesmo
emprenho que põem os homens do mundo em possuí-las”. (Caminho, 633).
“… os homens aprenderam as coisas que vos agradam e pela sabedoria
foram salvos” (Sab 9,18).
Quem é o homem sábio à luz da experiência cristã? É aquele que não se
deixa enredar pelas coisas, que consegue salvar em cada circunstância o primado
de Deus e do Espírito, quem não arrisca o todo pela parte , o eterno pelo
transitório, o importante por aquilo que é somente urgente.
Que não caiamos no relaxamento, na falta de comprometimento cristão,
no perigo de servir a dois senhores, de ser sal insípido. Saibamos que a
Verdade é exatamente o contrário! A tantas comunidades e a tantos cristãos de
hoje poder-se-ia dirigir a censura que, no Apocalipse, é dirigida à Igreja de Laodicéia
e que incutiu um temor salutar aos leitores de todos os tempos: “Conheço as
tuas obras: não és nem frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas, como
és, morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te. Reanima, pois, o teu zelo e
arrepende-te. Eis que estou à porta e bato” (Ap 3,15-20).