terça-feira, 12 de setembro de 2017

A prostituição da alma


O mais incrível é quando você estuda qualquer coisa que a Igreja Católica, os doutores da Igreja e filósofos católicos nos ensinam e percebe tudo o que é dito de forma clara no seu dia a dia (sim, primeiro a autoridade da Igreja e depois a Bíblia, já que a Igreja é a autoridade sobre a Bíblia). Eu jamais conheci um protestante que não achasse que Deus é um gênio da lâmpada mágica que você esfrega 3x e ele surge para lhe dar bênçãos. Acabei de passar por DUAS situações que me comprovaram isso. Uma com uma moça na farmácia (pessoa de bom coração, muito amigável e com quem eu conversei por uma hora) estava conversando comigo e falamos sobre relacionamentos até que ela disse que pedia muito a Deus para resolver seus problemas. Até aí tudo bem, pois procuramos ajuda de Deus sempre. Eu disse que rezaria por ela e ela (que disse que acreditava em "energias") me disse: "reza mesmo! Faz lá o que vocês costumam fazer, como que chama? Descarrego?". A ignorância das pessoas nos impede de responder a certas coisas. Para respondê-la eu teria que dar uma aula a ela. É um total desconhecimento do que é a religião católica, o Cristianismo, a revelação cristã. Para o mundo a Igreja católica é mais uma "denominação" e toda a religiosidade desse cristianismo paganizado hoje em dia se resume a busca de bens na terra e "resolução de problemas", "descarregos", dízimos, promessas, loucuras.

Eis aí a grande diferença: a Igreja católica não fornece aos homens essa relação de troca com Deus e talvez por isso (é nem só por isso) ela seja tão odiada. Coisas que já escutei conversando com conhecidos sobre a Igreja, quando o assunto é muito pessoal e eu os alerto a respeito da seriedade dos sacramentos católicos: "ai, Day, pois é... mas a Igreja Católica é uma prisão". Tudo se encaixa perfeitamente: ninguém quer se sacrificar e matar suas vontades pelo bem, mas sim viver "livremente" fazendo o que deseja e justificando pecados. Justamente o que a VERDADEIRA Igreja de Cristo não aceita, não tolera, não ensina. E não faz por ódio, mas por amor a alma dos seres humanos, pois sabe que viver fazendo o que se deseja sem considerar a criação e a ordem da criação, sem considerar a vontade de Deus (sumo bem); tudo isso é engodo. Viver fazendo tudo o que deseja é escravidão e não liberdade. Torna-se escravo da própria vontade, dos próprios desejos. Essa é a pior escravidão que existe, pois ela é da alma. Melhor é um homem escravo dum senhor e que alimenta esperanças que ultrapassam o materialismo terreno do que um escravo de si mesmo e de seus pecados. E todo mundo peca? Sim, é o que nos ensina a Igreja de Nosso Senhor. Mas ela obviamente está em uníssono com a sua Santa Cabeça: "vá e não pequeis mais". Daí a necessidade da confissão periódica, pois é claro que você vai pecar muito. Todo dia. Talvez a diferença da "alma em paz" para a alma perturbada e inquieta não esteja no se dizer católico e participar dos sacramentos tão somente, mas em procurar a verdade com afinco, como SENTIDO DA VIDA. Mesmo que você esmoreça um pouco depois e tenha que implorar a Deus para lhe ajudar porque se depender de você... é caso perdido. Eu não vejo essa vontade de contemplar, de ser, de entender, sacrificar-se que não nos santos católicos ou naqueles que tentam segui-los. É difícil, mas é isso. Santos são MODELOS de Cristo, modelos de contrição. 

São Nilo de Grottaferrata


Neste dia mergulhamos na história de São Nilo, onde encontramos um exemplar cristão que viveu no sul da Itália e no fim do primeiro milênio. Nilo, chamado o Jovem, fazia parte de uma nobre família de origem grega, por isso foi considerado o último elo entre a cultura grega e a latina.

Era casado e funcionário do governo de Constantinopla, com o nascimento de uma filha, acabou viúvo e depois descobriu sua vocação à vida monástica, segundo a Regra de São Basílio. Após várias mudanças acabou se fixando em Monte Cassino, perto da famosa abadia beneditina.

