Nesse texto me aprofundo brevemente em alguns aspectos da heresia modernista – que tanto mal fez e tem feito principalmente nos dias de hoje arrastando uma multidão de ludibriados até a apostasia silenciosa da fé católica – conforme assinalados pelo Vaticano I, São Pio X, Pio XII bem como as características fundamentais do herege modernista de acordo com o Magistério da Igreja. No entanto tenhamos sempre em vista que o modernismo pode se diversificar acidentalmente em diversas outras modalidades e até sob uma capa de aparente ortodoxia. É um erro que pode assumir expressões muito sutis, mas a todo momento com consequências devastadoras. É uma heresia capaz de causar uma verdadeira entropia da Profissão de Fé. Requer-se um exame cuidadoso da substância do modernismo conforme apresentada nas Encíclicas para se chegar a conclusão se realmente determinados comportamentos e teorias em voga têm fulcro modernista ou não.
1) O modernista crente
No crente o modernismo se manifesta com sinais de negação pratica da existência de uma religião objetivamente revelada por Deus, pois este acredita candidamente que a religião é objeto dos sentimentos ou da experiência individual. É forçoso para a razão admitir que a existência de apenas uma religião verdadeira tornaria qualquer pretensa experiência individual com o divino que contrariasse a Revelação totalmente nula de mérito na ordem sobrenatural. O modernista crente possui a tendencia de não sustentar tal postulado da razão ou relativizar este sutilmente, mas sempre apresentando como sequela alguma espécie de indiferentismo em relação a veracidade e unicidade da verdadeira religião, isto é, a Religião Católica – tal afetação tem efeitos deletérios no campo da fé católica. Para o modernista o sentimento religioso teria primado sobre a razão e consequentemente sobre as obrigações que a existência de uma religião objetivamente verdadeira demandariam. Isso não atinge somente a integridade da fé do modernista, mas mesmo o desempenho do modernista, dito católico, quanto das obrigações que lhe confiou a autoridade de Deus e da Igreja. É corriqueiro que o modernista desobedeça a autoridade divina e eclesiástica - naquilo que é de direito da autoridade exigir como as disciplinas e mesmo no que diz respeito a adesão apropriada a reta doutrina proposta pelo Magistério - sob o argumento de semelhante justificativa interior sentimentalista.
O Vaticano I condena esse erro anatemizando seus propugnadores:
Se alguém disser que a revelação divina não pode tornar-se mais compreensível por meio de sinais externos, e que portanto os homens devem ser motivados à fé só, pela experiência interna individual ou por inspiração privada – seja excomungado
São Pio X falando sobre esse erro:
Eis como eles [os modernistas crentes] o declaram: no sentimento religioso deve reconhecer-se uma espécie de intuição do coração, que pôs o homem em contato imediato com a própria realidade de Deus e lhe infunde tal persuasão da existência dele e da sua ação, tanto dentro como fora do homem, que excede a força de qualquer persuasão, que a ciência possa adquirir. Afirmam, portanto, uma verdadeira experiência, capaz de vencer qualquer experiência racional; e se esta for negada por alguém, como pelos racionalistas, dizem que isto sucede porque estes não querem pôr-se nas condições morais que são necessárias para consegui-la. Ora, tal experiência é a que faz própria e verdadeiramente crente a todo aquele que a conseguir. Quanto vai dessa à doutrina católica! Já vimos essas idéias condenadas pelo Concílio Vaticano I. Veremos ainda como, com semelhantes teorias, unidos a outros erros já mencionados, se abre caminho para o ateísmo. - São Pio X, Pascendi Dominici Gregis
Contudo há mais. O modernista crente afirma que Deus é somente objeto da fé – “fé" sentimentalista no caso – e não objeto da razão natural. Negam assim não somente os deveres para com a religião revelada, mas até a possibilidade de conhecer - dentro de certos aspectos – a existência do Criador por meio da razão natural. Contrariando explicitamente o Concílio Vaticano I:
A mesma Santa Igreja crê e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas; pois as perfeições invisíveis tornaram-se visíveis depois da criação do mundo, pelo conhecimento que as suas obras nos dão dele [Rom 1,20]; mas que aprouve à sua misericórdia e bondade revelar-se a si e os eternos decretos da sua vontade ao gênero humano por outra via, e esta sobrenatural, conforme testemunha o Apóstolo: Havendo Deus outrora falado aos pais pelos profetas, muitas vezes e de muitos modos, ultimamente, nestes dias, falou-nos pelo Filho [Heb 1,1 s; cân. 1]. - Concílio Vaticano I, Denzinger 1785
Por sua própria natureza é evidente que essa heresia quando semeada sob aparência de um discurso falsamente misericordioso ou professada de boa fé e então espalhada no âmbito da generalidade dos fieis tem como a efeito a gradual destruição da fé católica na alma dos cristãos, indiferentismo religioso e a implosão da autoridade da Igreja.
Atualíssimas são as palavras de São Pio X a respeito:
Que recursos deixam eles de empregar para angariar sectários? Procuram conseguir cátedras nos seminários e nas Universidades, para tornarem-se insensivelmente cadeiras de pestilência. Inculcam as suas doutrinas, talvez disfarçadamente, pregando nas igrejas; expõem-nas mais claramente nos congressos; introduzem e exaltam-nas nos institutos sociais sob o próprio nome ou sob o de outrem; publicam livros, jornais, periódicos. Às vezes um mesmo escritor se serve de diversos nomes, para enganar os incautos, simulando grande número de autores. Numa palavra, pela ação, pela palavra, pela imprensa, tudo experimentam, de modo as parecerem agitados por uma violenta febre. Que resultado terão eles alcançado? Infelizmente lamentamos a perda de grande número de moços, que davam ótimas esperanças de poderem um dia prestar relevantes serviços à Igreja, atualmente fora do bom caminho. - Pascendi