Um dos grandes cavalos de batalha da
militância dos arautos de Satanás, entenda-se, os neo-ateus, é a maneira como Deus é
retratado no Antigo Testamento. Segundo eles temos um Deus que manda enforcar,
saquear, fazer sacrifícios e matar crianças. Como base para tal argumentação
eles citam trechos das Esrituras como os seguintes:
Êxodo XXXII, 27: Aos quais disse: Eis aqui o que diz o Senhor Deus de Israel: Cada um
cinja a sua espada sobre a sua coxa: passai, e tornai a passar de porta a porta
pelo meio do campo; e cada qual mate a seu irmão, a seu amigo, e a seu vizinho.
Números XXV, 4: Disse a Moisés: Toma todos os príncipes do povo, e pendura-os em forcas
contra o sol: para que o meu furor se aparte de Israel.
Números XXXI, 17-18: Matai pois a todos os machos, ainda os que são crianças; e degolai as
mulheres que tiveram comércio com os homens. Mas reservai para vós as meninas e
todas as donzelas.
Deuteronômio II, 33-34: E o Senhor nosso Deus no-lo entregou: e nós
o derrotamos com seus filhos e com todo o seu povo. Tomamos-lhe ao mesmo
tempo todas as suas cidades, mortos os seus habitantes, homens mulheres e
meninos: e nela não deixamos nada.
Isaías XIII, 18: Mas eles matarão as crianças com as suas setas, e não se compadecerão
das mães em cujo ventre elas andarem, e a seus filhos não perdoará o olho
deles.
Jeremias XIX, 9: E dar-lhes-ei a comer as carnes de seus filhos, e as carnes de suas filhas:
e cada um comerá a carne de seu amigo, no cerco, e no aperto, em que os terão
encerrados os seus inimigos, e os que buscam as almas deles.
Ezequiel IX, 6: O velho, o moço e a donzela, o menino e as mulheres, todos matai, sem
que nenhum escape; mas não mateis nenhum daqueles sobre quem virdes o thau, e
começarei pelo meu santuário. Começaram pois a matança pelos homens mais velhos
que estavam diante da casa.
Melhor que tratar cada versículo de
modo específico (coisa que poderei fazer futuramente neste blog), o ideal é dar
uma visão exegética geral que engloba a eles e a muitos outros.
Em primeiro lugar, devemos saber que
a inspiração divina se dá por meio do arcabouço cultural e das limitações
pessoais do escritor sagrado. Nesse sentido, uma das características da
linguagem semita era o uso de hipérboles; dada a sua vivacidade, o israelita
era muito propenso às expressões fortes, exageradas e contrastantes.
Daí ocorrerem no Antigo Testamento,
principalmente nos Salmos, fórmulas em que o autor sagrado ou outro personagem
deseja mal àqueles que o angustiam. Diz D. Estevão Bettencourt:
“Em verdade, os autores sagrados, ao
pleitear sua causa perante o Senhor, advogavam os interesses do bem, da justiça
ou da verdadeira religião; por conseguinte, explícita ou implicitamente a sua
causa se identificava com a de Deus, e os seus inimigos vinham a ser
adversários do próprio Deus. Assim entendida a situação, não podiam ver motivo
para abrandar o rigor dos termos com que os antigos orientais, dotados de ânimo
fervido, costumavam pedir a extirpação dos adversários; não pode haver
compatibilidade entre o bem e o mal, o reino de Deus e o do pecado; a toda
instituição que se opõe a Deus, o homem justo não pode deixar de desejar
completa ruína”.
Ou seja, eles procuravam mostrar qual
o caminho reto, mas faziam isso imbuídos de toda a sua carga cultural.
Tal postura ainda é mais patente pelo fato de que não diferenciavam entre a
pessoa que fazia o mal e o mal em si. Desconheciam o adágio retirado por Santo
Agostinho da Lei aperfeiçoada e definitiva (o Evangelho):
“Odeia o pecado, mas ama o pecador”.
Daí, fazendo um parêntese, já se
observa que a dicotomia promovida pelos protestantes liberais entre "o
Deus do Antigo Testamento" e o "Deus revelado por Jesus" é falsa
e absurda. É falsa porque deriva de conceitos que, em geral, não têm nenhuma
relação com a religião, representando, tão somente, uma perspectiva
culturalmente fechada. É absurda porque pressupõe a possibilidade de
contradição num texto inspirado.
Isso é muito perigoso. As críticas
que se fazem em torno dessa idéia levaram alguns a negar a necessidade de
Cristo para nos salvarmos. Principiam contestando a “intolerância religiosa”
presente na Antiga Aliança e disso passam a ver negativamente a exclusividade
do culto ao Deus verdadeiro.
Mais uma ilusão dos hereges... eles
não vão "descobrir a roda" e, no mínimo, deveriam procurar saber qual
o status quaestionis antes
de abrir a boca, seja para evitar erros conceituais, seja para não cair na
posição orgulhosa de quem procura adaptar Deus a si.