Seu testemunho atraiu a muitos, tendo assim a felicidade de fundar vários mosteiros no Sul da Itália, com o cotidiano pautado pelo trabalho e oração. No trabalho, além da agricultura, transcrevia manuscritos antigos, introduziu um sistema taquigráfico (ítalo-grego) e compôs hinos sacros.

São Nilo realizou várias romarias aos túmulos dos santos Pedro e Paulo, aproveitando para enriquecer as bibliotecas de Roma, até que a pedido de Gregório, Nilo fundou um mosteiro em Grottaferrata, perto de Roma.

Este pacificador da política e guerras da época, teve grande importância para a história da Igreja, e na consolidação da vida monástica. Morreu com noventa e cinco anos de idade, no dia 25 de setembro de 1005.


Ó Deus, que o exemplo de vossos santos nos leve a uma vida mais perfeita e, celebrando a memória de São Nilo, imitemos constantemente suas ações. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.


São Nilo, rogai por nós!

Santíssimo Nome de Maria


Alguns dias depois do nascimento do Salvador, a Igreja consagrou uma festa para honrar o Nome bendito de Maria. Ensinava-nos, assim, quanto este Nome contém para nós de luz, de força, de suavidade, para nos encorajar a invocá-lo com confiança quando de nossas necessidades.

Assim, depois da festa da Natividade da Santíssima Virgem, a Igreja consagra um dia para honrar o Santo Nome de Maria para nos ensinar, através da Liturgia e o ensinamento dos Santos, tudo aquilo que este Nome contém para nós de riquezas espirituais, porque igualmente àquele de Jesus, o temos sobre os lábios e no coração.

A festa do Santo Nome de Maria foi concedida por Roma, em 1513, a uma diocese da Espanha, Cuenca. Suprimida por São Pio V, foi repristinada por Sisto V e depois estendida em 1671 ao Reino de Nápoles e a Milão. Aos 12 de setembro de 1683, tendo Jan Sobieski vencido, com seus Polacos, os Turcos que assediavam Viena e ameaçavam a cristandade, Papa Inocêncio XI, em ação de graças, estendeu a festa à Igreja universal e a fixou no domingo entre a Oitava da Natividade. O santo Papa Pio X a trouxe de volta ao dia 12 de setembro.

Mais do que a lembrança histórica da instituição da festa, nos interessa o significado do Nome bendito dado à futura Mãe de Deus e nossa.

O nome para os Judeus tinha uma importância grandíssima e se costumava impor com solenidade. Sabemos pelas Escrituras que Deus interveio algumas vezes na designação do nome que seria imposto a algum de seus servos. O Anjo Gabriel avisa Zacarias que seu filho se chamará João e ele ainda diz a José, explicando-lhe a Encarnação do Verbo: "Lhe darás o nome de Jesus". Pode-se, então, pensar que Deus de alguma forma interveio para que à Santíssima Virgem fosse imposto o nome exigido pela sua grandeza e dignidade. Joaquim e Ana impuseram à sua menina o nome de Maria que nos é tão caro.

Os Santos se comprazeram em comparar o Nome de Maria àquele de Jesus. São Bernardo havia aplicado ao Senhor o texto dos Cânticos: "O teu nome é como óleo derramado" porque o óleo dá luz, alimento e remédio. Também Ricardo de São Lourenço diz: "O nome de Maria é comparado ao óleo, porque, depois do nome de Jesus, sobre todos os outros nomes, revigora os fracos, enternece os endurecidos, cura os doentes, dá luz ao cegos, dá força a quem perdeu todo vigor, o unge para novos combates, quebra a escravidão do demônio e, como o óleo ultrapasse qualquer licor, ultrapassa qualquer nome".

Mais de sessenta e sete interpretações diferentes foram dadas ao nome da Maria, conforme for considerado de origem egípcia, siríaca ou hebraica, ou, ainda, como um nome simples ou composto. Lembremos os quatro principais. “O nome de Maria, diz Santo Alberto Magno, tem quatro significados: iluminadora, estrela do mar, mar amargo, senhora ou dona”.

É a Virgem Imaculada, que a sombra do pecado jamais ofuscou; é a mulher vestida de sol; é “Aquela cuja vida gloriosa ilustrou todas as Igrejas” (Liturgia); é, enfim, Aquela que deu ao mundo a verdadeira Luz, a Luz da Vida.

A Liturgia a saúda assim no hino, tão poético e popular: Ave Maris Stella, e, ainda, na Antífona do Advento, no tempo de Natal: Alma Redemptoris Mater. 

