A liturgia do 31° Domingo do Tempo Comum diz-nos que o amor está no centro da experiência cristã. O caminho da fé que, dia a dia, somos convidados a percorrer, resume-se no amor Deus e no amor aos irmãos – duas vertentes que não se excluem, antes se complementam mutuamente.
No Evangelho (Mc 12, 28-34), lemos como um doutor da Lei fez uma pergunta a Jesus com toda a retidão. Este homem tinha presenciado o diálogo de Jesus com os saduceus e admirou-se com a resposta do Senhor. Decidiu então conhecer melhor os ensinamentos do Mestre e perguntou-lhe qual era o primeiro de todos os mandamentos. E Jesus, apesar das duras acusações que lançará contra os fariseus e os escribas, detém-se agora diante desse homem que parece querer conhecer sinceramente a verdade. No fim do diálogo, animando-o a dar um passo mais definitivo em direção à conversão, dir-lhe-á umas palavras alentadoras: Não estás longe do reino de Deus. Jesus sempre se detém diante de toda a alma em que brota o menor desejo de conhecê-lo.
Citando o primeiro versículo do “Shema’ Israel”, a grande profissão de fé que todo o judeu recitava no início e no fim do dia (cf. Dt 6,4-5), Jesus declara solenemente que o primeiro mandamento é o amor a Deus – um amor que deve ser total, sem divisões, feito de adesão plena aos projectos, à vontade, aos mandamentos de Deus (vers. 30: “com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças”). Como se achasse que a resposta não era suficiente, Jesus completa-a, imediatamente, com a apresentação de um segundo mandamento: “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (trata-se de uma citação de Lv 19,18). Ou seja: o maior mandamento é o mandamento do amor; e esse mandamento fundamental concretiza-se em duas dimensões que se completam mutuamente – a do amor a Deus e a do amor ao próximo.
Amar a Deus e amar ao próximo: se fossem fáceis não seriam mandamentos. O amor está no centro da experiência cristã. Não há ninguém que não ame, mas o que interessa é qual o objeto de seu amor. Nossa fé não diz apenas para amar, mas a quem amar.
De fato, o Mandamento do Amor só pode ser plenamente posto em prática por aquele que vive numa relação profunda com Deus, precisamente como a criança se torna capaz de amar a partir de uma boa relação com a mãe e com o pai. São João de Ávila, escreve no início do seu Tratado do Amor de Deus: “A causa que em maior medida estimula o nosso coração ao Amor de Deus é considerar profundamente o amor que Ele teve por nós… Este, mais que os benefícios, estimula o coração a amar; porque aquele que presta um benefício a outro, dá-lhe algo que possui; mas aquele que ama, dá-se a si mesmo com tudo o que tem, sem que lhe reste algo mais para dar”. Antes de ser um Mandamento – o amor não é uma ordem – é um dom, uma realidade que Deus nos faz conhecer e experimentar, de modo que, como uma semente, possa germinar também dentro de nós e desenvolver-se na nossa vida.
O que é “amar a Deus”? De acordo com o exemplo e o testemunho de Jesus, o amor a Deus passa, antes de mais, pela escuta da sua Palavra, pelo acolhimento das suas propostas e pela obediência total dos seus projetos para mim próprio, para a Igreja, para a minha comunidade e para o mundo.
O amor do próximo é, pois, essencialmente religioso, não simples filantropia. É religioso pelo seu modelo: o cristão ama o próximo para imitar Deus, que ama a todos sem distinção; mas o é sobretudo pela sua fonte, porque é a obra de Deus em nós; de fato, como poderíamos ser misericordiosos como o Pai dos céus, se o Senhor não nos ensinasse (1Ts 4,9) e se o Espírito não o derramasse em nossos corações (Rm 5,5; 15,30)?
O amor do próximo é, pois, essencialmente religioso, não simples filantropia. É religioso pelo seu modelo: o cristão ama o próximo para imitar Deus, que ama a todos sem distinção; mas o é sobretudo pela sua fonte, porque é a obra de Deus em nós; de fato, como poderíamos ser misericordiosos como o Pai dos céus, se o Senhor não nos ensinasse (1Ts 4,9) e se o Espírito não o derramasse em nossos corações (Rm 5,5; 15,30)?
