A Palavra de Deus que a liturgia do 24º Domingo do Tempo Comum nos propõe fala do perdão. Apresenta-nos um Deus que ama sem cálculos, sem limites e sem medida; e convida-nos a assumir uma atitude semelhante para com os irmãos que, dia a dia, caminham ao nosso lado.
Diz
o Senhor no livro do Eclesiástico: “Quem se vingar encontrará a vingança
do Senhor, que pedirá severas contas dos seus pecados.Perdoa a injustiça
cometida por teu próximo: assim quando orares, teus pecados serão perdoados. Se
alguém guarda raiva contra o outro, como poderá pedir a Deus a cura? Senão tem
compaixão do seu semelhante, como poderá pedir perdão dos seus pecados?” (Eclo
28, 1-4.). Quem não perdoa o irmão, não poderá exigir o perdão de Deus. A
felicidade do homem não está em cultivar sentimentos de ódio e de rancor, mas
sim em cultivar sentimentos de perdão e misericórdia.
Viveríamos mal o nosso caminho de
discípulos de Cristo se, ao menor atrito
– no lar, no escritório, no trânsito… – , a nossa caridade se esfriasse
e nos sentíssemos ofendidos e desprezados. Às vezes – em matérias mais graves, em que a desculpa se
torna mais difícil-, faremos nossa a
oração de Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem (Lc 23,34). Em
outros casos, bastará um sorriso, retribuir o cumprimento, ter um pormenor
amável para restabelecer a amizade ou a paz perdida. As ninharias diárias não
podem ser motivo para perdemos a alegria, que deve ser profunda e habitual na
nossa vida.
Não precisa ser muito bom em matemática para
descobrir que setenta vezes sete é igual a “sempre!” Como? Claro que sim, se
70×7=490, então 70×7=sempre. Está bem: concedamos que esta lógica matemática
não seja exatamente perfeita, mas também concedamos que na lógica de Cristo a
conta esteja bem feita. É preciso perdoar sempre porque agrada a Deus, porque
os primeiros beneficiados somos nós mesmos e porque, finalmente, é um grande
bem fraterno-social.
Perdoar agrada muito a Deus porque nos faz
semelhantes a ele. Deus perdoa sempre! Não importa quantas vezes peçamos perdão
e nem importa se são os pecados de sempre, se estamos arrependidos o Senhor nos
perdoará. É o que experimentamos no sacramento do perdão e da alegria, na
confissão. Santo Agostinho, pensando no pecado de Judas, escreveu: “se ele
tivesse orado em nome de Cristo teria pedido perdão, se tivesse pedido perdão
teria esperança, se tivesse esperança teria esperado na misericórdia e não
teria se enforcado desesperadamente”. Não temos motivo para
desesperar-nos. O pensamento de São
Máximo de Turim é irrefutável: “se o ladrão obteve a graça do paraíso, por que
o cristão não há de obter o perdão?”. Sendo assim, confiemos sempre na misericórdia
do Senhor, façamos um propósito de mudança de vida, confessemos os nossos
pecados e… Confiança, alegria, paz… Comecemos novamente! Perdoando os nossos
semelhantes, quantas vezes for preciso, estaremos imitando o próprio Deus e
essa semelhança nas ações atrairá maiores graças para as nossas futuras
decisões.
Nós somos os primeiros a aproveitar-nos da
graça de perdoar. O perdão atrai o olhar misericordioso de Deus rumo a nós e
nos faz serenos no dia-a-dia. Uma pessoa que sabe que não tem inimigo vive em
paz. Como saber que eu não tenho inimigo? É simples, é só não considerar
ninguém como inimigo. Talvez os outros possam até considerar-nos seus inimigos
desde algum ponto de vista. O problema é deles! Nós, da nossa parte, não
consideraremos a ninguém como nosso inimigo. A bondade do coração cristão é o
melhor remédio para curar os males do coração alheio. Mais cedo ou mais tarde,
os outros pensarão: “Por que mexer com uma pessoa que só quer o meu bem? Por
que irritar uma pessoa que se mostra sempre amável comigo? Por que chatear a
alguém que só quer que eu seja feliz? Por que tentar ser inimigo de alguém que
não fica meu inimigo?”.