Sabemos que a estrela do mar é a Estrela Polar, que é a estrela mais brilhante, mais alta e última das que formam a Ursa Menor, tão próxima ao polo que parece imóvel, e por esse fato é de muita utilidade para orientar e ajuda os navegantes a dirigir-se, quando não possuem uma bússola. 

Assim Maria, entre as criaturas, é a mais alta em dignidade, a mais bela, a mais próxima da Deus; invariável no seu amor e na sua pureza, Ela é para nós exemplo de todas as virtudes, ilumina a nossa vida e nos ensina o caminho para sair das trevas e chegar a Deus, que é a verdadeira Luz.

Maria é o Mar Amargo no sentido de que, em sua materna bondade, ela torna amargos para nós os prazeres da terra, que tentam nos enganar e nos fazer esquecer o verdadeiro e único bem; também o é no sentido de que, durante a Paixão do Filho, seu coração foi traspassado pela espada da dor. É mar, porque, assim como o mar é inexaurível, inexaurível é a bondade e a generosidade de Maria para todos os seus filhos. As gotas de água do mar não podem ser contadas a não ser pela ciência infinita de Deus, e nós podemos apenas suspeitar a suma imensa das graças que Deus depositou na alma bendita de Maria, desde o momento da Imaculada Concepção até a gloriosa Assunção ao Céu.


Maria é verdadeiramente, conforme o título que lhe foi dado na França, Nossa Senhora. Senhora quer dizer Rainha, Soberana. Maria é verdadeiramente Rainha, porque é a mais santa de todas as criaturas, a Mãe dAquele que é Rei por título de Criação, Encarnação e Redenção; porque, associada ao Redentor em todos os seus mistérios, a Ele é gloriosamente unida no Céu em corpo e alma, e, eternamente beata, intercede continuamente por nós, aplicando às nossas almas os merecimentos que adquiriu diante dEle e as graças das quais é feita mediatriz e dispensadora.


Grande Mãe de Deus e minha Mãe, ó Maria, é verdade que eu não sou digno de proferir o vosso nome; mas vós, que me tendes amor e desejais minha salvação, concedei-me, apesar de minha indignidade, a graça de invocar sempre em meu socorro vosso amantíssimo e poderosíssimo nome. Pois é ele o auxílio de quem vive e salvação de quem morre.

Puríssima e dulcíssima Virgem Maria, fazei que seja vosso nome de hoje em diante o alento de minha vida. Senhora, não tardeis a socorrer-me quando vos invocar. Pois, em todas as tentações que me assaltarem, em todas as necessidades que me ocorrerem, não quero deixar de chamar-vos em meu socorro, repetindo sempre:

Maria! Maria! Assim espero fazer durante a vida, assim espero fazer particularmente na hora da morte, para ir depois louvar eternamente no céu vosso querido nome, ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

A Igreja de Cristo e o Mundo


Quando, lá no oriente médio, perseguem cristãos, vocês acham que são o que? Católicos ou cristãos da oitava igreja de Deus dos últimos dias do apocalipse da terceira geração? Pois é. Quando feministas retardadas vão fazer protestos anti "fundamentalismo", vocês acham que elas vão pra porta duma Catedral enfiar imagens de Nossa Senhora mãe do Senhor nos seus orifícios (Deus me perdoe só por falar isso) ou elas vão simular um "aborto de Jesus" na porta duma "igreja universal"? (Por falar nisso, vamos deixar claro que a única Igreja Universal é a Igreja Católica. O termo "católico" vem do grego καθολικος e significa universal. Justamente por isso ela está em todos os países).

Por mais que a "bancada evangélica" faça barulho na política, pergunte ao Jean Wyllys qual a inimiga número 1 da "liberdade e dos direitos humanos". Se Ele não responder "a Igreja Católica" pode saber que tem algo errado. Quando um muçulmano louco saiu atirando e fez centenas de vítimas na boate nos EUA, pergunta se os gays e feministas fizeram protesto em frente a uma mesquita. Não. Tem foto com bandeirinhas de arco íris na porta de quem, mesmo? Ah, é. Da Igreja Católica. O máximo que acontece com essas seitas protestantes e neopentecostais é serem zoadas pelo mundo. O mundo não leva a sério porque não o incomoda verdadeiramente. Agora se você quer saber o que é perseguição, pergunte a cristãos do oriente médio o que é não poder viver dentro da Igreja de Cristo. Não que eu me sinta uma vítima perseguida, não. Cristo já alertou sobre o que aconteceria a sua Igreja e aos que estão Nela. Mas assim que virei católica, senti o mundo se voltando contra mim. Um professor na Universidade chegou a me ameaçar. Pois é. E isso já é esperado. Por mais que você seja um bosta pecador, abrace a verdade e veja o mundo querendo lhe crucificar. 

