sábado, 27 de junho de 2020

Homilética: Vigília de São Pedro e São Paulo (28 de junho*): «Apascenta as minhas ovelhas».


Celebramos a Páscoa de Jesus, na vida e no ministério dos apóstolos Pedro e Paulo, agradecendo a Deus pela fé de Pedro e pelo empenho missionário de Paulo, testemunhas fiéis de Jesus Cristo. Rezemos em comunhão com a Igreja de Roma, que testemunhou o martírio deles, e com seu bispo de Roma, o Papa.

Os Apóstolos Pedro e Paulo se notabilizaram no grupo dos apóstolos de Jesus. Apesar da notoriedade que lhes foi dada ao longo da história da Igreja e, ainda hoje, eles são apresentados pelos evangelistas e nos Atos com profundas marcas de fragilidade humana, durante o seu encontro com Jesus.

Celebrando hoje a Páscoa desses dois grandes apóstolos e mártires de Jesus, a Igreja é lembrada que em todas as comunidades cristãs precisam estar presentes, e muito ligados com duas faces, os fundamentos da mesma missão evangelizadora: a vida eclesial com dinâmica de comunhão e participação e sua ação transformadora no mundo.

Hoje também rezamos especialmente pelo papa, bispo de Roma, cidade onde se deu o martírio de Pedro e Paulo. Sua missão é zelar para que a Igreja permaneça unida, fiel a Jesus Cristo e seu projeto, realizando com humildade e coragem uma ação evangelizadora, cada vez mais inculturada, profética e aberta a todos.

A festa dos Apóstolos alegra todo o mundo até os seus extremos, com júbilo profundo. Louvamos Pedro e Paulo, por Cristo, consagrados colunas das Igrejas no sangue derramado. São duas oliveiras diante do Senhor, brilhantes candelabros de esplêndido fulgor. Do céu luzeiros claros, desatam todo laço de culpa, abrindo aos santos de Deus o eterno Paço. Ao Pai louvor e glória nos tempos sem fronteiras. Império a vós, ó Filho, beleza verdadeira. Poder ao Santo Espírito, Amor e Sumo Bem. Louvores à Trindade nos séculos. Amém. (Liturgia das Horas).

COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

Textos: Atos 3,1-10; Gálatas 1,11-20; João 21,15-19

Podemos retomar alguns pensamentos das leituras bíblicas, começando pelo texto do Evangelho. Este diálogo entre Jesus e Simão, filho de João, possui uma força e uma densidade tais que deixa um sinal na nossa vida espiritual. Jesus pergunta três vezes ao pescador da Galiléia se ele O ama. Nos discursos da Última Ceia o Senhor falou diversas vezes do amor pela Sua pessoa, especificando que seria verdade só se fosse acompanhado pela prática dos Mandamentos: “Se me amais, obedecereis aos meus mandamentos” (João 14,15; cf. 14,21-23). Agora Ele pergunta, categoricamente, a Pedro se O ama. O texto grego utiliza dois verbos diferentes, ora um, oura outro, talvez para variar. Ao ouvir a tríplice pergunta, Pedro fica atônito: no final ele não responde ao “me amas mais do que estes?” inicial, e confia no conhecimento divino de Jesus, “Senhor, tu sabes tudo” (versículo 17), para Lhe dizer que o ama.

Depois de cada resposta afirmativa, Jesus confere ao Apóstolo o encargo: “Apascenta as minhas ovelhas, apascenta os meus cordeiros” (versículos 15-17). Do amor nasce o serviço na Igreja, serviço que é exercício de amor que Pedro deve cumprir, amando toda a Igreja. A Si mesmo, Bom Pastor, (João 10,10), Jesus faz suceder o pastor Pedro, como Seu vigário e continuador. As ovelhas e os cordeiros, isto é, todos os cristãos, são de Jesus, mas Pedro deve prestar-lhes o seu serviço de amor e de guia. Jesus Bom Pastor, dá “a vida pelas ovelhas” (João10,15) e preanuncia a mesma sorte ao pastor vigário: “Estenderás a mão” (versículo 8) para que, porventura, seja pregado numa cruz.

Exercemos já talvez atividades na paróquia; façamos tudo com amor. Ou então, poderíamos cumpri-las, mas ainda não nos decidimos: esforcemo-nos para que isso aconteça o mais depressa possível, preparemo-nos, atuemos por amor.

