A palavra
“agraciado” soa bem aos nossos ouvidos, não posso afirmar a mesma coisa do seu
antônimo. Mas não se erra ao afirmar-se que desgraçado significa sem-graça. Os
lavradores da parábola que nós escutamos eram agraciados: eram dignos da estima
do seu senhor que lhes confiara a sua vinha. Mas caíram na desgraça: perderam a
vinha e morreram por causa da própria ambição. Grande contradição a da vida
daqueles homens: querendo a herança, perderam a vida, perderam até mesmo a
possibilidade de ambicionar a herança.
Aqueles
lavradores tinham uma ambição desleal. Eles eram invejosos. Não estou falando
mal deles, simplesmente tento glosar o que eles mesmos disseram: “eis o
herdeiro! Matemo-lo e teremos a sua herança” (Mt 21,38). É fato que os
lavradores não suspeitavam duma coisa: o filho queria fazer deles participantes
da sua herança. Mas, pobres coitados! Os lavradores, que poderiam ser uns ricos
herdeiros por graça do seu senhor, acabariam sendo homicidas e exterminados sem
piedade. Eram uns homens miseráveis porque eram egoístas e invejosos. Temos que
ter cuidado: poderíamos ser uns desgraçados, inclusive ambicionando coisas
boas.
Mais
ainda, provavelmente, se tivessem ficado com a herança teriam se matado entre
eles, cada um defendendo os próprios “direitos”. Como a estória daqueles três
“amigos” que eram assaltantes. Conta-se que na hora de dividir o produto do
roubo resolveram “comemorar”. Sendo assim, um deles foi comprar uma garrafa de
whisky para fazer a festa. Este, muito esperto, resolve ficar com tudo só para
ele e coloca veneno na garrafa para que os outros morram. Enquanto isso os
outros dois “amigos” planejam o seguinte: ficar com tudo para eles. Quando
chega o que fora comprar o whisky, os outros dois o matam e, para comemorar
tomam o whisky… Péssimo resultado! Morreram todos! É fato: quem não sabe
partilhar não serve para ter.
A
parábola que o Senhor Jesus nos contou no dia de hoje é um resumo de toda a
história da salvação com os seus progressos e os seus regressos. Da parte de
Deus, ele sempre a fez progredir. No que diz respeito ao ser humano, havia
progresso quando ele correspondia à vontade de Deus; regresso, quando as
pessoas se rebelavam contra o querer de Deus. Finalmente, “Deus enviou o seu
próprio Filho, que nasceu de uma mulher e nasceu submetido a uma lei, a fim de
remir os que estavam sob a lei, para que recebêssemos a sua adoção” (Gl 4,4-5).
Desta maneira, o homem pôde corresponder perfeitamente à vontade do Pai. Jesus,
verdadeiro Deus e verdadeiro homem, viveu intensamente a vontade do seu Pai do
céu.
“Hão de
respeitar o meu filho” (Mt 21,37). Mas não! Mas será que hoje em dia se
respeita o Filho de Deus que morreu e ressuscitou pela nossa salvação? A
ingratidão é uma coisa penosa, machuca o coração e fere os sentimentos mais
profundos. Às vezes, a ingratidão é mais dolorosa que um ato de violência
física. O Coração do nosso Pai do céu é alvo de constantes ingratidões. Deus
nos oferece a felicidade e nós pensamos que as suas exigências santas são como
uma espécie de moral de escravos ou de infelizes. Deus oferece o que é bom, o
que constrói o ser humano, mas nós continuamos com a “cabeça dura” e o “nariz
empinado” querendo construir a própria felicidade à margem de Deus. Dá a
impressão que às vezes o homem quer colocar-se no lugar de Deus. O certo é que
há várias tentativas de construir um espaço sem Deus, sem religião, sem
valores; enfim, um mundo que se encaminharia à destruição por mãos do próprio
homem. A pessoa humana é um ser maravilhoso, mas pode transformar-se num pobre
desgraçado.
Não estou
sendo pessimista se afirmo que se a vinha não está nas mãos de Deus, as uvas
apodrecerão os dentes de quem as comer. Isto é, qualquer felicidade que deixa a
Deus de fora é uma fantasia. Como poderia ser verdadeiramente feliz alguém que
renuncia a algo que lhe é tão próprio como a dimensão religiosa da vida? Como
pode alcançar a felicidade alguém que era escravo, foi libertado, mas não quer
viver segundo aquilo que é tão próprio do seu ser: a liberdade? Como pode ser
feliz alguém que opta por desprezar aquele que quer fazê-lo feliz dando-lhe a
herança dos filhos?