domingo, 10 de setembro de 2017

Martinho Lutero como a escola nunca ensinou: antilatino e antissemita

Celebrações do 5º centenário do cisma luterano evitam aspectos obscuros do legado de Lutero. O manto religioso encobre um conflito político e nacionalista.

Diz a lenda que, em 31 de outubro de 1517, o monge agostiniano Martinho Lutero (1483-1546), escandalizado com o vergonhoso espetáculo que a Igreja Católica oferecia e indignado com a venda de indulgências, pregou nas portas da igreja de Wittenberg as 95 teses que desafiavam o poder de Roma. O aniversário de 500 anos desse gesto está sendo celebrado com pompa na Alemanha. Merkel e Obama prestaram homenagem a Lutero em 25 de maio no Portão de Brandemburgo e, por volta da mesma data, foi inaugurada uma espetacular exposição em Wittenberg. Esses são só alguns dos eventos mais destacados. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os aniversários luteranos (nascimento, morte, 95 teses, iluminação divina durante a tempestade de 1505…) quase não tinham relevância. Mas agora isso mudou. Por quê?

O gesto descrito às portas da igreja de Wittenberg é a representação mítica e ritual do significado de Martinho Lutero para o chamado Sacro Império Romano-Germânico. Há muito se duvida que ele tenha mesmo pregado suas teses; as menções ao ato desafiador aparecem muito depois, conforme se vai adornando e mitificando a personagem Lutero e o cisma que ele trouxe consigo. Mas, se non è vero, è ben trovato (ainda que não seja verdade, é bem possível). Seria muito menos heroico mandar o texto de protesto pelo correio – que é o que provavelmente aconteceu – ao bispo de Mogúncia (Mainz). O gesto simbólico conserva hoje toda sua aura teatral, mas era muito mais épico naquele tempo, porque o homem do século XVI sabia que essa era a maneira de divulgar os chamados cartazes de desafio, em que um cavalheiro insultava publicamente outro e o desafiava a um duelo. E era preciso responder, quem não o fazia ficava desonrado para sempre. Há, na figura de Lutero, um componente de heroísmo a posteriori muito interessante para compreender seu significado na história da Alemanha e também, não se surpreenda o leitor, na da Espanha.

O cisma luterano é a manifestação de um problema político, mas o contexto religioso em que foi mantido turva completamente sua compreensão. Através dele se expressa o nacionalismo germânico primordial e, por isso, Martinho Lutero é celebrado e exaltado na Alemanha cada vez que esse nacionalismo ganha força. Desde a Segunda Guerra Mundial não se comemorava de maneira significativa nenhuma efeméride luterana. Em 1983 passou em branco na Alemanha Ocidental o quinto centenário do nascimento de Martinho Lutero, tão festejado nos tempos de Bismarck. Em 10 de novembro de 1883, por exemplo, o imperador Guilherme I liderou o desfile do quarto centenário de nascimento de Lutero em Eisleben.

Em Historia del año 1883 o intelectual e político espanhol Emilio Castelar escreve: “Os povos protestantes celebraram o quarto centenário de Lutero com júbilo universal” e ainda, embora “os católicos e os protestantes da Alemanha não tenham concordado em homenagear o religioso, concordaram em homenagear o patriota”. Mas o mais interessante é o expediente: “Nós, que não pertencemos à religião luterana nem à raça germânica, espanhóis e católicos de nascimento, podemos celebrar sem receio aquele que, iniciando as liberdades de pensamento e de exame, iniciou as revoluções modernas, por cuja virtude rompemos nossos grilhões de servos e proclamamos a universalidade da justiça e do direito”. Não precisamos, portanto, ir a Wittenberg para ler os textos que comentam a espetacular exposição. O que ali se conta é exatamente o mesmo que Castelar nos diz: Lutero, o pai da liberdade religiosa na Europa; Lutero, o herói por cujo esforço ímpar este continente se livrou das trevas e da escravidão. Castelar diz que “rompemos nossos grilhões”. A Lutero devemos nada menos que “a justiça e o direito”, porque é evidente que os espanhóis não tínhamos isso.