O apostolado nasce do amor e é exercido no amor. É o que nos dizem, na sua atividade concreta, os dois santos que festejamos. Pedro não tem ouro e nem prata, mas possui na realidade uma coisa ainda mais poderosa, “O que tenho te dou”, isto é, a fé operosa: “em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda” (Primeira leitura: Atos 3,6). Esta fé, fortalecida por obra do Espírito Santo no Pentecostes, levou Pedro a pronunciar a sua primeira pregação: com o milagre do coxo colocou as premissas para o seu segundo discurso sobre o “Nome” de Jesus (cf. Atos 4).

A Solenidade dos santos Apóstolos Pedro e Paulo quer despertar em nós o compromisso pelo apostolado no amor.

PARA REFLETIR

A Solenidade de S. Pedro e S. Paulo oferece-nos o testemunho de dois homens crentes e religiosos que se convertem a Jesus Cristo, o Filho de Deus e Salvador do Mundo. Convertem-se quando conhecem Jesus como o Senhor e permitem que se realize neles o encontro com o Seu amor misericordioso. Cada um à sua maneira, nas circunstâncias da sua existência de homens e de crentes, vê o Senhor, conhece o mistério da sua morte e ressurreição, ouve as palavras do chamamento: vem e segue-Me.

Pedro, um simples pescador do lago da Galileia, iletrado e inculto, homem rude, de mãos e pés calejados pela dureza pelo trabalho que lhe oferece os escassos recursos para o sustento quotidiano da sua família. Paulo, homem douto, letrado e culto, habituado ao estudo da Lei, pronto para as mais sérias discussões e interpretação dos mandamentos dos seus antepassados, acérrimo defensor do seu Deus e da sua religião. Ambos tementes a Deus, com experiências de vida tão diferentes, mas predispostos para o encontro com a Verdade e a Vida; ambos decididos a dar passos seguros e, sobretudo, a dar a vida, como acabou por acontecer, dando corpo à vocação de todo o discípulo de Jesus, que cedo lhes indica o género de morte com que haviam de dar glória a Deus.

“Tu amas-Me?”, é a pergunta que o Evangelho nos refere e que Jesus dirigiu diretamente a Pedro junto ao mar de Tiberíades. Ele já a havia intuído aquando do chamamento para ser discípulo junto ao mesmo Lago. Nunca teria seguido o Mestre se não tivesse conhecido o Seu amor, se não tivesse sentido que a sua resposta só poderia ser uma, no primeiro, no segundo e em todos os momentos: “Senhor, Tu sabes tudo, bem sabes que te amo”.

Só um amor maior poderia estar na origem da reviravolta total operada na vida de Paulo, quando cai por terra diante da Luz fulgurante de Cristo Ressuscitado, no caminho de Damasco. De acérrimo perseguidor de Cristo, de terrível perseguidor da Igreja de Deus, que procurava destruir, passou a apóstolo, e em vez de respirar ameaças de morte, passou a respirar sopros da vida, dispôs-se a percorrer a via da verdade, porque o amor do Senhor vence nele todo o ódio, fez mudar o pensamento, os objetivos, os caminhos e a totalidade da existência.

Diante destes dois baluartes, sentimo-nos muito pequenos na fé e no amor a Cristo Jesus, percebemos que nos falta a grandeza interior da fé do discípulo que segue o mestre para onde quer que vá, a força do amor apaixonado que faz revolver a vida. Teremos, porventura, grande facilidade de defender a existência de Deus, contra o ateísmo; defendemos a dimensão religiosa da natureza humana, contra o avanço do secularismo; defendemos a superioridade da cultura cristã, contra o sincretismo cultural de raízes tão variadas; defendemos o lugar da Igreja na sociedade, contra o emergir das novas potências agregadoras que se levantam... Mas, a paixão por Cristo, a certeza do Seu amor, a segurança da fé, a esperança contra toda a esperança, a disponibilidade para dar a vida, corpo e sangue, vontade, liberdade, serviço...

Deixar-se cair nas mãos de Deus, ser alcançado por Cristo, aceitar que nos construa interiormente, acolher as propostas de conversão integral, permitir que Ele viva em nós, é o caminho da fé ao qual todos fomos chamados, e que seguiremos com amor, cada um segundo a sua vocação.

