sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Como o israelita escrevia a história (Capítulo 2 – Parte 3/3)


Os antigos povos do Oriente, por muito elevado que fosse o seu grau de cultura, pouco prezavam a história... Era assaz generalizada a tese de que os séculos constituem ciclos fechados, os quais se repetem regulamente; acontecimentos já verificados no pretérito se reproduzirão em época futura; a sucessão dos tempos jamais conhecerá remate ou consumação final. Representavam esta concepção recorrendo à figura de uma serpente enrolada, cuja cabeça vem a morder a própria cauda (princípio e fim coincidem no mesmo ponto; todo o movimento que se registra entre os dois termos nada de novo acarreta!). Este circular contínuo e monótono da história era dito "o ritmo do yin e do yang", "a aspiração e a expiração de Brama", "a dança de Siva que produz e destrói sucessivamente os mundos", "a incessante alternância da Discórdia e da Amizade". 9

Em consequência, a tendência de muitos indivíduos era emancipar-se dos ciclos do mundo presente mediante a ascese, o esquecimento e o repúdio do corpo e do corpóreo, a fim de passarem a viver num mundo transcendente.

Isto explica que os antigos orientais pouco se tenham preocupado com historiografia, ou seja, com o relato contínuo e fiel das fases sucessivas da evolução humana. Quando o faziam, visavam apenas episódios restritos ou envolviam as narrativas dentro de concepções lendárias, mitológicas, de sorte que os relatos já não transmitiam a notícia de fatos ocorridos, mas eram, em grau maior ou menor, a expressão da fantasia popular ou de uma religiosidade politeísta, exuberante (nos diversos acervos de ruínas escavadas no Oriente até hoje, não se encontrou uma síntese histórica dos tempos antigos; apenas se descobriram elementos -, inscrições, documentos parciais - para se reconstituir a história da Assíria, do Egito, etc.).

Ora nesse ambiente o povo de Israel se distingue por ter cultivado a história, e o ter feito com esmero tal que só foi superado pelos gregos, mestres da historiografia ocidental. É o que reconhecem, não sem admiração, os críticos modernos racionalistas:

"Dentre todos os povos asiático-europeus, somente Israel e a Grécia possuem autêntica historiografia. Em Israel, que ocupa lugar privilegiado entre todos os povos civilizados do Oriente, a historiografia se originou em época tão remota que causa surpresa, e produziu logo de início obras de importância... Na Grécia surgiu mais tarde." 10

Com efeito, na literatura dos hebreus, que coincide com os escritos bíblicos, é delineada a história do povo em traços contínuos e de modo que pressupõe a pesquisa de fontes, a transcrição de documentos dos arquivos orientais... Quando é possível controlar as afirmações dos cronistas de Israel à luz de textos profanos, aqueles se comprovam fiéis à verdade, condizentes com o que referem outras fontes. 11 

A história de Israel assim descrita se desdobra uniformemente, sob a influência de uma ideologia monoteísta assaz forte para superar crises, aberrações, suscitadas entre os hebreus pela idolatria dos povos vizinhos. E como se explica que os rudes judeus, ultrapassando as categorias culturais do seu ambiente, tenham com tanto esmero cultivado a historiografia?

A razão do fenômeno está na religiosidade de Israel, inconfundível com a das outras nações do Oriente. Longe de professar que a sucessão dos tempos carece de sentido, os hebreus julgavam-na toda perpassada por um plano divino, que nela se vai atuando e tende à consumação no fim dos séculos; viam, pois, nos grandes acontecimentos da história comunicações, ora mais claras ora mais veladas, de Deus; o passado lhes aparecia qual mensagem divina a prenunciar realizações futuras ou a admoestar a melhor conduta de vida. 12 

Entende-se, pois, que, movidos por tal ideologia, os escritores de Israel se tenham preocupado com a redação de suas crônicas, dando-lhes côngruo desenvolvimento e realce.