E, claro, se Lutero rompe os grilhões é porque havia grilhões a romper e alguém os tinha colocado. Se traz a liberdade de pensamento é porque isso não existia, e quem impedia? Nem é preciso dizer com todas as letras, mas está aí, constantemente presente: o sombrio e sinistro Império espanhol e católico. Para que o herói Lutero exista é preciso haver um monstro que o antagonize. Sem monstro, não há herói. Quem visita Wittenberg ou qualquer das muitas exposições e celebrações na Alemanha hoje, mesmo sendo espanhol e católico – e especialmente se for espanhol e católico – não vê o cenário que torna possível o brilho germânico. Quando digo católico não quero dizer religioso. A fé é irrelevante neste contexto. Refiro-me a quem nasceu em um país de cultura católica. Porque esse fulgor germânico precisou, século após século, como condição sine qua non para sua exaltação, que o sul mediterrâneo fosse obscuro e atrasado, imoral e decadente, indolente e pouco confiável. Foi em tempos de Lutero que o adjetivo welsch – uma denominação geográfica pouco precisa para referir-se ao sul – passou a significar latino ou românico, e malvado e imoral ao mesmo tempo.

A “liberdade luterana” não resiste a um olhar próximo e livre de preconceitos. Começou provocando uma guerra espantosa que se chamou Guerra dos Camponeses e deixou mais de 100.000 mortos nos campos do Sacro Império. Porque os camponeses acreditaram de verdade naquelas exaltadas pregações da boca de Lutero e de outros que clamavam contra as riquezas acumuladas pelos poderosos da terra com Roma como fiadora de tais injustiças. Isso provocou uma convulsão social como nenhuma outra na Europa até a Revolução Francesa. Os príncipes alemães, cujo propósito era basicamente opor-se ao imperador, não pensaram que incentivar aquela efervescência antissistema (Carlos V e o catolicismo) poderia se voltar contra eles, mas tiveram que enfrentar uma revolta de proporções gigantescas. Alguns clérigos revolucionários como Müntzer, conhecido como o teólogo da revolução, mantiveram-se fiéis a seus princípios até o final e foram executados, mas Lutero decidiu sobreviver. Desde o início de 1525, depois da morte de Hutten e Sickingen, os dois líderes revolucionários que o tinham protegido, Lutero fica serviço dos príncipes alemães e incentiva a violência brutal com que os grandes senhores germânicos sufocaram as rebeliões campesinas: “Contra as hordas assassinas e saqueadoras molho minha pena em sangue, seus integrantes devem ser estrangulados, aniquilados, apunhalados, em segredo ou publicamente, como se matam os cães raivosos”.

A partir de então Lutero passa a ser o grande defensor das oligarquias senhoriais, o arrimo teológico de um feudalismo tardio que manteve a Alemanha em um estado de pobreza e atraso já superado na Espanha e na maior parte do sul. A estagnação dessas oligarquias pela via religiosa impediu a unificação da Alemanha e possibilitou uma sobrevivência anômala do sistema feudal nessa parte da Europa. Quase todo mundo sabe que a servidão na Rússia durou até o século XIX, mas se ignora que na Alemanha também, sobretudo nas regiões protestantes. Um dos primeiros estados a abolir as leis de servidão foi a católica Bavária em 1808, mas, na região oriental, o processo só foi concluído em meados do século. Bem. Isso no que diz respeito a Lutero como libertador social. Vejamos agora Lutero como libertador do pensamento.

sábado, 9 de setembro de 2017

Colômbia: Palavras do Papa no encontro pela reconciliação nacional


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO À COLÔMBIA
(6-11 DE SETEMBRO DE 2017)


ENCONTRO DE ORAÇÃO PARA A RECONCILIAÇÃO NACIONAL
PALAVRAS DO SANTO PADRE

Parque Las Malocas (Villavicencio)
Sexta-feira, 8 de setembro de 2017



Queridos irmãos e irmãs!

Desejei, desde o primeiro dia, que chegasse este momento do nosso encontro. Trazeis no vosso coração e na vossa carne as marcas da história viva e recente do vosso povo, sulcada por acontecimentos trágicos, mas cheia também de gestos heróicos de grande humanidade e de alto valor espiritual de fé e esperança.

