É difícil aceitar, no texto de Isaías, a aparente incoerência entre a ideia do Messias vitorioso e o homem desfigurado que ele descreve. O profeta não se poupa a pormenores. Como é possível dizer com confiança “vede como vai prosperar o meu servo” e depois inicia uma longa e contraditória descrição do servo sofredor. “Tão desfigurado estava o seu rosto que tinha perdido toda a aparência de um ser humano”. “Muitas nações e reis ficarão calados”. Depois continua dizendo que o servo cresceu “sem distinção nem beleza, nem aspeto agradável”. Foi um castigado, ferido e humilhado. “Como um cordeiro levado ao matadouro” foi arrancado da terra dos vivos e ferido de morte. Só após este longo e penoso sofrimento, diz o profeta Isaías, “verá a luz”.
Que o Messias, prefigurado no servo maltratado, possa ter este fim ignóbil é absolutamente escandaloso. Na verdade, os primeiros cristãos que rezavam diante de uma cruz sabiam bem que a sua presença causava embaraço às pessoas, particularmente diante dos não-cristãos. Por esta razão, os primeiros espaços de oração “com cruz” previam a possibilidade de a esconder atrás de uma cortina ou no interior de um móvel. A cruz, com toda a sua carga simbólica, é e será sempre razão de escândalo, motivo de divisão das águas, entre quem procura o caminho da ressurreição e quem não o procura, entre cristãos e ateus. Poucos símbolos como este têm o condão de quebrar o muro da indiferença generalizada.
Não é por acaso que determinadas ideologias políticas, sob a capa de uma aparente inclusão, ordenaram a retirada dos crucifixos das escolas e edifícios públicos. Persiste a incapacidade de distinguir entre a saudável laicidade do Estado e a perversa ideologia do laicismo. Quando o Estado, institucionalmente laico, não compreende que a identidade, as tradições e os valores do seu povo são soberanos então simplesmente presta um mau serviço à nação. Se o povo se revê nos valores e na religião católica, qual é o beneficio de o privar de manifestações que considera fazerem parte da sua identidade? Não será este um sinal de imaturidade democrática?
Ao mesmo tempo, devemos ter consciência que o cristianismo corre o perigo de se interpretar como a religião do “sofrimento”, de acreditar que “é preciso sofrer” na vida. Em tempos, esta foi uma espiritualidade dominante. E, ainda hoje, conseguimos detetar alguns rastos da sua existência. É perigo no sentido em que, se algum cristão acredita mesmo que não existe uma saída da sexta-feira santa, a esperança cristã perde a sua vitalidade e profecia. O cristianismo é a religião que acredita na esperança e na verdade da ressurreição.