Não seria justo, porém, afirmar-se apenas esta nota da historiografia em Israel. Outras observações se devem acrescentar à precedente, a fim de se poderem interpretar com exatidão as crônicas existentes na Sagrada Escritura. Tenham-se em vista, portanto, ainda os seguintes itens: 

São Gonçalo de Lagos


Este santo português nasceu em Lagos, no Algarve, por volta do ano de 1370. Tomou o hábito de Santo Agostinho no convento da Graça, em Lisboa, aos 20 anos.

Dedicou-se à uma vida de jejuns e de penitências enquanto aplicava-se às letras, aos estudos. Homem zeloso na vivência da Regra Religiosa, virtuoso e cheio de pureza, Gonçalo dedicou-se também à pregação chegando a ser superior de alguns mosteiros da sua Ordem.

O último mosteiro foi o de Torres Vedras, onde morreu em 1422, depois de exortar aos que viviam com ele no mosteiro à observância religiosa e à uma vida virtuosa.


Deus, fonte de todas as virtudes, que tornastes admirável o bem-aventurado São Gonçalo de Lagos na humildade de espírito, pureza de costumes e singular caridade, concedei-nos que, imitando na terra os seus exemplos, mereçamos com ele ser coroados no Céu. Por Nosso Senhor. Amém. 


São Gonçalo de Lagos, rogai por nós!

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A Sagrada Escritura e as Ciências Naturais (Capítulo 2 – Parte 2/3)


Importa agora abordar mais detidamente o problema particular que acaba de ser insinuado, a saber: embora a Bíblia seja a inerrante Palavra de Deus, entra por vezes em aparente conflito com as ciências da natureza. Como será isto possível? Antes do mais, observe-se que a finalidade em vista da qual Deus moveu os hagiógrafos a escrever, era estritamente religiosa: o Espírito Santo, pelos autores bíblicos, quis ensinar aos homens unicamente verdades que importem à salvação eterna, de modo nenhum temas que diríamos profanos ou científicos. Contudo, já que o homem procura a salvação dentro do cenário da natureza, a Sagrada Escritura também alude a conceitos de índole científica (física, astronômica, biológica, etc.).

Estas noções profanas na Bíblia servem de mero veículo; não são visadas em si, mas em função de proposições religiosas. Desta afirmação decorrem importantes consequências: às proposições religiosas da Sagrada Escritura cabe veracidade absoluta; quanto às referências de outra ordem, podem exprimir veracidade relativa, popular, pré-científica, a qual se distingue da veracidade científica, refletida técnica.

Ainda hoje na linguagem cotidiana se diz que "o sol nasce e se põe"; fala-se da baleia como "peixe", do morcego como "ave", etc. Estas expressões não deixam de ter fundamento objetivo, pois se baseiam na aparência que os fenômenos realmente apresentam.

Mesmo quando o homem de ciências se refere ao "nascer" e ao "pôr" do sol, todos sabem que não quer ensinar astronomia, mas se adapta ao modo de falar dos contemporâneos, sem os induzir em erro científico.

Ora o Espírito de Deus, ao inspirar os hagiógrafos, não julgou necessário revelar-lhes a estrutura do universo e dos seres vivos; permitiu, pois, que formulassem verdades religiosas mediante os conceitos de ciência que estavam em voga no seu povo. Tais noções, embora imperfeitas aos olhos do homem moderno, eram suficientes para designar o mundo visível e suas relações com Deus, como se propunha o hagiógrafo; servir-se de outra linguagem seria mesmo tornar a mensagem religiosa da Bíblia ininteligível aos seus destinatários durante muitos séculos.