Se o amor de Deus ganhou raízes profundas numa pessoa, ela torna-se capaz de amar até quem não o merece, como faz precisamente Deus em relação a nós. O pai e a mãe não amam os filhos só quando o merecem: amam-nos sempre, mesmo se naturalmente lhe fazem compreender quando erram. De Deus nós aprendemos a querer sempre e só o bem e nunca o mal. Aprendemos a olhar para o próximo não só com os nossos olhos, mas com o olhar de Deus, que é o olhar de Jesus Cristo. Um olhar que parte do coração e não se detém na superfície, vai além das aparências e consegue captar as expectativas profundas do outro: expectativas de ser recebido, de uma atenção gratuita, numa palavra: de amor. Mas verifica-se também o percurso contrário: que abrindo-me ao outro tal como ele é, indo ao seu encontro, pondo-me à disposição, abro-me também ao conhecimento de Deus, a sentir que Ele existe e é bondoso. Amor de Deus e amor ao próximo são inseparáveis e estão em relação recíproca. Jesus não inventou nem um nem outro, mas revelou que eles são, no fundo, um único Mandamento, e fê-lo não só com palavras, mas sobretudo com o seu testemunho: a própria Pessoa de Jesus e todo o seu Mistério encarnam a Unidade do Amor de Deus e do próximo, como os dois braços da Cruz, vertical e horizontal. Na Eucaristia Ele doa-nos este amor duplo, doando-se a Si mesmo, para que, alimentados por este Pão, nos amemos uns aos outros como Ele nos amou.
O amor do qual o Evangelho insiste é sair de si mesmo para fazer o outro feliz. Exige compromisso com a verdade e com o bem moral, e jamais deveria ser confundido com paixão. A paixão é um sentimento mais ou menos transitório e que pode ter diversas causas.
O amor não é um sentimento, mas um ato de vontade, que pode ser acompanhado por um sentimento. Pode haver amor sem sentimento e sentimento sem amor, o que é pura paixão, desejo. Sentir não é amar. Amar é querer que o outro cresça, se desenvolva, se faça melhor. Isso não se refere às próprias necessidades ou desejos simplesmente. É a razão iluminada pela fé que dirá o que é o bem e o mal para o outro.
Jesus explica aos seus discípulos que é preciso amar os inimigos e orar pelos perseguidores. Trata-se, portanto, de um amor sem limites, sem medida.
Para viver o amor é preciso incomodar-se, é preciso desinstalar-se, é preciso aproximar-se e ocupar-se do próximo. Aprender de Jesus e dos santos como viver o amor.
O amor do qual se fala no Evangelho é fundado sobre a fé, um amor que reconhece que a fonte do amor não está no homem, mas em Deus. É um amor que provém de uma união com Deus. Não se trata de um amor puramente humano, trata-se de acolher o amor de Deus. Que o Espírito Santo transforme os nossos corações, pois o amor é a virtude mais importante do cristão, enquanto peregrinamos nesta terra, e será também a nossa ocupação no Céu, onde não existirá mais a fé, já que veremos Deus face a face, nem existirá mais a esperança, porque teremos chegado à meta. Somente o amor permanecerá. Aqui exercitamos o que depois viveremos em plenitude.
Amamos a Deus cumprindo os mandamentos e os nossos deveres no meio do mundo, evitando a menor ocasião de pecado, vivendo a caridade em mil detalhes… e também nesses gestos que podem parecer pequenos, mas estão cheios de delicadeza e de carinho para com o Senhor: uma genuflexão bem feita diante do Sacrário, a pontualidade nas práticas de piedade, um olhar dirigido com carinho ao Crucifixo ou a uma imagem de Nossa Senhora… São precisamente estas expressões aparentemente pequenas que mantêm aceso esse amor ao Senhor que nunca se deve apagar.
Tudo o que fazemos pelo Senhor são insignificâncias diante da iniciativa divina. “Deus me ama… E o Apóstolo João escreve: “Amemos, pois, a Deus, porque Deus nos amou primeiro”. – Como se fosse pouco, Jesus dirige-se a cada um de nós, apesar das nossas inegáveis misérias, para nos perguntar como a Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?”…
— É o momento de responder: “Senhor, Tu sabes tudo, Tu sabes que eu te amo!”, acrescentando com humildade: – Ajuda-me a amar-te mais, aumenta o meu amor!” (São Josemaria Escrivá, Forja, 497).
É fundamental que tenhamos consciência de que estas duas dimensões do amor – o amor a Deus e o amor aos irmãos – não se excluem nem estão em confronto uma com a outra. Amar a Deus é cumprir a sua vontade e os seus projetos; ora, a vontade de Deus é que façamos da nossa vida um dom de amor, de serviço, de entrega aos irmãos – a todos os irmãos com quem nos cruzamos nos caminhos da vida. Não se trata entre optar por rezar ou por trabalhar em favor dos outros, entre estar na igreja ou estar a ajudar os pobres; trata-se é de manter, dia a dia, um diálogo contínuo com Deus, a fim de percebermos os desafios que Deus tem para nós e de lhes respondermos convenientemente, no dom de nós próprios aos irmãos.