Quem não perdoa o irmão, não poderá exigir o
perdão de Deus. O pensamento da morte nos faz pensar diferente: ”Lembra-te do
teu fim e deixa de odiar; pensa na destruição e na morte e persevera nos
mandamentos” (Eclo 28, 6-7). A felicidade do homem não está em cultivar
sentimentos de ódio e de rancor, mas sim em cultivar sentimentos de perdão e
misericórdia.
O
Senhor, depois de responder a Pedro sobre a capacidade ilimitada de perdão que
devemos ter, expôs a parábola dos dois devedores para nos mostrar o fundamento
desta manifestação da caridade. Devemos perdoar sempre e tudo porque é muito
– sem medida – o
que Deus nos perdoou e nos perdoa. E diante dessa prova da misericórdia do
Senhor, tudo o que devemos perdoar aos outros é simplesmente insignificante.
Jesus conta a parábola de um empregado que
devia uma fortuna imensa e, por compaixão, foi perdoado. Em seguida, ele, sem
compaixão, se recusa a perdoar um companheiro que lhe devia uma quantia
irrisória: “Paga-me o que me deves”. O Rei indignado o castiga severamente…
E Jesus conclui dizendo: ”Assim agirá meu Pai
com quem não perdoar seu irmão de todo o coração…”
A parábola é um exame de consciência para nós;
convida-nos a analisar as nossas atitudes para com os irmãos que erram.
Jesus nos ensina que o mal, os ressentimentos,
o rancor, o desejo de vingança, devem ser vencidos por uma caridade ilimitada
que se há de manifestar no perdão incansável das ofensas alheias.
Para perdoar de coração, com absoluto
esquecimento da injúria recebida, é necessária por vezes uma grande fé,
alimentada pela caridade.
Perdoar, portanto, porque Deus nos perdoou e
para que Deus nos perdoe! Mas esta não é a única motivação. O próprio Jesus deu
outra motivação mais íntima e desinteressada: a misericórdia, um sentimento
feito de compreensão, de identificação com o irmão, de solidariedade e de
humildade.
São Paulo, seguindo o Mestre, exortava os
Cristãos de Tessalônica: “Vede que
ninguém pague a outro mal por mal. Antes, procurai sempre praticar o bem entre
vós e para com todos” (1Ts 5,15). Ainda São Paulo, aplicou esta mensagem
evangélica do perdão às situações concretas de sua vida, especialmente da vida
doméstica: “Revesti-vos – escrevia – de entranhada misericórdia, de bondade,
humildade, doçura, paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente,
sempre que tiverdes motivo de queixa contra alguém. Como o Senhor vos perdoou,
assim perdoai vós também” (Col. 3,12ss). É preciso insistir muito sobre a
importância do perdão na vida de uma família. É indispensável expelir dos
próprios pulmões o ar oxidado para manter o organismo sadio, assim como
inspirar novo ar oxigenado. Perdoar-se é indispensável para manter vivo e sadio
um matrimônio, tão importante como amar-se. O perdão, quando é sincero, renova,
torna-se ele mesmo fator de crescimento do próprio amor. O fez notar o próprio
Jesus na casa de Simão: Quem amará mais? “Aquele a quem foi perdoado mais”.
Julgaste bem! ( Lc 7,42ss). E concluiu com uma frase que vale um tratado de
psicologia: Aquele a quem se perdoa pouco, ama pouco.
O
perdão constrói as relações de amizade e todas as relações sociais. Quanto há
compreensão e perdão entre amigos, essa amizade perdurará apesar dos pesares.
Os nossos amigos são pessoas como nós, com virtudes e defeitos; se nós, porém,
não compreendermos que eles nem sempre se comportarão virtuosamente é sinal de
que ainda não somos bons amigos. Até Deus permite que nós erremos, deixa que
pequemos, isto é, Deus respeita até o mau uso da nossa liberdade e… continua
nos amando, nos perdoando. Nós não podemos sufocar as pessoas sendo
intransigentes e insuportáveis; ao contrário, devemos compreender quem está no
erro sem minimizar as exigências da doutrina e da moral cristã.
Perdoar é, portanto, de verdade, um gesto
cheio de nobreza, digno do homem e indispensável para viver juntos e em paz.