O leitor contemporâneo, portanto, não tomará as alusões da Escritura como insinuação de teses físicas, cosmológicas, biológicas... Já que o Livro de Deus nada quer ensinar neste setor, não há choque entre o mesmo e a ciência humana quando se referem às criaturas materiais. Procedem, sim, de pontos de vista diversos: o cientista considera os elementos em si mesmos, refere-os às suas causas próximas e dá-se por satisfeito depois de ter tomado conhecimento da estrutura de cada ente corpóreo; não o interessa ir além disto (a menos que passe para os domínios da Filosofia e da Teologia). 

São Luís Orione


O Papa João Paulo II, em 1980, colocou diante dos nossos olhos um grande exemplo de santidade expressa na caridade: Luís Orione. Nasceu em Pontecurone, um pequeno município na Diocese de Tortona, no Norte da Itália, no dia 23 de junho de 1872.

Bem cedo percebeu o chamado do Senhor ao sacerdócio. Ao entrar no Oratório, em Turim, recebeu no coração as palavras de São Francisco de Sales lançadas pelo amado São João Bosco: “Um terno amor ao próximo é um dos maiores e excelentes dons que a Divina Providência pode conceder aos homens”. Concluiu o ginásio, deixou o Oratório Salesiano, voltou para casa e depois entrou no seminário onde cursou filosofia, teologia, até chegar ao sacerdócio que teve como lema: “Renovar tudo em Cristo”. Luís Orione, sensível aos sofrimentos da humanidade, deixou-se guiar pela Divina Providência a fim de aliviar as misérias humanas.

Sendo assim, dedicou-se totalmente aos doentes, necessitados e marginalizados da sociedade. Também fundou a Congregação da “Pequena Obra da Divina Providência”. Em 1899, Dom Orione deu início a mais um Ramo da nova Congregação: os “Eremitas da Divina Providência”. Em 1903, Dom Orione recebeu a aprovação canônica aos “Filhos da Divina Providência”, Congregação Religiosa de Padres, Irmãos e Eremitas da Família da Pequena Obra da Divina Providência.
A Congregação e toda a Família Religiosa propunha-se a “trabalhar para levar os pequenos os pobres e o povo à Igreja e ao Papa, mediante obras de caridade”. Dom Orione teve atuação heróica no socorro às vítimas dos terremotos de Reggio e Messina (1908) e da Marsica (1915).

Por decisão do Papa São Pio X, foi nomeado Vigário Geral da Diocese de Messina por 3 anos. Vinte anos depois da fundação dos “Filhos da Divina Providência”, em 1915, surgiu como novo ramo a Congregação das “Pequenas Irmãs Missionárias da Caridade”, Religiosas movidas pelo mesmo carisma fundacional.

O zelo missionário de Dom Orione cedo se manifestou com o envio de missionários ao Brasil em 1913 e, em seguida, à Argentina, ao Uruguai e diversos países espalhados pelo mundo. Dom Orione esteve pessoalmente como missionário, duas vezes, na América Latina: em 1921 e nos anos de 1934 a 1937, no Brasil, na Argentina e no Uruguai, tendo chegado até ao Chile. Foi pregador popular, confessor e organizador de peregrinações, de missões populares e de presépios vivos.

Grande devoto de Nossa Senhora, propagou de todos os modos a devoção mariana e ergueu santuários, entre os quais o de Nossa Senhora da Guarda em Tortona e o de Nossa Senhora de Caravaggio; na construção desses santuários será sempre lembrada a iniciativa de Dom Orione de colocar seus clérigos no trabalho braçal ao lado dos mais operários civis.

Em 1940, Dom Orione atacado por graves doenças de coração e das vias respiratórias foi enviado para Sanremo. E ali, três dias depois de ter chegado, morreu no dia 12 de Março, sussurrando suas últimas palavras: “Jesus! Jesus! Estou indo.” Vinte e cinco anos depois, em 1965, seu corpo foi encontrado incorrupto e depositado numa urna para veneração pública, junto ao Santuário da Guarda, em Sanremo na Itália.

