Hoje somos convidados, pela Palavra de
Deus, a aprofundar a nossa fé na ressurreição dos mortos. Trata-se de uma das
verdades fundamentais, enunciadas no Credo e que repetimos muitas vezes: “Creio
na ressurreição da carne”.
O texto bíblico de 2Mc 7, 1-2. 9-14
fala-nos dos sete irmãos Macabeus que, junto com a mãe, preferiram a morte a
transgredir a Lei do Senhor. Enquanto eram torturados, confessaram, com
firmeza, a sua fé numa vida além da morte: “Prefiro ser morto pelos homens,
tendo em vista a esperança dada por Deus, que um dia nos ressuscitará” (2Mc
7,14).
A nossa Ressurreição, como a de Cristo,
será obra da Santíssima Trindade (cf. Cat. 989). Logo após a morte do ser
humano há o juízo particular (cf. Hb 9,27) e ele experimenta céu (ou purgatório
com preparação para o céu) ou inferno em sua alma, não em seu corpo, que fica
enterrado e com o tempo chegará à completa putrefação. Contudo, a fé cristã
professa que ressuscitaremos com os nossos corpos (cf. 1 Cor 15,12-14.20; Cat.
990). Além disso, a valorização de uma antropologia realista também nos leva a
ver a conveniência dessa doutrina: Deus criou o homem inteiro, corpo e alma.
Por que negar ao corpo os bens eternos que a alma desfruta?
Em 2 Mac 7,1-2.9-14 se vê claramente a
confiança na ressurreição; além disso se pode observar (2 Mac 7,9.14) que há
uma ressurreição para a vida (céu) e outra para a morte (inferno). Nos tempos
de Cristo havia judeus que acreditavam na ressurreição (fariseus) e outros que
não acreditavam (saduceus). No texto de Lc 20,27-38, a questão é a
ressurreição. De fato, começa falando do grupo religioso judeu que negava a
ressurreição: “alguns saduceus – que negam a ressurreição, aproximaram-se de
Jesus” (Lc 20,27).
Ao interpretar a Sagrada Escritura em
favor de sua falta de fé na ressurreição, Jesus diz que eles estavam errados
(cf. Mc 12,24). Deus que fez o homem do nada pode muito bem ressuscitá-lo a
partir daquilo que ele já foi. São Paulo fala de um “corpo espiritual” (1 Cor
15,44): é o mesmo corpo do sujeito em questão, mas transfigurado, em sua máxima
vivificação graças ao Espírito Santo.
No século II, Santo Ireneu afirmava que a
doutrina da ressurreição dos mortos faz parte da fé apostólica (Adversus
haereses, III, 12, 3). Orígenes nos dá notícia de que no século III, a
ressurreição dos mortos era ridicularizada pelos os infiéis (Contra Celsum, I,
7). Santo Agostinho, no século V, afirmava que em seu tempo essa doutrina era a
que mais recebia oposição.
A objeção é antiga. Porfírio, homem do
século II, formulou-a da seguinte maneira: “como ressuscitará um indivíduo que
perece no mar e que é comido pelos peixes, cujas partículas ficam dispersas
através da cadeia alimentar: os pescadores comem os peixes e os homens são
devorados pelos cachorros, e estes são comidos pelas aves?”
Atenágoras de Atenas, apologista cristão
do século II, fez eco dessa objeção para depois combatê-la: o poder de Deus
pode “distinguir e reunir em suas próprias partes e membros aquele que,
despedaçado, foi parar numa multidão de animais de toda espécie, que costumam
atacar tais corpos e saciar-se deles, tenham ido parar em só desses animais ou
em muitos, e destes em outros e, dissolvido juntamente com eles, tenha voltado,
conforme a natural dissolução, aos primeiros princípios. Parece ser isso o que
mais perturba alguns, entre aqueles cuja sabedoria é admirável; não sei por que
consideram tão grandes as dificuldades correntes entre o vulgo” (Sobre a
ressurreição dos mortos, I, 3).
No Evangelho ( Lc 20, 27-38), lemos que se
aproximaram de Jesus alguns saduceus que negavam a ressurreição e queriam
colocá-Lo em uma situação embaraçosa. Segundo a lei do levirato (Dt 25, 5-10),
o cunhado devia casar-se com a viúva para dar um filho ao irmão falecido, para
não morrer seu nome. Eram sete irmãos, todos se casaram com ela e morreram sem
deixar filho. Morre também a mulher. De quem ela vai ser esposa no céu?
A resposta de Jesus é extraordinária; sem
fugir do terreno escolhido pelos adversários que era a Lei Mosaica, com poucas
palavras, Ele primeiro mostra onde está o erro dos saduceus e o corrige, depois
dá à fé na Ressurreição a sua fundamentação mais profunda e mais convincente.
Compreende-se a exclamação de admiração que sai da boca de alguns dos presentes:
“Mestre, falaste bem!”.
Jesus, como se vê, põe uma alternativa
radical: ou fé na Ressurreição dos mortos ou ateísmo! As duas coisas ou ficam
em pé ou caem juntas; não se pode crer em um Deus que colocou em movimento céu
e terra para o homem, que para ele sonhou uma grandiosa história de salvação,
se depois o próprio homem fosse destinado a acabar no pó da sepultura. Deus
acabaria, no fim, reinando sobre um imenso cemitério; seria um Deus dos mortos
e, por conseguinte, um Deus morto ele mesmo. Toda a vida não passaria de uma
brincadeira cruel, um fazer-nos entrever e desejar a luz, a alegria, a vida,
mas só para nos dizer que não são feitas para nós. Basta formular um pensamento
desta natureza para ver-lhe o absurdo e afastar-se dele com horror. Uma vez que
se acreditou em Deus, precisa-se de maior esforço para não crer na ressurreição
dos mortos do que para crer nela. Compreende-se por que Jesus concluiu sua
discussão com os saduceus com uma inusitada força e quase com desprezo: “estais
muito errados” ( Mc 12,27 ).
Nós, cristãos, professamos no Credo a
nossa esperança na ressurreição do corpo e na vida eterna. Este artigo da fé
expressa o termo e o fim do designo de Deus sobre o homem. Se não existe
ressurreição, todo o edifício da fé desaba, como afirma S. Paulo (1 Cor 15 ).