Deus não precisa de defensores, a cultura cristã não precisa de apologetas, a religião católica não precisa de fariseus, a Igreja não precisa de poder, as comunidades não precisam de burocratas. Deus só nos pede amor e misericórdia incarnados em cada um de nós e na Sua Igreja; a humanidade só precisa do testemunho da nossa fé viva e apaixonada, do testemunho de uma fé que nos transforme e, conosco transformados, possa mudar um pouco do mundo.

Convido-vos, por isso, caríssimos irmãos, a renovarmos constantemente a alegria de nos convertermos ao Senhor de todo o coração, de convertermos a Cristo o nosso diaconado, o nosso presbiterado, o nosso episcopado; convido-vos a convertermos a Cristo a nossa condição de cristãos, a nossa condição de leigos, a nossa condição de consagrados.

Nenhum de nós foi simplesmente chamado a cumprir a agenda típica do ministro ordenado ou a executar as tarefas que se esperam de um ministro da Igreja; fomos chamados a ser de Cristo na fé, a ser da Igreja no serviço, a ser para a humanidade na misericórdia. Nenhum de vós, caros leigos, foi simplesmente chamado a cumprir preceitos ou obrigações dentro da Igreja, mas a ser sal, fermento e luz de Cristo nas realidades temporais em que estais mergulhados. Nenhum de vós, caros consagrados, foi simplesmente chamado a viver a radicalidade evangélica por meio da profissão da pobreza, da castidade e da obediência, mas a ser totalmente de Cristo, por dentro e por fora, com um coração indiviso.

Pedro e Paulo são grandes por serem de Cristo, por se deixarem converter por Ele e por viverem com Ele e n’Ele, dentro da Igreja que é o Seu Corpo, no serviço apostólico destinado a salvar o mundo. A nossa única grandeza está em sermos de Cristo, na Igreja, e para o mundo. A nossa única riqueza é o Cristo que trazemos no coração e que podemos repartir com todos os homens ansiosos de um encontro consolador, portador de esperança e gerador de salvação.

Conscientes de serem portadores desse imenso tesouro, Pedro e João, que se dirigem ao templo para orar, fixam os olhos num mendigo que pede esmola. Têm a coragem de lhe dizer: “olha para nós”. Ele olhava atentamente e espera deles alguma coisa. “Não tenho ouro nem prata, mas dou-te o que tenho: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda”.

Esta realidade comove-nos, tanto por sermos portadores de Cristo, consolação e salvação dos pobres deste mundo, quando percorremos as ruas da vida a que nos conduz o ministério, como quando estamos do lado dos pobres – e estamos sempre desse lado - e podemos acolher o Cristo que nos é dado por homens frágeis como nós.

“E, tomando-lhe a mão direita, levantou-o”. Feliz imagem para dizer tudo o que Jesus faz por nós e o que somos chamados a fazer, em seu nome e com Ele no coração, por aqueles a quem nos envia: levantá-los pela mão. Tudo o que somos e tudo o que fazemos no exercício do ministério sagrado, resume-se a levantar pela mão todos os que se encontram sentados, à porta do templo ou já dentro do templo. Ajudamo-los a levantar-se por dentro, por meio do anúncio da Palavra do Evangelho, da evangelização, por meio do serviço do altar, ou seja, pela celebração dos sacramentos, pela prática da caridade cristã.

Todo o exercício do ministério exige de vós, caros jovens: ter Cristo no coração e na vida, o tesouro que sois chamados a levar ao mundo; partir com os olhos atentos a todos os que esperam uma palavra ou um sinal de esperança; ajudá-los a ver Cristo por meio da fé; propor-lhes que O acolham e se alegrem com Ele. Aí encontrareis também a única recompensa que pode esperar o apóstolo do Senhor; aí sentireis a alegria de ser de Cristo e mensageiros da sua graça; aí podereis saborear a felicidade associada à graça da vossa vocação.

Que este dia de festa e de graça para toda a Igreja nos ajude a renovar a alegria da fé em Cristo Jesus, o entusiasmo para a evangelização e a fortaleza para a construção de comunidades de discípulos missionários.

Ampare-nos a Mãe de Deus e Mãe da Igreja, Aquela que acolhemos como Mãe desta porção do Povo de Deus, e a quem invocamos como Santa Maria.
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* Celebrada a partir das vésperas da Solenidade.

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