O Papa Pio XII o denominou “pai dos pobres, benfeitor da humanidade sofredora e abandonada” e o Papa João Paulo II depois de tê-lo declarado beato em 26 de outubro de 1980, finalmente o canonizou em 16 de maio de 2004.


Ó Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, nós vos adoramos e vos damos graças pela imensa caridade que infundistes no coração de São Luiz Orione e por ternos dado nele o Apóstolo da Caridade, o Pai dos Pobres e o Benfeitor da humanidade, sofredora e abandonada. Concedei-nos que possamos imitar o amor ardente e generoso que São Luiz Orione tinha para convosco, a Santíssima Virgem, a Igreja, o Papa e todos os aflitos. Pelos seus méritos e sua intercessão, concedei-nos a graça que vos pedimos (pedir a graça) para experimentar a vossa Divina Providência. Amém.


São Luís Orione, rogai por nós!

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Minoria quer silenciar Fé de torcedores do “Fortaleza Esporte Clube”


A relação entre futebol e a fé não é coisa estranha, nem novidade. Santos de devoção, promessas feitas, votos cumpridos, clamores antes de começar o jogo. Levando em conta que os jogadores são atletas que saem de um população majoritariamente religiosa, tais práticas podem até ser consideradas culturais. 

Mas uma minoria de torcedores do Fortaleza Esporte Clube resolveu problematizar o assunto. Os laicistas que acabaram de testemunhar o milagre da saída do time da série C, não toleraram  que o Clube cantasse o hino de são Francisco, o santo católico querido até por ateus, e a exposição do mosaico “Glória a Deus” nas arquibancadas do Castelão no dia do jogo contra o CSA.

Padre nega dar comunhão a moça com decote "indecente" e causa revolta


O pároco de Valpaços, Manuel Alves, não deixou comungar uma jovem de 16 anos, durante uma eucaristia matinal na Igreja Matriz, alegando que a roupa que vestia não era adequada para levar à missa.

Liliana Mairos, residente em Valpaços, explicou à Agência Lusa que foi à missa, vestida de forma "totalmente normal", com calças de ganga, uma camisola de alças e um casaco. “Só se me via o tórax”, referiu.  "O padre, em voz alta e diante de todas as pessoas, disse-me se não tinha um colete para tapar os peitos e recusou-se a dar-me a comunhão", contou.

No fim da eucaristia, a madrinha da jovem foi falar com o sacerdote sobre o sucedido, mas o padre respondeu-lhe para ir ver "os preparos" em que a afilhada foi à missa.

Liliana Mairos e a família garantiram à Lusa que enquanto o padre Manuel Alves, de 80 anos e sacerdote há 57, continuar em Valpaços "nunca mais" vão à eucaristia.

Os pais, indignados com a situação, enviaram uma carta ao bispo da Diocese de Vila Real, Amândio Tomás, a relatar a situação e pedir esclarecimentos.

Na missiva, a que a Lusa teve acesso, a família da jovem questionou o bispo sobre "qual, afinal, é o dever de um padre dentro da igreja?".

Questionado sobre a recusa da hóstia à jovem, o pároco de Valpaços, Manuel Alves, afirmou que Liliana estava vestida de forma "indecente", não querendo prestar mais declarações.

Homilética: 31º Domingo do Tempo Comum - Ano A: "Falam mas não praticam!"


Segundo o Evangelho de Mateus (23,1-12), aos poucos vai-se acentuando a tensão entre Jesus e os escribas e fariseus, que acaba levando-O à morte. Jesus fala às multidões e aos discípulos da vaidade e dos desejos de glória dos fariseus, denunciando sua hipocrisia: “Eles dizem e não fazem”. “Amarram pesados fardos e os colocam nos ombros dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los nem sequer um o dedo. Fazem todas as suas ações só para serem vistos pelos outros; cobiçam os primeiros lugares nos banquetes, as primeiras cadeiras nas sinagogas, as saudações nas praças e que os homens os chamem de mestres.”