Venho aqui com respeito e bem ciente de me encontrar, como Moisés, pisando uma terra sagrada (cf. Ex 3, 5). Uma terra regada com o sangue de milhares de vítimas inocentes e a dor angustiante dos seus familiares e conhecidos. Feridas que custam a cicatrizar e que nos fazem sofrer a todos, porque cada ato de violência cometido contra um ser humano é uma ferida na carne da humanidade; cada morte violenta «diminui-nos» como pessoas.

Estou aqui não tanto para falar, mas para estar perto de vós e fixar-vos nos olhos, para vos escutar e abrir o meu coração ao vosso testemunho de vida e fé. E, se mo permitis, desejaria também abraçarvos e chorar convosco, queria que rezássemos juntos e nos perdoássemos – também eu devo pedir perdão – e que assim, todos juntos, pudéssemos olhar em frente e avançar com fé e esperança.

Reunimo-nos aos pés do Crucificado de Bojayá, que, no dia 2 de maio de 2002, presenciou e sofreu o massacre de dezenas de pessoas refugiadas na sua igreja. Esta imagem possui um forte valor simbólico e espiritual. Ao fixá-la, contemplamos não só o que aconteceu naquele dia, mas também tanto sofrimento, tanta morte, tantas vidas destroçadas e tanto sangue derramado na Colômbia nos últimos decénios.

Ver Cristo assim, mutilado e ferido, interpela-nos. Não tem braços e o seu corpo já não está inteiro, mas conserva o seu rosto e, com ele, olha-nos e ama-nos. Cristo partido e amputado, para nós, ainda é «mais Cristo», porque mostra-nos uma vez mais que Ele veio para sofrer pelo seu povo e com o seu povo, e também para nos ensinar que o ódio não tem a última palavra, que o amor é mais forte do que a morte e a violência. Ensina-nos a transformar o sofrimento em fonte de vida e ressurreição, para que, unidos a Ele e com Ele, aprendamos a força do perdão, a grandeza do amor.

Agradeço a estes nossos irmãos que quiseram, em nome de muitos outros, compartilhar o seu testemunho. Como nos faz bem ouvir as histórias deles! Deixam-me comovido. São histórias de sofrimento e amargura, mas também, e sobretudo, histórias de amor e perdão, que nos falam de vida e esperança, de não deixar que o ódio, a vingança e a dor se apoderem do nosso coração. 

Papa pede a ajuda de Maria para Colômbia que hoje quer reconciliar-se


Viagem do Papa Francisco à Colômbia
HOMILIA
Santa Missa e beatificação em Villavicencio
Sexta-feira, 8 de setembro de 2017

O vosso nascimento, Virgem Mãe de Deus, é a nova aurora que anunciou a alegria ao mundo inteiro, porque de Vós nasceu o Sol de Justiça, Cristo, nosso Deus (cf. Antífona do Benedictus). A festa da Natividade de Maria projeta a sua luz sobre nós, como se irradia a luz suave do amanhecer sobre a vasta planície colombiana, esta paisagem lindíssima de que Villavicencio é a porta, bem como na rica diversidade dos seus povos indígenas.

Maria é o primeiro esplendor que anuncia o fim da noite e, sobretudo, a proximidade do dia. O seu nascimento faz-nos intuir a iniciativa amorosa, terna e compassiva do amor com que Deus Se inclina sobre nós e nos chama para uma aliança maravilhosa com Ele, que nada e ninguém poderá romper.

Maria soube ser transparência da luz de Deus e refletiu os fulgores desta luz na sua casa, que partilhou com José e Jesus, e também no seu povo, na sua nação e na casa comum de toda a humanidade que é a criação.

No Evangelho, ouvimos a genealogia de Jesus (cf. Mt 1, 1-17), que não é uma mera lista de nomes, mas história viva, história dum povo com o qual Deus caminhou e, ao fazer-Se um de nós, quis anunciar que, no seu sangue, corre a história de justos e pecadores, que a nossa salvação não é uma salvação assética, de laboratório, mas concreta, uma salvação de vida que caminha. Esta longa lista diz-nos que somos uma pequena parte duma longa história e ajuda-nos a não pretender protagonismos excessivos, ajuda-nos a fugir da tentação de espiritualismos evasivos, a não abstrair das coordenadas históricas concretas em que nos cabe viver. E também integra, na nossa história de salvação, aquelas páginas mais obscuras ou tristes, os momentos de desolação e abandono comparáveis ao exílio.