A este comportamento Jesus opõe a simplicidade e a humildade que quer ver sempre nos seus discípulos e, por conseguinte, em todos os apóstolos. Longe de se apresentarem como mestres, devem procurar que a sua autoridade se manifeste em atitudes humildes, modestas, fraternas e cordiais, pois assim terá credibilidade.

Não é a primeira vez que encontramos a oposição entre Jesus e os fariseus. Ao folhear o Evangelho, se percebe que esse grupo estava constantemente armando ciladas contra Jesus. Lemos noutra passagem: “os fariseus vieram perguntar-lhe para pô-lo à prova” (Mt 19,3). Quem eram os fariseus? Era um dos vários grupos que compunham o judaísmo de então. Eles eram extremadamente religiosos, daí a meticulosidade em observar mandamentos e preceitos. E havia muitos preceitos… Lê-se, por exemplo, no Talmude: “seiscentos e treze mandamentos foram entregues a Moisés, trezentos e sessenta e cinco negativos, correspondendo ao número dos dias do ano solar, e duzentos e quarenta e oito positivos, correspondendo às partes do corpo do homem” (Talmude babilônico, Makkot, 24). É lógico: quem tem tantos mandamentos a cumprir pode estar todo o dia agoniado procurando não cair em faltas contra tais preceitos.

Os fariseus eram crentes entusiastas, que valorizavam muito a Lei de Moisés, mas esqueciam o essencial, o amor e a misericórdia.

Diante de tanta coisa religiosa para ser cumprida, não é difícil viver uma vida dupla. Explico-me: como há uns mandamentos cuja prática deixa patente, diante dos outros, o que é bom; para que eu seja considerado bom, tenho que observar esses mandamentos fidelissimamente. Não obstante, existem as fraquezas humanas, as debilidades; todas elas colaboram para que haja certo fastio no cumprimento de tantas coisas. O perigo então é cumprir aquilo que externamente mostra uma boa conduta e não cumprir aqueles que os outros não podem julgar porque simplesmente não podem ver o cumprimento de tais preceitos.

Jesus Cristo vem ensinar a Verdade; mais ainda, Ele é a Verdade (Jo 14,6). Daí a singularidade e o caráter único de sua condição de Mestre. “Toda a vida de Cristo foi um ensino contínuo: o Seu silêncio, os Seus milagres, os Seus gestos, a Sua oração, o Seu amor ao homem, a Sua predileção pelos pequenos e pelos pobres, a aceitação do sacrifício total na Cruz pela salvação do mundo, a Sua ressurreição são a atuação da Sua palavra e o cumprimento da revelação. De sorte que para os cristãos o Crucifixo é uma das imagens mais sublimes e populares de Jesus que ensina.

Os fariseus gostavam de aparecer, e Jesus ao condenar os seus  principais vícios e corrupções quer incutir-lhes a virtude da humildade. Está é o fundamento de todas as virtudes, mas é especialmente da caridade: na medida em que nos esquecemos de nós mesmos, podemos interessar-nos verdadeiramente pelos outros e atender às suas necessidades. Ao redor destas duas virtudes encontram-se todas as outras. Afirma São Francisco de Sales: “humildade e caridade são virtudes mães; as outras as seguem como os pintinhos seguem as galinhas”. Em sentido contrário, a soberba, aliada ao egoísmo, é a raiz e a mãe de todos os pecados, mesmo dos capitais, e o maior obstáculo que o homem pode opor à graça.

A soberba e a tristeza andam frequentemente de mãos dadas, enquanto a alegria é patrimônio da alma humilde.

O humilde é audaz porque conta com a graça de Deus, que tudo pode, porque recorre com freqüência à oração, convencido da absoluta necessidade da ajuda divina. E por ser simples e nada arrogante ou auto-suficiente, atrai as amizades, que são seu veículo para ação apostólica eficaz e de longo alcance.

Santo Afonso de Ligório ensinou que “o primeiro traço da humildade é o modesto conceito de si mesmo.”