A menção das mulheres – nenhuma das referidas na genealogia pertence à hierarquia das grandes mulheres do Antigo Testamento – permite-nos uma abordagem especial: na genealogia, são elas que anunciam que, pelas veias de Jesus, corre sangue pagão, que recordam histórias de marginalização e sujeição. Em comunidades onde ainda se arrastam estilos patriarcais e machistas, é bom anunciar que o Evangelho começa por salientar mulheres que criaram tendência e fizeram história.

E, no meio de tudo isto, Jesus, Maria e José. Maria, com o seu «sim» generoso, permitiu que Deus cuidasse desta história. José, homem justo, não deixou que o orgulho, as paixões e os ciúmes o lançassem fora desta luz. Pela forma como aparece narrado, nós sabemos antes de José aquilo que aconteceu com Maria, e ele toma decisões em que se manifestam as suas qualidades humanas antes de ser ajudado pelo anjo e chegar a entender tudo o que estava a acontecer ao seu redor. A nobreza do seu coração fá-lo subordinar à caridade aquilo que aprendera com a lei; e hoje, neste mundo onde é patente a violência psicológica, verbal e física contra a mulher, José apresenta-se como figura de homem respeitoso, delicado que, mesmo não dispondo de todas as informações, se decide pela honra, dignidade e vida de Maria. E, na sua dúvida sobre o melhor a fazer, Deus ajudou-o a escolher iluminando o seu discernimento. 

Colômbia: Papa destaca que é preciso caminhar juntos e ser construtores da paz


Viagem do Papa Francisco à Colômbia
Homilia da Santa Missa no Parque Símon Bolívar
Quinta-feira, 7 de setembro de 2017

O evangelista recorda que a chamado dos primeiros discípulos teve lugar nas margens do lago de Genesaré, onde as pessoas se reuniam para ouvir uma voz capaz de as orientar e iluminar; e é também o lugar onde os pescadores concluem a sua jornada fatigante, durante a qual buscam o sustento para levar uma vida sem penúrias, digna e feliz. É a única vez, em todo o evangelho de Lucas, que Jesus prega junto do chamado mar da Galileia. No mar aberto, confundem-se a esperada fecundidade do trabalho com a frustração pela inutilidade dos esforços vãos. Segundo uma antiga interpretação cristã, o mar também representa a vastidão onde convivem todos os povos. Finalmente, pela sua agitação e obscuridade, evoca tudo aquilo que ameaça a existência humana e que tem o poder de a destruir.

Usamos expressões semelhantes para definir multidões: uma maré humana, um mar de gente. Naquele dia, Jesus tem atrás d’Ele o mar e, à sua frente, uma multidão que O seguiu ao ver como Ele Se comove perante o sofrimento humano… e as suas palavras justas, profundas, seguras. Todos vêm ouvi-Lo; a Palavra de Jesus tem algo de especial que não deixa ninguém indiferente. A sua Palavra tem o poder de converter os corações, mudar planos e projetos. É uma Palavra corroborada pela ação, não são conclusões redigidas no escritório, expressões frias e distantes do sofrimento das pessoas; por isso, é uma Palavra que serve tanto para a segurança da margem como para a fragilidade do mar.

Esta querida cidade, Bogotá, e este belo país, a Colômbia, têm muito destes cenários humanos apresentados pelo Evangelho. Aqui vivem multidões que anseiam por uma palavra de vida, que ilumine com a sua luz todos os esforços e mostre o sentido e a beleza da existência humana. Estas multidões de homens e mulheres, crianças e idosos habitam uma terra de fertilidade inimaginável, que poderia dar frutos para todos. Mas também aqui, como noutras partes do mundo, há densas trevas que ameaçam e destroem a vida: as trevas da injustiça e da desigualdade social; as trevas corrutoras dos interesses pessoais ou de grupo, que consomem, egoísta e desaforadamente, o que se destina para o bem-estar de todos; as trevas da falta de respeito pela vida humana que diariamente ceifa a existência de tantos inocentes, cujo sangue brada ao céu; as trevas da sede de vingança e do ódio que mancha com sangue humano as mãos de quem faz justiça por sua conta; as trevas de quem se torna insensível ao sofrimento de tantas vítimas. Todas estas trevas, as dissipa e destrói Jesus com o seu mandato na barca de Pedro: «Faz-te ao largo» (Lc 5, 4).