À virtude da humildade deve acrescentar-se ao amor sincero, a entrega generosa e o desinteresse pessoal de que nos fala S. Paulo: “Fizemo-nos pequenos no meio de vós. |Como a mãe que acalenta os filhos, assim pela viva afeição que vos dedicamos. Desejávamos dar-vos não somente o Evangelho de Deus, mas até a própria vida (…)”   (1 Ts 2, 7-8). Não são meras palavras, pois Paulo não retrocedeu nem sequer diante dos mais graves riscos para ganhar homens para Cristo e evangelizou-os “com trabalhos e fadigas, trabalhando noite e dia para não ser pesado a nenhum deles.” (1 Ts 2, 9). A sua generosidade chegou a renunciar àquilo a que tinha direito. Preocupou-se exclusivamente em dar e nada receber, convencido de que o desinteresse pessoal daria à sua pregação uma maior eficácia; de fato, a sua palavra foi acolhida, “não como palavra humana, mas como palavra de Deus que realmente é” (1 Ts 2, 13). A pregação desinteressada do Evangelho é o mais eloqüente testemunho da verdade da fé.

Que o Senhor nos conceda a graça de sermos cristãos coerentes, de fazermos o que dissermos para os outros! Pois os fariseus não fazem o que dizem.

No mundo, mas não do mundo


Desejaria exortar-vos a deixar tudo, mas não me atrevo. Se não podeis deixar as coisas do mundo, fazei uso delas de tal modo que não vos prendam a ele, possuindo os bens terrenos sem deixar que vos possuam. Tudo o que possuís esteja sob o domínio do vosso espírito, para que não fiqueis presos pelo amor das coisas terenas, sendo por elas dominados.

Usemos as coisas temporais, mas desejemos as eternas. As coisas temporais sejam simples ajuda para a caminhada, mas as eternas, o termo do vosso peregrinar. Tudo o que se passa neste mundo seja considerado como acessório. Que o olhar do nosso espírito se volte para frente, fixando-nos firmemente nos bens futuros que esperamos alcançar.

Extirpemos radicalmente os vícios, não só das nossas ações mas também dos pensamentos. Que o prazer da carne, o ardor da cobiça e o fogo da ambição não nos afastem da Ceia do Senhor!

Até as coisas boas que realizamos no mundo, não nos apeguemos a elas, de modo que as coisas agradáveis sirvam ao nosso corpo sem prejudicar o nosso coração.

Por isso, irmãos, não ousamos dizer-vos que deixeis tudo. Entretanto, se o quiserdes, mesmo possuindo-as, deixareis todas as coisas se tiverdes o coração voltado para o alto. Pois quem põe a serviço da vida todas as coisas necessárias, sem ser por elas dominado, usa do mundo como se dele não usasse. Tais coisas estão ao seu serviço, mas sem perturbar o propósito de quem aspira às do alto. Os que assim procedem têm à sua disposição tudo o que é terreno, não como objeto de sua ambição, mas de sua utilidade. Por conseguinte, nada detenha o desejo do vosso espírito, nenhuma afeição vos prenda a este mundo.

Se amarmos o que é bom, deleite-se o nosso espírito com bens ainda melhores, isto é, os bens celestes. Se tememos o mal, ponhamos diante dos olhos os males eternos. Desse modo, contemplando na eternidade o que mais devemos amar e o que mais devemos temer, não nos deixaremos prender ao que existe na terra.

Para assim procedermos, contamos com o auxílio do Mediador entre Deus e os homens. Por meio dele logo obteremos tudo, se amarmos realmente aquele que, sendo Deus, vive e reina com o Pai e o Espírito Santo, pelos séculos dos séculos. Amém.



Das Homilias sobre os Evangelhos, de São GregórioMagno, papa (Lib. 2, hom. 36, 11-13:PL76,1272-1274)                       (Séc.V)